Miguel Fernandes: “Quero que a Foodintech seja uma empresa com um papel global, ou seja, que esta empresa portuguesa tenha uma tecnologia de aplicação mundial.”

Nasceu, cresceu e vive em Santo Tirso, uma cidade que adora e que tem “uma dinâmica incrível”, mas foi na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro que Miguel Fernandes se licenciou em Engenharia Zootécnica. Estudou, ainda, na Holanda antes de fundar a Foodintech, uma empresa com treze anos que tem um software que controla toda a produção numa fábrica. Os amigos riem-se quando pensam que “a pessoa tecnologicamente menos evoluída” que conhecem tem uma empresa de... tecnologia. A pesca é uma tradição de família que Miguel não abdica — tudo começou numa bateira na Ria de Aveiro —, já que lhe traz calma no meio de uma vida corrida. Apesar de ser uma pessoa focada, gostava de ter uma experiência espacial e ver a Terra “do outro lado.”

O que é a Foodintech?

A Foodintech é uma software house. Nós desenvolvemos o Flow Manufacturing, que é um software MES (Manufacting Execution System), vertical e de controlo de produção. Basicamente nós controlamos tudo o que são os fluxos produtivos desde a receção da matéria-prima até à montagem da encomenda. Nós integramos com os softwares de faturação, somos agnósticos em relação a isso, porque conseguimos integrar com qualquer um. Sintetizando, o que nós fazemos é um software de produção que se adapta a diferentes realidades industriais, até porque nós temos clientes que vão desde produção de colmeias, produção de detergentes ou medicamentos, até à agroindústria — onde somos líderes, neste momento.

Então, no fundo, vocês controlam toda a fábrica, não é (risos)?

Nós temos clientes que dizem que nós somos o Big Brother da produção (risos), isto é, em tempo real eles sabem o que é que está a acontecer na fábrica, o que é que está a ser produzido e o que não está a ser produzido. Conseguem ter uma perceção em tempo real e em qualquer lado do mundo de tudo o que está a acontecer na fábrica.

Como é que surgiu esta ideia? De onde é que isto vem?

Bem, eu costumo brincar e dizer que fui aprendiz de salsicheiro — fui diretor de qualidade numa indústria de carnes — e andava aos papéis no que toca ao controlo de produção, qualidade e segurança alimentar. Na altura tinha uns conhecimentos e começámos na brincadeira a programar o meu sistema de papel — isto em 2005, aproximadamente. Entretanto começaram a aparecer uns projetos que apoiavam empreendedorismo e ganhámos uma candidatura neotech, que basicamente culminou, passado um ano e meio, na fundação da Foodintech. Portanto foi no terreno e na fábrica que surgiu tudo isto. E foi assim que aconteceu (risos).

E foste tu que começaste tudo isto.

Sim, comecei eu. Sou o funcionário número um da empresa. Eu não sou informático e a coisa mais hilariante para os meus amigos é eu ter uma empresa de informática, quando eu sou a pessoa mais tecnobruta da minha empresa, de certeza (risos).

Bem, mas isso pode ter um efeito muito positivo.

Sem dúvida. Eu sou o “comprador da tecnologia” e por isso penso como o cliente. Na verdade, eu fui o primeiro cliente da minha tecnologia. Todo o contexto da nossa tecnologia foi a pensar em pessoas com baixa instrução e ambiente de chão-de-fábrica, onde há uma dinâmica incrível entre pessoas, processos, máquinas e materiais — e tudo isto tem de ser harmonizado.

Então e como é que a vossa tecnologia chega à fábrica? Como é que funciona esse processo?

Uma das nossas vantagens é que quem implementa a nossa tecnologia na fábrica não são informáticos, mas sim consultores especialistas nas diversas áreas, ou seja, engenheiros industriais, engenheiros químicos, engenheiros alimentares… Profissionais que se enquadram, percebem o cliente, percebem a tecnologia e fazem esse match.

E este software está em constante evolução e crescimento, não?

