Pedro Gomes: «Eu lembro-me perfeitamente de lhe dizer: “Daniel, essa ideia é estúpida!”. E esse acabou por ser o nosso primeiro produto!»
Pedro Gomes: «Eu lembro-me perfeitamente de lhe dizer: “Daniel, essa ideia é estúpida!”. E esse acabou por ser o nosso primeiro produto!»
Pedro Gomes tem 32 anos, está a fazer o doutoramento em Ciência de Computadores, na Faculdade de Ciências da U. Porto, e fundou a IS4H, que ensina auscultação cardíaca e pulmonar a alunos da área da saúde. É exigente, persistente e passa sempre parte do seu dia debaixo de água – a piscina é o santuário de escape, de que não abdica.
O que é que faz a IS4H?
Nós tentamos ajudar os alunos de Medicina (ou da área da Saúde) a tornarem-se melhores numa das técnicas mais comuns da área da Medicina: a auscultação. Ajudamos quer na auscultação cardíaca, quer na auscultação pulmonar, e esse é o grande objetivo da IS4H.
E como é que tudo isto surge?
Ora bem, o que origina este processo todo começou em 2007. Nós fomos convidados por uma equipa de médicos de cardiologia pediátrica no Brasil para os acompanhar num rastreio a todas as crianças do estado da Paraíba. Paraíba, a nível de área, é praticamente do tamanho de Portugal, portanto é um Estado gigante. E os médicos, meio que na brincadeira, perguntaram-nos como é que podemos rastrear 40 mil crianças num ano. Na altura eu ainda não estava na equipa, mas eles (os outros sócios-fundadores) começaram a tentar perceber como é que o podiam fazer e rapidamente se aperceberam que auscultação era a coisa mais básica de se fazer. Qualquer médico usa um estetoscópio e sabe colocar um estetoscópio no corpo da criança e fazer logo um rastreio. A auscultação não serve como diagnóstico, ou seja, não há nenhum médico que pegue num estetoscópio, faça uma auscultação e diga qual é a doença que a pessoa tem. No entanto, consegue perceber se alguma coisa está mal e que tipo de exames é que se pode fazer a seguir. O estado da Paraíba é muito pobre, muito pobre mesmo. Tu tens crianças que a primeira vez que estão com um médico à frente têm 6 ou 7 anos de idade. Além disso, as crianças nesta região têm muitos problemas cardíacos e muita probabilidade de os ter, também devido à consanguinidade. O coração destas crianças, muitas vezes, nasce com deformações, nasce já mal formado. Então nós começamos a tentar perceber como é que podíamos atacar isso e começamos pela auscultação em si. Em 2007 ou 2008, o grupo de investigação criou estetoscópio digital, mas perceberam que era areia a mais para a camioneta deles (risos) e foram ao mercado ver o que já existia. Então começaram a utilizar estetoscópios digitais (que já existiam) para começar a fazer esse rastreio. A ideia aqui era recolhermos sons e, com processamento de sinal, ajudar o médico a tentar perceber o que é que poderia lá estar. Para fazermos isto, temos de fazer grandes recolhas, para poder treinar algoritmos, as máquinas… E as recolhas eram uma parte complicada, porque os médicos estão habituados a auscultar-te em 10 segundos. Numa recolha digital, já tens de ter alguns cuidados, tens de fazer uma recolha muito mais controlada, tens de demorar mais tempo e tens de ter uma ligação a um computador – na altura ainda usávamos computador, não eram smartphones.
E quanto tempo é que demorou esse processo?
Nós demoramos muito tempo até conseguir ensinar os médicos a fazer isso e também a criar um sistema que fosse suficientemente bom para recolher estes sons sem grandes problemas. Em 2013, foi a primeira vez que fizemos recolhas em massa no Brasil. Nós andamos sempre em paralelo com aquele grupo de médicos e eles criaram uma rede de telemedicina – provavelmente a maior rede de telemedicina do mundo. Eles fazem mesmo o rastreio e apoio clínico às crianças daquele Estado. Todos os anos eles fazem a Caravana do Coração, que demora 13 dias e percorrem 13 cidades diferentes. Basicamente, é pegar num autocarro, chegar a uma cidade, montar um hospital de campanha e é um dia inteiro a fazer exames. De 2013 a 2016 fomos sempre com eles fazer recolhas – eu fui em dois anos. Neste processo todo, nós apercebemo-nos de uma coisa engraçada – que não tem piada nenhuma – que foi: os médicos portugueses não sabiam anotar os casos. Tu quando ouves um som tu precisas de dizer onde é que está um sopro e os médicos estavam a ter alguma dificuldade. Na altura até pensávamos que o problema era nosso e que não estávamos a recolher em condições, mas apercebemo-nos que havia um défice muito grande no conhecimento da classificação de um som cardíaco. Fomos tentar perceber porquê e reparamos que havia um problema gigante no ensino de auscultação. Começamos a ver alguns estudos e vimos que só 20% dos médicos é que saem da Faculdade a saber fazer uma auscultação – e isto é assustador. Os médicos sabem usar o estetoscópio – sabem onde colocar, como colocar… –, o problema é que não sabem reconhecer os sons. Isto, obviamente, não acontece por não terem capacidade, é apenas por não serem treinados. Por exemplo, tenta descrever-me o som de um pássaro.
