Liliana Rodrigues: “Não gosto que o medo me conquiste”

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O Out of Office deste mês destaca a CEO da 4Humanz, Liliana Rodrigues, que trabalha para tornar a vida e o mundo melhor para os utilizadores. Cresceu a subir às árvores, caiu, levantou-se, e agora caminha, trepa, mergulha, luta, dispara e cria. Não abdica da liberdade para ser a Liliana, apesar de todas as vertentes pessoas e profissionais que tem. Esta é a história da Liliana, que acredita que temos sempre algo em comum com quem não gostamos.

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O que é a 4Humanz?

É uma empresa de consultoria e investigação aplicada ao Design Centrado no Humano, e mais do que Humano (outros animais e agentes artificiais) no desenvolvimento de produtos e serviços esteticamente belos, inclusivos e sustentáveis para a pessoa e a comunidade, com uma abordagem transdisciplinar entre a ciência, tecnologia e design, em articulação próxima com a Universidade, privilegia métodos de design participativo e de co-criação em prol de soluções criativas que respondam às necessidades e expectativas das Pessoas e do seu Ecossistema. Tornar a vida e o mundo melhor para os utilizadores. Trabalhamos para todos os humanos, independentemente da fase da vida em que estejam. Temos, neste momento, um projeto para pessoas com autismo, já muito mais abrangente. Estamos a falar desde o pré-escolar até a idade adulta. O envelhecimento é uma área em que nós trabalhamos bastante, mas não é a única área.

E o que é que te motivou para criar a 4Humanz?

Na realidade, a primeira versão da 4Humanz não foi começada por mim. Foi um grupo de professores e investigadores da Universidade do Porto e um grupo da Universidade de Brasília. Chamaram-me para fazer a ponte entre ambos, uma vez que eu já tinha trabalhado na U.Porto e trabalhei durante uns tempos na Universidade de Brasília, por isso casei, digamos assim, os dois mundos. Neste momento, temos uma equipa completamente diferente, com seis elementos. As únicas pessoas que ficaram da primeira versão fui eu e um dos professores da U.Porto, e criamos uma 4Humanz 2.0 que se coadunasse com os valores e com a visão que nós tínhamos para ela.

Com que objetivo foi pensada esta 4Humanz 2.0?

“A beleza salvará o mundo”, como dizia Dostoiévski, na realidade, é isso que nós queremos. Nós queremos criar produto e serviços que tornem o mundo um bocadinho melhor. A própria humanidade está a passar por uma fase bastante negra, e queremos dar algum contributo para tornarmos as coisas melhores e o design centrado no humano ajuda muito nessa parte. Trabalhamos muito na área do User Research, um dos grandes cores da empresa, que passa muito por saber conhecer expectativas, e desenhar, conceber produtos para colmatar essas necessidades delas, não só porque é bonito ou porque é rentável.

São agora seis elementos, como é que se dividem?

A minha área base é o design, embora também já tenha estado em medicina durante uns anos. Trato mais da parte de gestão, e de direção criativa, e na parte de contacto com o cliente. Temos três designers de interação e temos investigadores. Nós trabalhamos muito próximo com a U.Porto. Muitas das vezes, o que nós ajudamos em alguns projetos é naquilo onde a investigação pára, por não ser tangível, e nós tornamos os dados da investigação tangíveis, em produtos ou em serviços.

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O que é pretendes para a 4Humanz daqui para a frente?

Queremos alicerçar as novas parcerias que fizemos com parceiros africanos. É um continente que nos interessa bastante. Assim como eles têm muito para nos dar, nós também temos para lhes dar. Queremos aprofundar as parcerias que temos com a Universidade do Porto. Temos vários projetos que estamos a escrever em comum, um deles, um Erasmus que a U.Porto coordena e nós temos uma parte da gestão, portanto, o nosso objetivo é fazer a empresa crescer. Está a ir de vento em popa, o que é muito bom para nós.

