Teresa Nunes: «O meu sonho é que a minha voz seja ouvida.»

Teresa Nunes é soprano e fundadora do Quarteto Contratempus, um grupo de Música de Câmara Contemporânea que cruza as artes de palco convencionais com as tecnologias multimédia. Nasceu em Esposende e estuda música desde os 6 anos. Sempre gostou de contas e de Matemática – chegou mesmo a fazer a licenciatura em Gestão na Faculdade de Economia da U. Porto –, mas sempre soube que a sua vida iria estar ligada à música. Começou no piano, mas um acidente com uma bola de basquetebol tornou-a cantora. A Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE) foi a sua casa durante a licenciatura em Canto Lírico e foi lá que tudo começou.

O que é o Quarteto Contratempus?

Nós conhecemo-nos na ESMAE, estudávamos todos lá e tínhamos uma disciplina chamada Música de Câmara, que é fazer pequenos agrupamentos instrumentais. E como já nos conhecíamos, decidimos juntar-nos e fazer um grupo para essa disciplina. Conhecemo-nos melhor, formamos o grupo ainda na ESMAE e tivemos logo muito sucesso, porque é muito particular e não é uma formação muito normal.  Depois transpusemos as barreiras académicas e começamos a nossa vida profissional – surge assim o Quarteto Contratempus.

Quem é que forma, afinal, este quarteto tão especial?

Ora, o Quarteto Contratempus tem uma cantora, um clarinetista, um violoncelista e um pianista. Eu, a Susana e, à data, a Brenda – que é a pianista fundadora do Quarteto – éramos do mesmo ano. Entretanto, eu já tinha feito Música de Câmara com o Crispim (clarinetista) e convidei-o para fazer parte do Quarteto Contratempus.

Então tu é que foste a ligação entre todos os membros do Quarteto Contratempus.

Sim, sim. Eu é que os conhecia todos e acho que ainda sou o ponto de ligação entre todos. Começou assim e ainda é assim (risos).

E vocês são amigos fora do trabalho?

Sim, sim. Já são 11 anos. Quer dizer, somos amigos, inimigos, depois amigos… Estou a brincar (risos)… Há de tudo e várias fases.

O Quarteto Contratempus nasceu em 2008. Desde aí até agora, quais são os momentos mais marcantes para vocês?

Há pouquíssima música escrita para esta formação, porque, como eu disse, nós somos uma formação muito particular. Normalmente, juntam-se grupos de cantores, grupos de sopros, grupos de cordas, o piano faz muitos trios com outros instrumentos… Agora, ter uma cantora, um instrumento de cordas, outro de sopro e um piano não é muito comum. Aliás, eu não conheço mais nenhum grupo de Música de Câmara com esta formação. Por este motivo, não há muita coisa escrita para nós.

Então não há quase repertório nenhum para o Quarteto Contratempus.

Não, não. Na altura, o Professor Jaime Mota tinha uma partitura para esta formação e nós também fomos procurando e estreámos a obra do Professor Fernando Lapa chamada A Semana Profana. Através deste handicap, conseguimos criar aqui uma oportunidade, que é pedir a compositores que escrevam para nós.

E como correu essa primeira obra?

O Professor Fernando Lapa gostou do que fizemos na disciplina com a obra dele e resolveu escrever outra obra para nós.

Então tiveram mesmo de pedir a compositores que escrevessem obras propositadamente para vocês, é isso?

Sim, começamos a pedir a compositores portugueses para escreverem para nós. Quando acabamos a ESMAE, fomos fazendo um ou outro concerto com este repertório que tínhamos da disciplina, mas fomos também estreando algumas obras de compositores portugueses. Por exemplo, em 2013 nas comemorações do Dia de Portugal no Brasil estreamos lá uma obra.

E é mais ou menos nessa altura que se dá uma mudança no Quarteto, não é?