Hmmm, não sei bem.
Lá está. É muito difícil tu descreveres sons. Se tu não tiveres sons para mostrar, é muito difícil aprender. E é esse o problema da auscultação, não há nada gravado. Com todo este défice, nós pensamos que também poderíamos ajudá-los a treinar isto. Se nós queremos que eles anotem, eles têm de ser tornar bons a perceber o que é que está nos sons (risos). Nós já tínhamos uma base de dados de cerca de 4 mil sons identificados e pensamos que os médicos poderiam aprender se lhes déssemos esta base de dados. E começamos a trabalhar com a Faculdade de Medicina da U. Porto a perceber se isso era possível e é aí que nasce o produto.
Parece-me que a IS4H surge quase por acaso (risos)…
Completamente por acaso. É engraçado que um dos nossos sócios-fundadores, o Daniel, chegou à minha beira e colocou um tablet encostado ao seu corpo. “Imagina que tens um torso aqui no tablet, se eu pegar num estetoscópio e o encostar ao ecrã e o som vier para o estetoscópio, era uma ideia espetacular para ensinar!”, disse-me o Daniel. E eu lembro-me perfeitamente de lhe dizer: “Daniel, essa ideia é estúpida.”. E esse foi o nosso primeiro produto (risos)! É completamente surreal.
Quantas pessoas começaram na IS4H e quantas trabalham agora?
Começamos os quatro sócios-fundadores. Agora somos cinco sócios e temos mais três funcionários, portanto já tivemos um pequeno crescimento.
Já falamos do início da IS4H – aliás, da ideia que dá origem à IS4H –, conta-me agora marcos importantes da história da IS4H.
2014 é o ano da fundação. Já tínhamos um produto que já era utilizado, mas estava muito muito verde. Procuramos, nessa altura, alguns early adopters e conseguimos a Faculdade de Medicina da U. Porto – não tivemos grande sorte com os outros portugueses. Em 2015, temos a primeira venda à Faculdade de Medicina. No ano seguinte, temos a nossa primeira internacionalização quando saltamos para Paris, para a Universidade de Paris Descartes. E foi, também, quase por acaso, porque foram eles que vieram ter connosco. No ano passado, entramos no Canadá, na Universidade de Calgary. Conseguires estar em zonas diferentes é extremamente importante, porque todos os países ensinam de forma completamente diferente.
O que é que mudavas na IS4H?
Se calhar, tínhamos fundado a empresa um bocadinho mais tarde. O produto ainda não estava bem fechado… E quando crias uma startup há uma necessidade muito grande de crescer e mostrar. Isso fez com que nos desfocássemos do produto. Além disso, sabendo o que sei hoje, se calhar teríamos tentado encontrar early adopters diferentes. Nós procuramos as grandes Universidades e essas são mais lentas a decidir, a absorção de novas tecnologias é, também, mais lenta e não estão tão disponíveis a mudar. Provavelmente teria procurado Universidades um bocadinho mais pequenas.
Quais são os objetivos da IS4H a curto-prazo?
Acaba por ser a internacionalização. Nós agora temos um produto praticamente fechado e que tem facilidade em ser distribuído. Portanto, o objetivo é ou colocarmos isto num distribuidor ou começarmos a expandir a nível de vendas online. O distribuidor é o processo mais fácil e a Medicina está muito habituada a isso.
Onde é que a vossa tecnologia está a ser utilizada agora?
Hoje ainda trabalhamos com aquela equipa no Brasil, mas é na parte do ensino que o nosso produto se foca. Temos o nosso produto aqui na Faculdade de Medicina da U. Porto, na Universidade de Paris Descartes (em Paris), na Universidade de Calgary (no Canadá)… Estamos a progredir nesse sentido.
Onde é que gostavas de ver a IS4H daqui a cinco ou dez anos?
É uma pergunta complicada (risos). Se nós tivermos sucesso, vamos estar incluídos nos sistemas de ensino da Medicina. Gostava de estar em todas as Universidades, claro. Mas na área da saúde tu só tens gigantes. As empresas desta área são todas gigantes. Portanto, uma empresa que tenha um bocadinho de sucesso, a probabilidade de ser absorvida por um desses gigantes é muito grande. Por isso, se tivermos sucesso, provavelmente, daqui a cinco anos já não somos IS4H (risos).