“Eu quero para os outros aquilo que quero para mim”

Um desses exemplos é o workshop Movement que dinamizaste na UPTEC. Como é que surgiu essa essa ideia? E com que objetivo foi dinamizada? 

Nós trabalhamos bastante na área da somaestética, ou seja, nós somos todos, acima de tudo, seres corpóreos, e muitas das vezes esquecemo-nos um bocado disso. Esquecemos que temos um corpo e que temos de ter noção de como é que ele funciona. E pensamos aliar o pilates à somaestética, com uma formadora que trabalha nessa área, fazermos estas oficinas, e dinamizarmos a comunidade. Temos um espaço incrível cá fora, mexemo-nos pouco e estamos horas e horas à frente do computador, e este workshop foi muito nesse sentido, para voltarmos a ligar o corpo à mente, e termos a noção de como funcionamos e interagimos com o ambiente. Gostaríamos de envolver ainda mais a comunidade UPTEC à comunidade externa.

E com a comunidade que está aqui na UPTEC Baixa tem outra dinâmica de ligação?

Aqui é um bocadinho mais fácil de conseguir juntar estes “casulos” em que todos vivemos e trabalhamos. É algo que é natural. Nós temos uma ligação muito forte a algumas das outras empresas que estão aqui. Temos grupos próprios, temos vida fora da própria UPTEC, colaboramos muito aqui, e isso ajuda-nos bastante, mas também fora. Temos uma comunidade muito, muito coesa. Na verdade, tenho pouco contacto com as empresas tecnológicas, embora também tenhamos essa vertente, mas é algo que estamos a tentar alterar.

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De que forma? 

A Faculdade de Belas Artes lançou um desafio para essas empresas integrarem alguns designers para estágio, mas as tecnológicas, neste momento, estão com um desafio porque não têm um designer que possa ser mentor desses alunos. Nós, fazendo parte da Comunidade UPTEC, achamos que poderia ser interessante e poderíamos ajudar esses alunos com a mentoria que precisam, enquanto as empresas tecnológicas não ficam sem esses estudantes. No fundo, fazemos a ponte com as empresas tecnológicas, tentamos saber quais são as necessidades deles, o que é que eles pretendem do aluno, e vamos guiando esse aluno durante todo o estágio, para que ele possa fazer, obviamente, um melhor trabalho, e ir ao encontro daquilo que as tecnológicas precisam. E esta é uma das formas de criar pontes entre as diversas empresas da UPTEC. Com tudo isto, esperamos que outras empresas da UPTEC ligadas ao design sigam o exemplo e ajudem a fazer esta ponte.

Como é que surgiu a vossa ligação à UPTEC?

Foi através de um Professor da Universidade do Porto, membro do nosso Conselho Consultivo. Na altura, estávamos na ANJE, e ele falou-nos da UPTEC, achou que nós estaríamos melhor enquadrados aqui na UPTEC e tinha toda a razão (risos). Aceitaram-nos aqui, temos tentado dar o nosso contributo e também nos têm dado muito suporte, mesmo na angariação de novos clientes, na ponte com o i3S, com quem temos um projeto, um jogo que estamos a desenvolver para miúdos do 10.º e 11º anos, por exemplo, a alguns projetos Erasmus. Tem sido uma ligação bastante importante e proveitosa.

Principais conquistas da 4Humanz?

Uma das principais conquistas é a rede Internacional de parceiros muito coesa. Muito transversal, temos muita gente em diversas áreas. A ligação à U.Porto, e o fortalecimento dessa mesma ligação, para nós um grande objetivo cumprido. A confiança depositada em nós por todos os clientes nacionais e internacionais. E conseguirmos ter uma equipa feliz, criativa e motivada, muito motivada. Eu quero para os outros aquilo que quero para mim.

Próximos passos?

Continuar a crescer, a trabalhar, exatamente da mesma forma que temos trabalhado até agora para conseguirmos cumprir com todos os nossos objetivos. E conseguir mais pontes entre a Academia, a Indústria e a comunidade.