Sim, nessa altura foi quase um “ou acabamos ou andamos para a frente”. Depois de 2013, achamos que tínhamos de dar uma roupagem nova à música contemporânea. Pode ser um contrassenso, mas a linguagem às vezes é pouco acessível ao público. Então, ou deixávamos de fazer música contemporânea e não tínhamos repertório e acabava o Quarteto ou tínhamos que fazer alguma coisa de diferente. Um dos nossos objetivos é levar a música contemporânea e música clássica a outras pessoas que nunca ouviram e, por isso, decidimos continuar e pedir a compositores que escrevam música para cena.

E o que é isso exatamente, Teresa?

Na Música de Câmara tens quatro instrumentistas virados para a frente a tocar e a fazer um concerto “normal”. O que nós começamos a fazer foi pedir a um encenador que fizesse qualquer coisa de diferente que nos obrigasse a movimentar em palco, com uma obra que não é cénica. A primeira experiência foi n’A Semana Profana e foi muito interessante, porque demos um novo sentido à música contemporânea. E aí decidimos ir ainda mais longe: começamos a pedir óperas. Para ter óperas precisamos de mais cantores e fomos convidando outros cantores, mas sempre mantendo a formação do Quarteto. Assim, fomos desafiando compositores portugueses a escrever óperas para nós.

Foi aí que começaram a ganhar outra dimensão e a crescer enquanto projeto.

Sim, porque não há muita ópera escrita em português. E normalmente, a ópera envolve uma estrutura muito pesada, porque, na melhor das hipóteses, terá cinco cantores em palco, um coro, uma orquestra enorme… Então é uma estrutura muito pesada e custosa para fazer circular, por isso é que, em Portugal, praticamente só há ópera no São Carlos, em Lisboa. Então, nós vimos aqui mais uma oportunidade para fazer uma ópera portátil com dois cantores e três instrumentistas, onde todos fazem parte da cena – normalmente, a orquestra não faz nada em termos cénicos; está apenas para fazer a parte musical. Nós desafiamo-nos uns aos outros e quisemos que o violoncelo, o clarinete e o piano fizessem parte da cena e se movimentassem.

Bem, isso parece-me um desafio bem grande para os instrumentistas (risos).

É um desafio enorme. Imagina a violoncelista a ter de se mexer (risos). Aliás, mesmo para os compositores é um desafio enorme, porque tem de a pôr a tocar e a movimentar-se, por isso é necessário criar espaço na composição para isso.

E já têm conseguido fazer alguns espetáculos neste registo?

Sim, já temos feito alguns trabalhos. Começamos com a Querela dos Grilos, da Fátima Fonte e do Tiago Schwäbl. Temos feito, sobretudo, óperas cómicas. Fizemos, em 2016, Os Dilemas Dietéticos de uma Matrioska do Meio, do Nuno Côrte-Real e do Mário João Alves, que é uma ópera que tem um grupo de teatro amador, a quem demos formação, e que integra o espetáculo connosco. Depois disso, tivemos um projeto premiado: As Sete Mulheres de Jeremias Epicentro. Este espetáculo tinha uma particularidade muito engraçada, porque tinha um instrumento interativo, que foi, em parte, construído pela Faculdade de Engenharia da U. Porto. Com este projeto, vencemos o terceiro lugar do Prémio Nacional das Indústrias Criativas e o Prémio Born from Knowledge. Por fim, este ano, estreamos o Simplex, que foi uma loucura (risos)! Foi, sem dúvida, um grande passo em frente no nosso caminho, porque é um trabalho muito completo.

Se o Simplex foi uma loucura, como é que vocês conciliam o Quarteto com o resto das coisas que fazem?

Neste momento, nós temos o Quarteto Contratempus e temos outras vidas, ou seja, alguns de nós dão aulas, outros têm outros trabalhos para conseguir complementar o trabalho com o Quarteto. Como anda toda a gente muito atarefada, nós decidimos fazer residências artísticas, isto é, fomos para Paredes de Coura durante dez dias pensar sobre a ópera. Isto fez com que o espetáculo ganhasse imenso, porque todos os criadores estavam em Paredes de Coura a pensar naquilo que podíamos ensaiar à noite, de manhã, à tarde ou quando quiséssemos. Foi uma experiência única e que deu um impulso ao projeto. Eu acho que isto das residências artísticas é para repetir.