Sim, sim. A equipa de desenvolvimento é fundamental para isso. E talvez te diga que há uns anos este departamento era alimentado com as minhas ideias, enquanto que hoje em dia é a nossa comunidade de clientes que colabora com os seus responsáveis de projeto para trazer inputs. Os clientes são, neste momento, uma parte muito importante na estratégia de desenvolvimento da aplicação.

Quantas pessoas estão a trabalhar atualmente na Foodintech?

Ora bem não te consigo dar um número preciso, porque tinha de contar uma a uma (risos), mas somos 23 ou 24 pessoas.

Tive a sorte e o engenho de ter uma excelente equipa, principalmente aquele núcleo duro, que já está comigo há uns 10 anos — e alguns deles até são meus sócios.

Nestes treze anos de percurso da Foodintech, quais são os momentos-chave desta história?

Em primeiro lugar, acho que a ideia é boa. Surge no mercado e pela necessidade do mercado e hoje, passados treze anos, tenho a certeza absoluta que aquilo que nós estamos a desenvolver tem uma aplicação prática no mercado. Um outro aspeto fundamental é: tive a sorte e o engenho de ter uma excelente equipa, principalmente aquele núcleo duro, que já está comigo há uns 10 anos — e alguns deles até são meus sócios.  A equipa é completamente determinante num projeto e numa startup. A ideia é boa, mas aquilo que nós vendemos é tão complexo que se não tivesse uma equipa muito competente não era possível. Outro marco importante para nós foi, há dois anos, conseguirmos os nossos primeiros projetos internacionais. Apesar de eu achar que existe um vazio tecnológico e que há muito mercado em Portugal — esta história da indústria 4.0 ainda está a dar os primeiros passos —, é muito reconfortante saber que em países muito desenvolvidos (Irlanda e França) também há espaço para nós.

E momentos menos positivos para vocês? Tiveram alguma fase mais complicada?

Aquilo que nós implementamos é algo muito complexo, porque há uma revolução industrial que é provocada pela implementação do nosso software e nem todos os nossos clientes estão preparados para isso. O sucesso de um projeto nosso depende muito do cliente e dada a complexidade daquilo que nós nos propomos a fazer, o cliente tem de estar disponível e predisposto para mudar. Isso nem sempre é fácil acontecer.

E qual é que é a primeira reação dos vossos clientes? Como é que eles reagem à possibilidade de ter um software que vai controlar toda a fábrica?

Opá, eu passei cinco anos da existência da Foodintech a dar aulas (risos). Eu andei pelo país todo — em dez anos eu devo ter feito perto de 600 mil quilómetros — e basicamente o que eu notava é que as pessoas quando viam e percebiam a tecnologia elogiavam muito e diziam que era mesmo aquilo que precisavam. No entanto, o que acontecia muitas vezes era dizerem “é isto que eu preciso, mas eu ainda não estou preparado para assimilar isto”. Uma coisa que me alimentou muito durante estes anos e me deu um alento incrível era mesmo o impacto das apresentações da tecnologia aos clientes. Para perceberes, por exemplo, nós temos pipelines de negócios com sete anos! Entre a primeira reunião e o fecho do negócio passaram-se sete anos, o que significa que o cliente viu outras coisas, fez um estudo profundo e, no final, escolheu a Foodintech.

E quem são os vossos clientes?

Os nossos clientes são conhecidos do público, no sentido em que uma grande parte deles são do setor agroindustrial. Do nosso portefólio fazem parte empresas como a Soguima, Pascoal, Lugrade, Pinhais, A Poveira, Conserveira do Sul, Panidor, Doces do Marquês, Mistolin e muito mais.

Onde é que gostavas de ver a empresa daqui a uns cinco anos?

Aquilo que quero é que a Foodintech seja uma empresa com um papel global, ou seja, que esta empresa portuguesa tenha uma tecnologia de aplicação global. Não almejo ser líder mundial, mas ter uma posição robusta a nível mundial. Quero que esta tecnologia — que está descomprometida de requisitos nacionais — tenha um papel global. Por mais que me custe, para que isso aconteça a empresa tem de ser maior no que toca a recursos humanos. Gostava de manter alguma familiaridade na empresa, porque não há aqui patrão e funcionários. O que há é uma equipa e uma família que sabe bem que para onde é que nós queremos ir. Quero que a Foodintech cresça de forma sustentável, que tenha bons desafios e que cresça internacionalmente. Essencialmente, gostava que dentro de cinco anos fossemos reconhecidos como um player importante no desenvolvimento do setor industrial em Portugal.