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A infância da Liliana deixou marcas profundas na sua personalidade, algumas delas literais, e que ainda hoje influenciam as decisões que toma. A ligação à natureza é umbilical e é nutrida anualmente, nas caminhadas de mais de 300 km que faz, sozinha, pelo meio do monte. Influenciada pelos valores da cultura japonesa, a prática do Aikido, da escalada e do mergulho são desafios que a colocam num constante estado de desafio pessoal.

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Onde é que tu nasceste? Como é que foram os teus primeiros anos de vida?

Eu sou do Porto, da Maia, e tenho uma fortíssima costela minhota. Uma parte da minha família é minhota, por isso, sou uma mulher do Norte (risos). Os meus primeiros tempos de vida foram passados entre o Porto e Braga. Os meus avós tinham uma quinta e, como tal, sou muito ligada à terra e aos animais. Tive uma infância bastante feliz. Rebelde, pé descalço sempre. Cheguei a ir alguns dias, por esquecimento, – embora não seja uma cabeça no ar –, mas às vezes esquecia-me e ia descalça para a escola (risos). Os meus avós eram chamados à escola pela professora, principalmente no verão, porque me esquecia dos sapatos em casa. Sempre vivi em casas, nunca vivi num apartamento, por isso não vivia naquela bolha, era mais fácil andar no jardim e dentro de casa de pé descalço. Foram anos muito felizes. Eu sou a irmã do meio, tenho um irmão mais novo e uma irmã mais velha. Somos bastante diferentes uns dos outros. Nunca fui uma criança que ficasse muito presa, digamos assim, porque sempre tive bastante liberdade, de subir às árvores, de cair, e que o digam as minhas cicatrizes na cabeça, que eu descobri por acaso.

Por acaso?

Foi um momento engraçado (risos). Fiz teatro durante a faculdade e secundário, e tivemos uma peça que era a cantora Careca de Ionesco. Ora calhou-me a personagem de cantora Careca, tive de rapar a cabeça, e nessa altura descobri que tinha umas valentes cicatrizes, precisamente de ter caído várias vezes abaixo das árvores (risos). Uma delas lembro-me bem porque cheguei a sangrar, mas escondia muito bem para que a minha mãe não me proibisse de ir brincar para a quinta dos meus avós. São marcas de guerra, digamos (risos).

E de que forma é que essa infância feliz lançou as bases para o que és hoje?

Acima de tudo, o facto de eu ter convivido com diversas espécies gerou um grande sentido de empatia. Diria, até, que é uma das minhas maiores características, a empatia para com o outro. Independentemente da espécie, independentemente do tipo de ser humano que me cruzo. Nós também somos animais, animais humanos, mas não deixamos de ser animais, e acho que essa ligação à Terra mantém-se. Eu faço todos os anos uma caminhada, nunca menos de 300 km, sozinha pela montanha, porque é algo que preciso. Preciso desse contacto com a natureza e faço isso uma vez por ano, porque tento pôr a minha vida em perspetiva. As minhas relações com a minha comunidade, seja ela de trabalho ou pessoal, estas caminhadas ajudam-me muito nesse sentido. E também é uma forma de eu estar alerta, porque as faço sozinha.

300 kms seguidos?

Sim, sozinha, mais ou menos por volta desta altura do ano, mas este ano vai ter de ser mais tarde porque estamos a fechar a entrega de alguns projetos.

E o que é que levas contigo?

