Jorge Ribeiro: “Trocar o desenho pela folha de Excel é algo que eu não quero.”

Jorge Ribeiro fundou o Pinguim Atrevido — que ganhou nome no registo na “lista pateta de firmas e denominações para registo de empresa na hora” — em 2016. Estudou Pintura e Cinema de Animação,em Portugal e na Irlanda, e encheu dois armários com folhas num dos filmes de animação que criou — sim, ainda em papel. Apesar dos bons projetos que foram chegando e a contraciclo com tudo o que se vive, o Pinguim amadureceu, mas nunca quis crescer. Jorge quer dar a volta ao mundo enquanto produz tranquilamente um filme de animação, mas quanto ao maior projeto da sua vida afirma não ter dúvidas: é a sua família. A música sempre esteve presente na sua vida: as bandas de garagem da juventude, o piano, a guitarra, o baixo e, recentemente, a música eletrónica chegou no sintetizador modular. Jorge Ribeiro é um artista e nunca quer deixar de o ser.

O que é o Pinguim Atrevido?

O Pinguim é uma produtora de cinema de animação e fazemos conteúdos animados de todo o género. Neste momento, fazemos filmes, telediscos, filmes para cinema e televisão e anúncios publicitários.

E quais são as técnicas/tecnologias que utilizam?

Já fizemos algumas coisinhas em stop motion, mas o principal é animação 2D e 3D, porque nós trabalhamos quase exclusivamente no computador. Só nestes dois universos temos uma infinidade de aspetos gráficos, por isso não temos tido mãos a medir no que estamos a fazer (risos).

Como é que surge o Pinguim Atrevido?

Eu tinha acabado uma série de animação para a RTP e estava a pensar qual seria o próximo desafio, em conjunto com duas pessoas que também trabalhavam comigo naquela empresa e projeto. Na altura, pensámos em tentar a nossa sorte e tínhamos um modelo de negócio diferente: queríamos criar personagens virtuais que pudessem ser vendidos como atores. No fundo, o mesmo personagem podia servir de mascote para diferentes empresas só com pequenas customizações. A ideia era termos um produto escalável que podia ser vendido várias vezes a várias empresas. Aliás, foi essa a ideia que apresentámos aqui inicialmente à UPTEC (risos).

Mas chegou a resultar ou alteraram para o modelo atual apenas mais tarde?

Ainda funcionou, mas rapidamente começámos a receber solicitações para fazermos filmes do início ao fim. A animação é um processo moroso e precisa de muita atenção, por isso como éramos só cinco, cada vez mais fomos deixando a ideia inicial de lado. Passámos a ser uma empresa de prestação de serviços e não a vender um produto, como tínhamos pensado.

Entretanto, os outros dois sócios acabaram por sair do projeto.

Sim, neste momento oficialmente sou só eu e trabalho com uma equipa de freelancers. Os outros colegas decidiram ir para outras empresas e adotar um estilo de vida mais… previsível, dira eu. Nós aqui temos de dar umas aceleradelas, ficar sem férias por um ou outro motivo… e acabei por ficar só eu.

A empresa iniciou-se mesmo quando?

Fazemos sete anos agora, por isso começámos em 2016.

Quais foram os momentos mais importantes do Pinguim até hoje?

Os momentos marcantes não são necessariamente os momentos bons. Nós tivemos um projeto muito grande: a Explorística, que era uma exposição sobre estatística e incluiu uma exposição itinerante que esteve a rodar Portugal. Além disso, depois tivemos também duas encomendas para exposições na Irlanda e em Inglaterra. Outros projetos grandes que fomos tendo… deixa-me pensar (risos). Isto não é um chapéu, que é um filme de 26 minutos para a RTP — uma produtora de imagem real faz isto em poucos meses, mas no nosso caso foi um projeto de dois anos (risos). Isto fez com que nós consolidássemos cada vez mais a vontade de contar histórias e de trabalhar ficção.

 …recentemente trabalhamos com a Warner Bros a fazer storyboard para uma série de animação.

E trabalhar com produtoras e empresas da área da animação também facilita muito o vosso dia-a-dia, não?

Sim, claramente. No início da empresa tivemos alguns clientes que não eram desta área e gastamos muito mais energia a explicar orçamentos e o próprio trabalho, porque a nossa pipeline é muito diferente de imagem real. Por exemplo, recentemente trabalhamos com a Warner Bros a fazer storyboard para uma série de animação e somos uma peça na engrenagem, com tarefas muito mais especializadas e focadas, mas ao mesmo tempo funciona tudo muito melhor. Embora, também tenhamos decidido que não é bem isso que queremos (risos). Não queremos ser só uma peça na engrenagem, porque queremos produtos com início, meio e fim.

Normalmente, como é que funcionam os pedidos que vos chegam? O argumento já vem feito ou vocês também criam essa parte?