Então, pode dizer-se que o Quarteto Contratempus é único em Portugal e no mundo (risos)?

O que eu acho que nós temos de inovador – se é que podemos falar disso hoje em dia – é termos uma violoncelista, um clarinetista e um pianista quem têm um personagem em palco e, a cada projeto, cada instrumentista está a desenvolver competências de acting.

Tu gostas mais do processo de criação ou de estar no palco?

Gosto dos dois. Adoro os dois. Gosto do processo de criação, onde discutimos para onde é que vai o projeto. Mas também gosto muito da estreia, porque é o culminar do trabalho e tu sentes-te mesmo muito bem. Só que no final sentes um vazio, porque já acabou. Pensas que tiveste tanto trabalho e tanto tempo com aquelas pessoas… E agora? Então deprimes um bocadinho, mas depois voltas ao palco e tens outro público pela frente.

Onde é que tu gostavas que o Quarteto Contratempus chegasse? O que é que querem alcançar?

Nós estamos sempre a definir objetivos e queremos ir passo a passo. O que nós precisamos, neste momento, é ter estrutura e conseguir ter uma temporada sólida com bastantes concertos e que nos faça viver cada vez mais do Quarteto. Além disso, fazer crescer o projeto para que cada pessoa possa fazer aquilo que lhe compete, porque no início todos fazemos o um pouco de tudo. Precisamos, também, de um espaço para ensaiar. Nós temos parcerias incríveis com a ESMAE, a Universidade Católica, Casa da Música, Município de Paredes de Coura, Teatro Municipal do Porto, entre outros, mas queremos ter um local onde podemos deixar lá todo o nosso material e no dia a seguir ter tudo no mesmo sítio.

Se tivesses de escolher um objetivo para o futuro, qual seria?

Seria mantermo-nos sempre a fazer coisas diferentes, conseguirmos superar os nossos limites e evoluirmos, enquanto pessoas e projeto.

A música chegou pelas avós de Teresa, mas foi na Escola de Música de Esposende que começou. Sempre gostou de música – adorava os ditados melódicos e os ritmos nas aulas – e nunca viu a sua vida sem isso, no entanto, pelo meio, o curso de Gestão trouxe ferramentas muito úteis para os dias de hoje. Teresa, agora, é cantora, mas “o trabalho de um cantor é muito mais que cantar”.

Como é que chega a música à tua vida, Teresa?

Comecei a estudar piano aos 6 anos, mas foi pelas minhas avós que a música entrou na minha vida. A minha avó materna estudou com padres solfejo e estudou órgão e, na altura, só se conseguia estudar música em Portugal através do clero. A minha avó paterna cantava em Revistas, lá em Esposende. A minha mãe gostava muito de ter aprendido música, mas nunca teve oportunidade, então colocou-me a mim, ao meu irmão e à minha irmã a estudar. E como o bichinho já lá estava… (risos).

E como é que foi o teu percurso académico? Sei que também passaste por Gestão na Faculdade de Economia da U. Porto…

Sim, sim. Eu estudei na Escola de Música de Esposende, até entrar para a FEP, onde fui estudar Gestão. Fiz a licenciatura toda – obriguei-me a acabar o curso –, antes de entrar na ESMAE. Ainda tinha uma ou outra disciplina para fazer quando entrei na ESMAE, mas queria mesmo fechar o ciclo da FEP.

E essa era uma das tuas paixões também?

Eu sempre gostei muito de Matemática, mas olha que a Matemática está super ligada à música. Gostava de organizar coisas e gostava de contabilidade também… Isto na escola, porque nunca gostaria de fazer contabilidade na minha vida. Nem pensar (risos)! Mas gostava de contas, gostava mesmo muito. E o que eu estudei na FEP foi muito mais do que fazer contas, porque tinha disciplinas ligadas às ciências sociais, toda a parte de organização de empresas…

E agora, se calhar, essa formação é útil para ti.

Sim, sim. É mesmo muito útil na minha vida.

Tu és soprano, ou seja, cantora. Nunca houve nenhum instrumento que te seduzisse mais?