Levo pouca coisa. Dois pares de calções, duas t-shirts, meias e chega. É uma viagem de despojamento. Levo mesmo muito pouca coisa, mesmo a nível de comida, muito pouca coisa, para estar em contato com a natureza. Muitas das vezes, esses caminhos cruzam-se com os caminhos de Santiago. Embora não seja uma pessoa religiosa – sou uma pessoa espiritual, mas não sou uma pessoa religiosa – e como os caminhos se cruzam, nessa altura, é bom falar um bocadinho com os peregrinos. Vou fazendo algumas amizades pelo caminho porque sou uma pessoa extremamente sociável, embora agora, ao falar desta caminhada solitária, pareça quase que sou um bicho do buraco, antissocial (risos). Sou uma pessoa extremamente sociável, mas preciso muito do meu momento de solitude, e estas caminhadas permitem isso. Permitem, não só contato com a natureza, como voltar a centrar-me e ver se estou no bom caminho. É por isso que vivo numa casa… num apartamento seria a criatura mais infeliz do mundo, porque preciso de luz natural, preciso do contato com as plantas. Tenho a minha horta, tenho os meus animais, tenho cães, tenho gatos, e as minhas árvores, que ajudei a plantar, não fui eu que as plantei sozinha (risos). Tenho a minha pequena floresta e isso ajuda-me muito a recarregar as baterias durante toda a semana também.

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De que outras formas é que criaste ligações à natureza?

Para além das caminhadas, também gosto de fazer escalada. Já não faço há algum tempo, mas houve um período da minha vida em que fiz bastante. Também fiz mergulho, e esse foi o meu grande desafio. Aprendi a nadar muito tarde, aos 23 anos, e isso fez com que não tivesse adaptação ao meio aquático. O curso de mergulho foi um desafio, as primeiras aulas foram muito difíceis, mas descobri que tenho um corpo muito adaptado ao mergulho. Não preciso de colete porque consigo subir e descer, e fazer patamares sem recorrer ao colete, embora o tenha por precaução. Eu não gosto que o medo me conquiste. E as minhas caminhadas, sempre sozinhas, claro que tenho algum receio, mas nunca deixo que o medo leve a melhor.

E de forma mais recorrente, o que é que gostas de fazer?

De Aikido. É uma forma de me ensinar um meio de defesa pessoal, e também é muito belo. Não é uma arte marcial de ataque, é de defesa, em que se utiliza sempre a energia do outro para o afastares, para o subjugares. E tem a vertente de usar também a katana, a espada típica japonesa, o bo, uma espécie de uma vara, e embora sejam instrumentos de defesa, e obviamente devem ser bem manuseados, eu gosto muito da forma como os manuseamos e como interagimos com aquelas armas. Remontamos um bocadinho ao Japão antigo porque seguimos regras muito rigorosas, as regras dos samurais japoneses. A cultura japonesa sempre me interessou muito. E o Aikido foi uma forma de complementar o arco e flecha, que eu também já fazia. Eu gosto muito de armas antigas, embora seja uma pessoa muito pacífica. Gosto muito de armamento antigo, não gosto de armas de fogo.

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E como é que surgiu este gosto pelo Aikido?

Eu gosto muito do Japão antigo. Gosto muito da cultura japonesa, e isso também me ajudou a olhar para o tiro com arco. Quando era miúda, tive uma amiga dos meus pais que viveu dez anos no Japão, daí ficou o bichinho. Um dia decidi experimentar e gostei. E o tiro com arco e o Aikido complementam-se. Pratico há dois anos, é uma coisa mais recente, mas o meu Sensei, neste momento, deve estar com vontade de me bater porque eu tenho faltado algumas aulas por causa destes últimos projetos.

O que é mais gostas nessa cultura japonesa?

O respeito. Eu acho que é impossível estarmos só rodeadas de pessoas que gostamos, e o desafio não é darmo-nos bem com pessoas que têm semelhanças connosco, mas sim termos ligações estáveis de respeito com pessoas que são completamente diferentes de nós. E acho que essa é a grande mais-valia nas relações humanas. Embora vivamos, neste momento, numa fase pautada pelas guerras, sejam elas de que ordem for, se houvesse um pouquinho mais de empatia e de respeito, se as pessoas tentassem perceber o outro lado, há muitas coisas que não chegariam a este ponto.