É muito importante fazermos asneiras e cairmos, desde que saibamos que depois nos vamos ter de levantar.

Olhando para trás o que é que mudavas nestes treze anos de Foodintech?

Hmmm, eu acho que as coisas que eu fiz mal foram as coisas que me ensinaram mais e que me deram background e estofo diferente. É muito importante fazermos asneiras e cairmos, desde que saibamos que depois nos vamos ter de levantar.

De que forma é que a pandemia vos afetou?

Teletrabalho e reuniões remotas. O COVID para nós, do ponto de vista operacional, causou muito pouco transtorno, pelo contrário até, porque deslocamo-nos menos, somos mais eficientes e mais amigos do ambiente (risos). Percebemos, também, com isto que uma boa parte dos projetos podem ser remotos. Agora temos clientes que gostam muito da proximidade a dar o braço a torcer e a assumir esta operacionalização mais remota. O COVID veio reforçar a necessidade da digitalização da indústria e agora o cliente quer estar em casa e perceber como é que a fábrica está a funcionar. Há, obviamente, um aspeto negativo que nos trouxe e que se perdeu: a relação emocional entre a equipa. A interação afetiva entre a equipa é fundamental numa startup para que as pessoas estejam num bom nível de realização e satisfação. Isto perde-se muito no teletrabalho. Antes conseguia falar todos os dias com toda a gente e agora há malta que eu não vejo há não sei quantos meses.

Miguel Fernandes tem um hobbie que muitos não compreendem: pescar. É uma tradição familiar e foi a pescar que viveu dos momentos mais felizes da sua infância. Trabalhar na UPTEC Mar trouxe-lhe o conforto de em 15 minutos conseguir “ter a minhoca na água” e admite que há desafios piscatórios a correr com a malta “fanfarrona” da Foodintech. Diz ser uma pessoa focada e que gosta de um bom convívio, mas existe um Miguel antes e outro Miguel depois do nascimento da sua filha: a Maria.

Sei que és um homem que gosta de pescar. Como é que surgiu este gosto pela pesca?

Família. Quando era puto, nós tínhamos uma bateira — que é um pequeno moliceiro — na ria de Aveiro. Ainda nem havia autoestrada, por isso nós demorávamos imensas horas a chegar à Torreira, onde tínhamos um barco a remo. Esses são dos melhores momentos de infância que eu tive. Ir para a ria de Aveiro às 6 horas da manhã, com o sol a nascer e nós a entrar na bateira e passar um dia lá para cima e para baixo a ver onde é que os peixes estavam mais distraídos (risos). Também íamos para o Algarve em família e os machos da família iam fazer a sua pescaria e vivi momentos espetaculares nessa altura. Foi aí que entrou o bichinho.

Pescar funciona como uma espécie de yoga para mim.

Nunca pensaste que podia ser mais do que um hobbie?

Não, muito longe de ser profissional. Eu não pesco com uma frequência por aí além, calma (risos). Mas sabes que eu sou uma pessoa acelerada e pescar funciona como uma espécie de yoga para mim. Estar entre a cana, o mar ou o rio é algo que me faz bem.

Bem, eu acho que tens noção que a pesca é um hobbie que muitos não conseguem perceber (risos). O que é que tens a dizer àqueles que acham que a pesca é uma seca?

Sem dúvida que são muitas horas a dar banho à minhoca, como se costuma dizer (risos). Mas sim, a paciência é uma virtude muito importante em qualquer pescador. E eu como não sou particularmente paciente, tenho de me agarrar a outras coisas, como uma paisagem porreira, por exemplo.

DR: Tiago Ilharco
DR: Tiago Ilharco
O teu objetivo numa ida à pesca é conseguir um bom tempo de tranquilidade na tua vida ou conseguir um belo peixe para o jantar?