Depende muito do projeto. Há alguns projetos, por exemplo com a comunidades intermunicipais, que só chegam até nós com uma ideia. Fizemos o CLIMAGIR e o que nos disseram foi que queriam um vídeo sobre as alterações climáticas na zona de Coimbra. A partir daí nós construímos tudo: argumento, storyboard, desenvolvimento de personagens e ambientes, animação, composição, edição e até som. Noutros casos, já nos entregam o argumento e nós vamos ajustando tudo daí para a frente, como foi o caso do Natal do Bruno Aleixo.

Ao longo deste percurso, já houve momentos complicados de gerir?

O momento mais difícil e onde eu não sabia o que é que ia acontecer no futuro, foi quando os dois sócios iniciais da empresa saíram. Nessa altura ponderei se fazia sentido ou não continuar e passei a perceber que a minha aversão a ter patrões (risos) não é transversal a toda a gente. Há pessoas que gostam da segurança e de saber como é que vai ser o amanhã, enquanto eu gosto de imprevisto do amanhã.

Quem são os principais clientes do Pinguim?

Além dos que já fomos falando, temos também bandas para quem fazemos telediscos — fizemos com a Quinta do Bill, Gisela João, Os Azeitonas e outros. São projetos que nos dão muita vontade de fazer e são muito estimulantes, mas de facto são muito maus para a estratégia empresarial. Os valores não justificam ter uma empresa aberta (risos). A indústria da música está a viver um momento muito delicado, as bandas não têm cash flow e não têm condições financeiras para pagar melhor pelos telediscos. Por outro lado, sempre que fazemos um novo teledisco temos outras bandas que nos abordam para fazermos mais (risos). É sempre um bom cartão de visita, apesar de tudo.

E além das bandas — que não são assim tão boas para o negócio —, com quem trabalham mais?

Trabalhamos com produtoras e outras empresas do meio que já conhecem como é que funcionam o mundo da animação — a Animais, por exemplo, que até já esteve na UPTEC. Além disso, trabalhamos também com animanostra (Lisboa), Studio Kimchi (Barcelona)… Diria que estes são mesmo os principais.

Onde é que podemos ver os vossos trabalhos?

Diria que 90% do que fazemos acaba por estar no Youtube, nos canais dos nossos clientes.

E porquê Pinguim Atrevido (risos)?

É uma questão muito formal (risos). Como nós não temos um espírito empreendedor com uma visão muito definida, nós decidimos fazer a empresa do dia para a noite e quando fomos registar a empresa existia uma lista de nomes patetas (risos). No meio dos nomes terríveis fomos à procura do mais terrível e ficamos Pinguim Atrevido (risos). Neste momento, apresentamo-nos como Pinguim, porque já somos mais maduros (risos). Sete anos de empresa já deu para amadurecer e o atrevido foi caindo (risos).

 …trocar o desenho pela folha de Excel é uma coisa que eu não quero.

O que é que te fez querer fundar o teu projeto?

É uma coisa muito pessoal: eu tenho alguns problemas com autoridade (risos) e com a relação patrão-funcionário. Sempre senti que a administração — nas empresas onde trabalhei antes — tomava decisões sobre coisas que não sabiam. Eu sempre fui empreendedor e ser o meu próprio patrão sempre foi algo presente. Por outro lado, também há uma característica que o Pinguim tem e que eu julgo que as outras empresas não têm: nós não queremos crescer. Já tivemos várias oportunidades para escalar — em determinados momentos se tivéssemos mais pessoas tínhamos conseguido dar melhor resposta e agarrar mais trabalho —, mas aí eu tinha que trocar o desenho pela folha de Excel e isso é uma coisa que eu não quero. Tenho amigos que o fizeram e agora são empresários a sério (risos), mas eu não quero isso, porque eu estou em paz quando estou a ouvir a minha música e a produzir os meus desenhos. O gozo que nos dá em ver um filme que nós fizemos, que não existia antes, mas agora existe porque nós o criamos é fantástico. Isto é muito mais interessante do que pagar contas e definir ordenados (risos).

Tendo em conta o que nos contaste, diria que daqui a cinco anos não vês o Pinguim num estágio muito diferente do de hoje.

O Pinguim não quer crescer. Nós temos muitos colaboradores mais jovens e eu estou sempre a dizer-lhes: “Pessoal, vocês um dia vão ficar com isto.”. Eu quero sair, porque acho que não é preciso andar sempre a correr. A hustle culture já não é para mim. Acho que quero chegar ali por volta dos 50 anos e dizer “está aí a empresa” e se alguém quiser continuar com o que fazemos e com esta carteira de clientes, perfeito. Por isso, daqui a cinco eu, sinceramente, não me vejo no Pinguim. Acho que é pouco provável, mas, se eu pudesse, saía daqui a três anos do Pinguim para dar a volta ao mundo enquanto faço um filme de animação com calma.