Qual tem sido a principal dificuldade da empresa?
A exigência da qualidade na área da saúde. Os professores testam e gostam, os alunos também, o preço é aceitável e a pergunta que nos fazem a seguir: “Há quanto tempo é que estão noutras Universidades?”. Se não houve ninguém a arriscar, eles também não querem arriscar. E isso é uma dificuldade para nós. Ao final de tantos anos ainda temos poucos clientes, mas a confiança, principalmente na área da saúde, é muito difícil de ganhar.
A vida não é só feita de startups e de empreendedorismo. Fomos até ao Clube Fluvial Portuense conhecer o Pedro nadador, que até foi vice-campeão nacional. A semana é monótona, a professora de matemática do 7º ano foi fundamental e nem se lhe saísse o Euro Milhões deixava de trabalhar.
Como é que surgiu o desporto na tua vida?
A natação nasce aos 5 anos, portanto foi aquele desporto que os pais escolheram. Na altura entrei para o Clube Náutico de Gaia única e simplesmente como aprendizagem, era apenas para aprender a nadar. Aí por volta dos meus 7 anos, começaram a fazer captações para a competição e perguntaram-me se eu queria entrar – e naquela idade, como é normal, eu não decidia nada, eram os meus pais que decidiam – e eu acabei por avançar e fiquei. E depois foi sempre a nadar. Aos 18 anos parei e andei a experimentar karaté, mas foi mais como brincadeira, e há dois anos acabei por voltar à natação para os Masters.
Participaste em provas e torneios nacionais ou com maior importância?
Sim, sim. Em juniores cheguei a ser vice-campeão nacional, pelo Náutico. Aí pelos meus 13 anos, saltei para o Clube Fluvial Portuense. O Fluvial era um clube maior, com melhores instalações… No Náutico eu treinava num “tanque” de 17 metros, para competir numa piscina de 25 metros. Dava na mesma! Nós treinávamos na mesma e conseguíamos fazer bons tempos. Mas sim, fiz alguns meetings internacionais… A nível nacional nunca fui um super atleta, mas nos meus estilos e distâncias ficava sempre no top 10. Ainda consegui fazer algumas coisas engraçaditas.
Qual era ou é a tua especialidade?
Costas. Costas e 100 metros. Antes também fazia 100 e 200 metros livres, mas os 200 metros são uma distância complicada. Agora é mais velocidade, porque me canso menos (risos). É menos tempo na água, é mais simpático (risos).
Pedro, como é que é o teu dia-a-dia? Como é que o Pedro da IS4H se dá com o Pedro nadador?
Misturam-se um bocado (risos). Por muito estranho que pareça, é muito monótono, é rítmico. É sempre a mesma coisa… A semana é sempre igual. Os treinos da natação acabam por ser o escape. Todos os santos dias eu faço desporto, entre ginásio e natação, tenho de fazer alguma coisa. Descanso ao domingo, é dia sagrado. É este descanso e o resto é trabalho. Claro que é preciso equilibrar um bocadinho com a família, namorada e amigos – que é a parte complicada. Para os amigos e família há coisas especiais que ultrapassam a piscina e aí eu elimino o meu santuário de escape para estar com eles. Mas o desporto é uma parte muito importante não só para descontrair, mas também para esvaziares o teu cérebro. Quando tu crias uma startup, tem de haver uma parte do dia em que tu não estás a pensar naquilo. O desporto, para isso, é excelente, porque tu chegas aqui à piscina e descarregas.
Quando eras criança, o que querias ser quando fosses grande? Já querias fundar a IS4H com 5 anos (risos)?
Não, isso não (risos). Para ser sincero, não me lembro de nada nem dos meus pais contarem alguma coisa desse género. Agora, lembro-me perfeitamente, no meu 7º ano, foi onde eu escolhi o que queria ser e foquei-me na informática e matemática.
Há alguma coisa que seja tão importante para ti e que não conseguias viver isso?
O desporto é muito importante para mim. Houve uma altura na minha vida em que eu parei de fazer desporto e, sem dúvida, foi das piores partes da minha vida. Parei por opção, mas quando voltei pensei logo que aquilo nunca devia ter acontecido. Por isso, o desporto é fundamental para mim. E, por muito estranho que pareça, eu não conseguia parar de trabalhar. Se me saísse o Euro Milhões, eu continuava a trabalhar. Podia, se calhar, não dedicar tanto tempo nem estar tão preocupado, mas acho que não conseguia deixar de trabalhar (risos).
Não conseguias, então, ser aquela pessoa que viaja o ano todo?