Opá, o peixe é sempre o prémio máximo de quem pesca (risos). Olha, o facto de estar aqui na UPTEC Mar trouxe-me um conforto incrível para ir pescar, porque eu tenho as canas aí e às vezes pego nas canas e vou a pé aqui para a praia de Leça e em 15 minutos tenho a minhoca na água (risos).

Há aí malta fanfarrona que eu gostava de levar a pescar para colocar as coisas em pratos limpos (risos).

Sozinho ou acompanhado nessa busca pelo belo peixe?

Sozinho, geralmente. Apesar disso, há aí uns desafios a rolar na empresa, mas que foram interrompidos pelo COVID. Há aí malta fanfarrona que eu gostava de levar a pescar para colocar as coisas em pratos limpos (risos). Mas sim, é algo que gostava de fazer: levar alguma malta daqui a uma pescaria, com uma grade de cerveja, umas boas conversas… O convívio é uma parte muito importante de pescar acompanhado.

Quais são as melhores zonas para dedicar umas horas à procura de uns pexes?

Confesso-te que não sou um batedor do terreno, só vou falando aqui com alguns pescadores. É como te dizia, o conforto de estar aqui em Leça é impecável para mim. Mas pelo que sei e vou ouvindo, esta zona do Castelo de Leça até à Petrogal tem bons pesqueiros. Mas pelo país fora tens imensas zonas fantásticas.

Além da pesca, tens outros hobbies? De que forma é que costumas ocupar o teu tempo livre?

Gosto muito de convívio. Sair à noite, beber um copo e estar com os amigos a conversar é algo que eu adoro. Há uns anos, quando estive no estrangeiro pintei. Era um autodidata, mas cheguei a fazer algumas pinturas e é algo que quero retomar.

Qual é o teu dia preferido da semana?

É a sexta-feira, porque tenho dois dias pela frente para me desligar um bocadinho desta responsabilidade.

O que é que não consegues deixar de fazer durante o fim de semana?

Ver os emails. Eu gosto de checkar os emails, até porque estamos numa fase muito interessante em que o mercado vem ter connosco. Quando recebemos esses contactos eu fico todo entusiasmado e posso dizer que me dá uma pica incrível! Como comercial nativo que sou, isso dá-me um pico de adrenalina!

Qual foi a pior coisa que a pandemia te retirou?

O relacionamento com as pessoas. Eu sou uma pessoa sociável e a pandemia retirou-nos esse contacto, quer com a família, quer com os amigos. Isto impediu os nossos jantares, um copo ao final da tarde… A parte da relação humana custa-me um bocadinho.

O teu maior defeito?

Tenho vários. Hmmm, talvez destaque que às vezes me falta alguma inteligência emocional. Sou uma pessoa emotiva e isso tem coisas muito boas, porque consigo, por exemplo, relacionar-me com um cliente de forma diferente. No final de uma sessão o cliente pensa que já me conhece há anos, muitas vezes. Ao mesmo tempo, essa emotividade pode funcionar pelo lado negativo, porque sou precipitado e uma determinada emoção é amplificada numa ou outra reação que considero menos apropriada.

Há um Miguel antes de ser pai e um Miguel depois de ser pai.

E qualidade qual destacas?

Olha, acho que sou focado. Focado e esclarecido.

Alguém marcou a tua vida de uma forma especial?

A minha filha, sem dúvida. Há um Miguel antes de ser pai e um Miguel depois de ser pai. Descobrir a minha filha a crescer é algo espetacular.

O que é que gostavas de ter feito e ainda não fizeste?

Eu não sou obcecado com essas coisas. Há muita coisa que gostava de ter feito como saltar de para-quedas, pôr-me em cima de uma prancha de surf, viajar mais… A verdade é que não sou obcecado com isso. Gosto mais de usufruir da vida e deixar que as coisas acontecem pela sua casualidade. Deixo que o tempo e a vida nos proporcionem essas coisas.

Diz-me três coisas que vais fazer na tua vida.

Com os pés na Terra, gostava de passar 15 dias num veleiro a visitar as ilhas dos Açores. Sem os pés na Terra, gostava de um dia ter uma experiência espacial e ver a Terra do lado de lá. E gostava de ter mais filhos, sim.

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