Lá na escola de música, nós tínhamos Classe Conjunto e eu também tocava outras coisas. Por exemplo, gostava muito de flauta de bisel, mas nunca estudei. O piano, olhando para trás, vejo que não era a minha área de eleição. O canto é mesmo muito completo, porque tem tudo. Aliás, eu acho que todos os instrumentistas deviam saber cantar. Tu podes ouvir alguém a tocar violino, violoncelo ou o que for e se a pessoa dentro dela estiver a cantar, tu ouves de maneira diferente. Não sei bem como explicar, mas uma coisa é tocares um instrumento só por tocar, outra é cantares através do instrumento. Por isso, uns cantam com o instrumento, outros cantam com a voz.

Quando eras criança já sabias que queria ser profissional da música?

Não sei, não me lembro. Lembro-me que não conseguia imaginar a minha vida sem música. Eu gostava muito de todas as disciplinas, cantar, fazer os ritmos, os ditados melódicos…

Como é que são os ensaios de um cantor? Há muitas horas de ensaio todos os dias?

Depende muito. O trabalho de um cantor é muito mais que cantar. Quando eu pego numa partitura, olho apenas para o texto e tento perceber o sentido – se não for em português, tenho de o traduzir todo para poder entender. Eu não vejo a música e o canto sem perceber qual é o sentido do que estou a cantar. Depois olho para o ritmo, ver a altura das notas… O cantar mesmo é das últimas partes do estudo. Por isso, primeiro eu passo por estas partes sozinha em casa e só depois é que tenho o ensaio de conjunto.

Tens algum professor que tenha marcado muito o teu percurso?

Sim, na música acontece muito isso. Nós queremos estudar com aquele professor em específico e, às vezes, fazemos quilómetros para estudar com aquele professor. Eu, na verdade, tenho a sorte de “aquele” professor estar no Porto – que é o Peter Harrison – e eu ainda tenho aulas com ele. Antes dele tive alguns professores que me ajudaram muito. Eu comecei a estudar com a Sara Braga Simões, uma soprano portuguesa, que foi mesmo muito importante para mim. Claro que tenho muitas pessoas que me marcaram, mas neste momento encontrei a pessoa que eu preciso, que é o Peter Harrison.

Qual foi o momento da tua carreira em que mais te sentiste realizada?

Não sei, não sei mesmo. Eu sou muito exigente comigo e ouço sempre coisas que podem ser melhores. Mas quando saí do palco do Simplex, senti-me muito feliz. Senti-me mesmo muito feliz e com vontade de fazer tudo de novo no dia a seguir.

Qual é o teu maior defeito?

Hmmm, não sei bem. Talvez querer levar sempre as coisas a bem e nem sempre é possível. Às vezes deixo andar as coisas, porque não as quero enfrentar. Evitar os conflitos, no fundo.

E qualidade?

Eu sou muito persistente e acredito muito naquilo que eu quero.

Tens alguma pergunta que gostasses de ver respondida?

Tenho tantas, que nem consigo escolher (risos). Gostava de perceber porque é que as pessoas são inconsistentes, gostava de perceber porque é que agora não há sol no verão(risos)… E gostava de perceber porque é que às vezes não fazemos nada e acontece tudo ao mesmo tempo para nós fazermos e não temos sossego e outras vezes andamos, andamos e andamos e nada acontece. E gostava de saber outras coisas parvos, como porque é que as ovelhas não têm cornos (risos)?

Quando tens um dia livre o que é que fazes e gostas de fazer?

Às vezes não faço nada. Às vezes não faço rigorosamente nada e preciso disso. Não, mas tento fazer coisas que gosto, por exemplo hoje vou ver os Palmilha Dentada. Vou ver outros colegas, ver o que se anda a fazer, vou ao cinema, vou jantar fora, vou estar com os meus amigos… Adoro estar com os meus amigos!

Qual é o teu grande sonho enquanto cantora?

Que a minha voz seja ouvida. Podia dizer que era estar neste ou naquele teatro, mas se a minha voz for ouvida, vai estar onde eu quiser.

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