Quis ser pintor, mas por pouco tempo. Pensou em ser músico e em criança equacionou a velocidade da Fórmula 1. Tem a noção que gosta de fazer coisas que não sabe, mas também é isso que lhe traz gozo. A música eletrónica é recente na sua vida e a imprevisibilidade agrada-lhe. Desde os 16 anos que toca em bandas de garagem e é um aficionado de drones e da indústria aeroespacial.

A tua formação inicial é em Pintura, não é?

Sim, eu tirei o Curso de Pintura. No meu tempo (risos), as únicas saídas de artes eram escultura/pintura ou arquitetura. Eu sabia que não queria fazer casas, portanto a minha formação acabou por ser pintura. Nessa altura começavam a aparecer os primeiros cursos de Design, eu creio que as Belas Artes já tinham esse curso. Mas foi um bocadinho por inércia que fui para a pintura, já que nenhuma dessas áreas me puxava realmente. Portanto, ainda tentei ser pintor durante uns tempos (risos).

Só mais tarde é que a tua formação passa pelo Cinema de Animação.

Sim, uns anos mais tarde finalmente descobri, em Lisboa, um curso de Cinema de Animação na Gulbenkian. E foi aí que, de repente, se fez assim o estalinho e percebi que era daquilo que eu realmente gostava. Sempre gostei de desenhar, sempre gostei de arte, mas o mundo da pintura, das vendas, das galerias… não era a minha onda. E quando ingressei no curso, comecei a ir todas as semanas para a Gulbenkian e ao mesmo tempo abriu uma produtora de animação em Lisboa, nas Olaias, que era a Magic Toons, que ia ser a maior produtora de animação portuguesa.

Apesar disso, tua formação mais “forte” não é em Portugal, mas sim na Irlanda.

Exato. Fui para a Irlanda fazer o Higher National Diploma in Classical Animation, que é um curso que já não existe naquele modelo, porque na altura fazia essa animação em papel. Eu ainda comecei a carreira em papel (risos). Aliás, a nossa primeira série de animação — Os Espadinhas —, em 2004, acabou com dois armários cheios de folhas e não sabíamos o que é que havíamos de fazer com aquilo (risos). Ficaram lá durante cerca de cinco anos e depois foi tudo para o lixo… custou um bocado, na verdade. Neste momento a animação é toda feita digitalmente. É tudo feito dentro do computador.

Bem, mas como a vida não é só trabalho e formação, vamos ao dia-a-dia fora da UPTEC. Começamos pela bicicleta que é, segundo sei, o teu meio de transporte principal.

É o meu meio de transporte, sim. Os médicos dizem que é importante que a pessoa faça exercício para manter a saúde mental estável e, numa determinada altura, eu fiz um scan de todos os deportos que existem — e eu não sou nada de desporto, muito menos competitivo (risos) — e só me sobrou a bicicleta (risos). É o único desporto que eu gosto mesmo. Gosto de dar umas voltas grandes e passear, mas de forma natural foi-se tornando o meu meio de transporte. O percurso é curto de casa à UPTEC, mas faço mesmo questão de não usar o carro.

O surf também é algo que ocupa o teu tempo.

Sim, já pratico desde o meu tempo de Lisboa, mas só descobri há cerca de dois anos o surf no Porto (risos). Este é o surf dos pequeninos (risos), mas assim pratico um desporto que me obriga quase a não parar nunca.

Além disso, os drones já foram também um dos teus passatempos, não foi?

Sim, sou um aficionado, apesar de há quase dois anos não pegar em nenhum. No entanto, houve uma altura em que era mesmo obcecado, principalmente pelos micro drones, que são umas coisas pequeninas em que pomos uns óculos e conseguimos ver o que o drone está a ver lá em cima — é uma experiência quase out of body. Pegas num comando e consegues voar como um pássaro e até temos mesmo o sentimento de vertigens quando fazemos voos picados.

Já foste tendo várias ocupações ao longo da vida, mas talvez a que permaneceu durante mais tempo — e ainda permanece — é mesmo a música.

Sim, é uma coisa que me dá muito gozo. Às vezes estamos demasiado tempo a olhar para o computador e temos que ir para outros sítio para esvaziar a alma e uma das coisas que tenho feito muito agora é música eletrónica.

Mas produzes tu próprio essa música, certo?