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Tentar colocar na pele do outro…

Exatamente, porque nós nunca sabemos o porquê de o outro ser assim. Eu não conheço o background delas, não sei porque é que algumas são mais amargas, ou mais maldosas, os adjetivos que queiramos dar. Mas eu tenho de saber lidar com elas, e tenho de conseguir encontrar o elo em comum, porque temos sempre alguma coisa em comum com quem não gostamos. Por mais diferentes que elas sejam, é só encontrá-lo e essa pessoa desmonta-se. A partir daí, é tudo muito mais simples.

“Eu tenho de ter liberdade para ser quem eu sou, ser como sou, e usar partes do meu tempo como eu quero”

Como é que concilias toda esta vida pessoal com a laboral? 

Com algum esforço (risos) e um marido que me apoia a 100% em todos os meus desafios e maluquices. Eu sou mãe, e essa é mais uma vertente da minha vida, que me faz pensar que não posso fazer simplesmente o que quero porque tenho essa responsabilidade. Não posso simplesmente chegar a casa, e ir correr, ir para o Aikido, porque, embora ela já seja adolescente, tenho de lhe dar atenção. E não só a ela, tenho o cão, os gatos que também precisam sempre de atenção, por isso, é com ginástica e alguém a ajudar a segurar as pontas que se gere tudo.

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Não deixas de fazer as tuas coisas.

Sempre que posso. Eu tenho uma filha e ela tem de perceber que eu não deixei de ser a Liliana só porque fui mãe. E ela tem de lidar com essas duas vertentes, com a mãe e com o ser humano. E isso dá trabalho, mas eu também tenho as minhas necessidades como ser humano, e não deixo de as colmatar. Não sou o tipo de mulher que acha que a maternidade é o ponto alto da vida ou é a única coisa que existe, não sou nada desse tipo.

O que é mais indispensável para ti?

As ligações humanas. Os amigos, a família, são muito importantes para garantir a minha estabilidade emocional. Sou muito emotiva, extremamente emotiva, por isso, se eu não estiver bem a nível emocional, isso vai-se refletir no meu trabalho. Tenho de ter sempre um equilíbrio, e por isso é que, para mim, a amizade e a família são de uma extrema importância. E a liberdade. Eu tenho de ter liberdade para ser quem eu sou, ser como sou, e usar partes do meu tempo como eu quero. Não me colocarem limites, não gosto. Eu não sou pessoa de ser enjaulada, não consigo.

Já falaste da empatia como uma das tuas principais virtudes. E maior defeito?

Às vezes sou procrastinadora (risos). Eu funciono bem sob pressão e é por isso que às vezes me deixo procrastinar. Mesmo a nível criativo, quando tenho muito tempo para criar, demoro muito mais tempo para conseguir chegar a uma solução. E se me disserem assim “tens 24 horas, tens 48 horas”, há um trigger no cérebro que se ativa, e as coisas fluem melhor, mas tento não fazer isso. Não é que me provoque muito stress a mim, mas provoca muito stress aos outros.

Tens alguma palavra preferida?

Liberdade. É sem dúvida a minha palavra preferida. Porque o termos liberdade significa que não impomos limites aos outros, mas os outros também não nos impõem limites a nós. E isso para mim é fundamental. É claro que todos nós temos limites, e são necessários para a boa convivência, a maior parte deles é do senso comum, por isso, não gosto que me limitem. Não suporto, é a pior coisa que me podem fazer, é dizerem “não podes” ou “não deves”. Recordo-me que, a primeira vez que decidi ir para o monte sozinha, durante muitos dias, levantavam a questão de “mas és mulher”, ou “pode acontecer alguma coisa” ou “ao menos leva o GPS”, e isso, para mim, foi logo sentido como “estão a limitar-me”. Não. Funciono muito bem no Monte, levo tudo aquilo que preciso, se acontecer alguma coisa, sei perfeitamente o que fazer. Tenho conhecimentos médicos suficientes para isso, portanto, consigo gerir a situação. E depois esta “castração” não funciona bem, porque me dá ainda mais vontade de fazer as coisas.

Tens alguma data que seja gravada na tua memória?