Não, não. Não conseguia mesmo. Por acaso há uma coisa engraçada – quer dizer, isto não tem piada nenhuma – que é: eu tirei férias há um mês e fui com a minha namorada para Berlim, mas antes disso, as minhas últimas férias tinham sido em 2014. Não é que eu não tivesse parado uns tempos… Em investigação e numa startup, uma pessoa está muitas vezes fora e há sempre aquele dia em que uma pessoa descansa, vai conhecer a cidade… E eu, nesse pouco tempo, consigo recuperar as minhas energias. Sempre que tenho oportunidade de ter aquelas duas semanas de férias que toda a gente gosta, no final da primeira semana eu já estou aborrecido (risos). Ou estou a visitar uma cidade e é sempre a andar de um lado para o outro a conhecer, ou então uma semana de férias na praia, para mim, é o inferno (risos).
Tens algum arrependimento na vida?
Isso toda a gente tem. Se alguém disser que não, é mentira (risos). Mas acho que não mudava nada por uma razão muito simples: eu não acredito que se tivesses mudado alguma coisa estivesses no estado em que estás atualmente. Podia estar melhor, podia estar pior… A realidade é que o estado em que eu estou neste momento, tanto a nível profissional, como a nível pessoal, teve muita luta por trás e muito trabalho para conseguir chegar cá. A aprendizagem que tens ao longo da vida nos maus momentos, são extremamente importantes. As coisas que correm mal tu nunca esqueces, ao contrário das coisas boas, que desaparecem num instante. São as coisas que te correm mal que te ajudam a crescer e a evoluir, porque tu não queres voltar a cometer o mesmo erro.
Tens alguma pessoa que tenha marcado a tua vida?
Tenho várias, sem dúvida nenhuma. Tu tens sempre a tua família que te marca muito sempre. Para o bem ou para o mal, a tua família e os teus pais são sempre as pessoas que mais ter marcam. No entanto, provavelmente são aqueles que menos vezes são referidos. Mas não tenho dúvida nenhuma que é a educação que eles me deram que fazem de mim quem eu sou hoje. Além disso, tenho a minha professora de matemática do 7º, 8º e 9º. Foi a professora que mais me marcou, que me ensinou a gostar de matemática e que me fez decidir que queria seguir alguma coisa relacionada com matemática. Na natação também tenho muita gente, entre treinadores, colegas, atletas de outras equipas…
Se pudesse escolher, qual era a pergunta que gostava de ver respondida?
Neste momento, acho que perguntava “Onde é que vamos estar daqui a cinco anos?”. É estranho (risos). É muito estranho ser esta a pergunta que me vem à cabeça, porque eu não quero saber (risos). Tu saberes o que é que te vai acontecer daqui a cinco anos é mau. É péssimo. É horrível, porque descontrais. Ou pensas “Se daqui a cinco anos vou estar aí, isto não vale a pena!” ou então “Já sei que vou chegar ali, por isso posso descontrair.”. Ainda assim e apesar de não querer saber a resposta…
Eu acho que queres saber, mas ao mesmo tempo não queres saber (risos).
Sim, sim. É isso.
Qual é o teu maior defeito, Pedro?
Eu tenho uma personalidade muito complicada (risos), por isso não é fácil escolher. Talvez te diga que é a exigência.
És muito exigente?
Sou muito exigente com os outros e isso é um defeito. Eu diria que o meu maior defeito é ser demasiado exigente com os outros.
E qualidade?
Persistência. Não é a minha melhor qualidade, mas acho que é a que define melhor a minha pessoa. Tento nunca deixar morrer a coisa… Pode estar a correr tudo mal, mas sei que há sempre o dia a seguir. Isto ajuda muito na empresa, ajuda muito no desporto…
Aliás, se calhar também ganhaste essa característica no desporto.
Sim, sim, sem dúvida. Tu treinas aqui 11 meses, só tens um mês de descanso – agora nos Masters nem tanto –, mas quando treinávamos a sério tínhamos uma competição diária para sermos os melhores. Na altura, eu treinava todos os dias da semana e às segundas, quartas e sextas treinava duas vezes por dia. Toda a gente fazia isto e toda a gente queria chegar à prova e ganhar. E tu treinas e melhoras, treinas e melhoras e depois as coisas não correm como queres… Tu tens de ter persistência para voltar.
Qual é a primeira coisa que fazes quando acordas?
Tomar café. O meu dia só começa depois do café. Eu não tomava café até à minha primeira aula de Cálculo I (risos). Não gostava muito do sabor, mas a partir daí comecei a usar mais vezes o café para me manter acordado. Tomei-lhe o gosto e agora não consigo acordar sem tomar o café – mas nem é o expresso, é mesmo o americano.