Há muita música eletrónica e vários tipos de música eletrónica. O tipo de música que eu faço é com sintetizadores modulares — em que nós compramos os módulos e construímos a nossa própria máquina. Muito cedo eu quis retirar um teclado ou uma forma de input de notas musicais do processo. Há alguns sequenciadores que nós podemos manusear, mas muitas vezes geram algoritmos e notas aleatórias e nós conseguimos trancar a sequência e obter uma determinada melodia ou podemos, também, só estar à procura de ritmos. Há uma técnica dentro da música eletrónica que são os euclidean rhythms, em que temos um determinado número de passos e a máquina distribui x notas nesses passos. Por exemplo, temos oito passos e dizemos à máquina para distribuir cinco notas e aquilo dá um ritmo estranho e podemos ir ajustando conforme a métrica que quisermos. Aquilo não foi algo que nós imaginássemos, mas foi a máquina que nos deu. Nós só definimos os números: x ritmos em x espaços.

Isso parece-me muito engraçado, porque é sempre diferente e novo.

A parte mais relaxante da música eletrónica é que eu nem vou com um preconceito do que é que vou fazer, nem vou com a expectativa que saia alguma coisa interessante. Se sair, é um bónus. Se não sair, valeu pelo experimentar, ver, curioso… é um laboratório de experiência de som. Quando perguntavas se produzia música… não, porque isto não é um produto final.

E sendo tudo gerado aleatoriamente é também irrepetível, não?

Precisamente. Algo muito engraçado no sintetizador modular com algumas peças analógicas é que o som que está a sair ali naquela hora, não vai voltar a sair nunca mais. Esse imediatismo e esse efémero agrada-me. E é exatamente o contrário da pintura, que falávamos há pouco.

E como é que aparece a música eletrónica na tua vida? Foi por necessidade de criar alguma animação sonora para o Pinguim ou mais por gosto?

Foi algo orgânico. A realidade é — e isto não fica bem numa entrevista (risos) — que eu tenho um pouco a mania que sei fazer tudo. E tenho essa noção (risos).

Ter essa noção e saber disso é muito bom já (risos).

Tenho noção, mas tenho essa vontade (risos). Não é por eu não saber fazer que não me vão deixar fazer isto (risos). Se estivéssemos na colheita da amora e estivesse a passar um trator eu queria mexer, mesmo sabendo que não tinha carta para isso. A parte boa do Pinguim ser uma empresa pequena é que posso pôr as mãos no que sei e no que não sei (risos). A minha entrada na música eletrónica é muito isso: eu gosto de fazer e por isso comecei.

Mas já chegaste a pensar fazer da música mais do que um passatempo?

Eu sei o trabalho que as coisas dão e sei que para fazer da música algo mais exigiria um tempo e uma dedicação que neste momento não tenho. Não tenho essa ideia, não.

A música eletrónica é recente na tua vida, mas a música não. Estás ligado há música há muito tempo.

Sim, eu sempre tive bandas. Eu toco desde os meus 15 anos em bandas de garagem. Comecei com o piano quando era mais novo, depois guitarra nas bandas e depois toquei baixo também.

E quais são as tuas principais influências na música?

Eu sou um bocadinho da escola do grunge, o Nevermind saiu quando eu tinha 16 anos. Por isso, diria rock, grunge, stoner, por aí.

O maior projeto de vida acaba por ser sempre a família.

E qual é o teu maior projeto de vida?

Os meus filhos. É mesmo isso, porque os planos se alteraram completamente. A ideia era quando saísse da Irlanda ir para Nova Iorque, mas entretanto — não sei como (risos) — a minha namorada ficou grávida. Então o nosso percurso de vida mudou e decidimos inverter um pouco as coisas. Eles já estão crescidos — a minha filha está na Irlanda a estudar e o mais novo tem 16 anos —, por isso a ideia é irem para a faculdade e eu e a minha mulher irmos dar a volta ao mundo, que era o que íamos fazer quando ela ficou grávida (risos). Mas o projeto de vida acaba por ser sempre a família.

Qual é o teu maior defeito?

Acho que é meter-me em coisas que não sei fazer (risos). Isso e aceitar coisas e trabalhos que sei que são impossíveis (risos).

Quando eras criança o que é que querias ser?

Houve uma altura que gostava muito de Fórmula 1, por isso queria ser piloto. Mas quando era miúdo, fazer desenhos animados era uma profissão tão descabida como ser astronauta, portanto se voltasse atrás no tempo e dissesse ao meu eu mais novo que ia trabalhar em animação, ele diria “wow, espetacular!” (risos). O que eu faço seria um dos meus empregos de sonho.

Qual era o conselho que davas ao Jorge de 20 anos?

Trabalha mais (risos).

Qual é a tua palavra preferida?

Hustle. Não é (risos)… mas é um bocadinho. Não sei bem como se diz em português, mas a ideia é trabalhar com garra.

Para terminar, diz-me duas coisas que queiras mesmo fazer na tua vida.

Eu sou um grande fã da indústria aeroespacial, por isso gostava muito de ir ao Novo México onde estão a construir os foguetões que vão a Marte. E o outro já te disse: dar a volta ao mundo enquanto faço um filme de animação tranquilamente.

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