Tenho várias. O nascimento da minha filha, obviamente, foi bastante importante para mim. Outra das datas que me recordo muitas vezes foi a primeira vez que vi um outro animal nascer. Aí ajudei e foi uma experiência muito engraçada, que me marcou, por ver o milagre do nascimento. É completamente diferente quando vemos outro ser nascer. Também me marcou bastante a primeira vez que viajei sozinha. Com 13 anos atravessei metade da Europa sozinha, numa altura em que não havia telemóveis. Na altura já era poliglota, e senti que tinha a capacidade e a coragem de o fazer. O meu pai foi convidado a trabalhar numa empresa cuja sede estava em Zurique, e esteve lá um longo período. As saudades também me motivaram e lá fui. Hoje temos telemóveis, estamos sempre contactáveis, e fazer aquela viagem foi diferente. Não termos forma de comunicar com os outros, foi o maior desafio, mas esta viagem foi o que alimentou a minha paixão por viajar. A partir daí não quis outra coisa (risos). Foi divertido, como sabia falar inglês, sabia falar francês… foi uma aventura.

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Já visitaste muitos países?

Já. A Europa praticamente toda. Agora falta-me África, mas ainda não fui a África porque tenho receio de lá ir e não querer voltar. Não sei explicar, tenho uma ligação muito forte ao continente africano. Irei conhecer este ano pela primeira vez, por isso, vai ser uma experiência interessante. Gosto muito de viajar, de lidar com pessoas e culturas diferentes, e de perceber como é que elas vivem. Sempre que vou para algum lado, acabo por sempre conhecer alguém de lá, que me ajuda a ter uma visão diferente dos países, a visão de quem é de lá. Nunca gostei daquelas viagens turísticas, com guias, isso não é para mim de todo. Agora já ganhei um bocadinho mais de juízo e já vou com hotel marcado, porque muitas das vezes era chegar, aterrar e pronto, agora vou à aventura e vou descobrir um sítio para dormir (risos). Já dormi em sítios muito caricatos… estações de comboios, de camionagem porque o hotel ainda não tinha aberto… Mas sempre sem problemas.

Há algum país que destaques dos que visitaste? 

Há um país em particular, porque vivi lá, e apesar de não ter uma cultura e gastronomias excepcionais… Eu gosto de comer e de beber, ou não fosse eu portuguesa (risos). E na Suíça a comida é horrível, o vinho também nada de interessante, mas vivi lá, e isso faz com que eu tenha um carinho especial pelo país.

E algum país que desejes visitar?

O Butão. O Butão é a minha viagem de sonho. Ainda não tive oportunidade de lá ir porque é complexo, preciso autorização do Rei, mais isto, mais aquilo, e ainda não tive tempo, nem paciência, de me sentar e preparar tudo com a devida antecedência.

Também temes que não queiras voltar?

Não. Por acaso, não. O Butão é uma ligação diferente, é uma grande curiosidade. Com África é espiritual, é uma ligação visceral, é quase a sensação de que pertenço lá, só que estou afastada. Um dia vou e será quase como um regresso a casa.

Para finalizar, o que mais gostarias de fazer na vida?

Gostaria muito de trabalhar com as Nações Unidas. Há uns anos, candidatei-me a um posto que era na Guiné-Bissau. Na altura, contactaram-me a dizer que aquele posto, em particular, era para alguém local, mas que estavam muito interessados, por eu falar português, pelo meu perfil, e que queriam muito que eu me candidatasse a outras coisas, mas, entretanto, a vida aconteceu, é orgânica, apareceram outras coisas. A Universidade do Porto também se meteu pelo meio, e acabei por prosseguir com essa vertente, mas é algo que eu gostava bastante de fazer. Não só por ser pelas Nações Unidas, mas gostava de tirar um mês de férias e fazer voluntariado em países subdesenvolvidos. Gostava de ter essa experiência e é uma coisa que, mais tarde ou mais cedo, farei, sem dúvida.

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27 de junho de 2024

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