Kelwin Fernandes: “Quando grande parte das tarefas diárias forem automatizadas com IA, a relevância do pensamento vai ser muito mais significativa.”
Kelwin Fernandes: “Quando grande parte das tarefas diárias forem automatizadas com IA, a relevância do pensamento vai ser muito mais significativa.”
Kelwin Fernandes é o fundador da NILG.AI, a empresa que quer ser o standard da Inteligência Artificial a nível mundial, num caminho que começou na América do Sul e continua, agora, no país que diz ser o centro do mundo, numa fase em que tudo na sua vida está a crescer. Dos inúmeros hobbies enquanto criança ao Hobbit como primeiro livro que leu, do legado que quer deixar para a sua família e empresa ao mantra “Inside the Office” que tenta aplicar nas inúmeras viagens que faz, não percas esta edição do Out Of Office com o venezuelano mais português da cidade do Porto!
Kelwin, o que é a NILG.AI?
Fundei a NILG.AI como empresa de consultoria em inteligência artificial, e a nossa visão é sermos o standard da opção de Inteligência Artificial (IA) nas empresas. Nós ajudamos os gestores das empresas a otimizar processos utilizando a IA, mas querendo ser a opção standard, focamo-nos muito em criar as melhores práticas, e ajudar a pensar como é que se tomam decisões com base no que a IA nos dá.
E como é que tudo começou?
Conheci a Inteligência Artificial há 15 anos, em 2009, bem antes de ser tudo aquilo que atualmente é. Comecei como freelancer de IA, e passei a consultor em 2018. Acabei o doutoramento e decidi fundar a empresa como consultora, como uma “software house” na área do IA, inicialmente focada na parte da implementação e, mais recentemente, na parte da estratégia.
E fundaste a NILG.AI com mais alguém ou sozinho?
Fundei com a minha esposa, somos os dois fundadores. Ela trata das operações, e eu trato da gestão da empresa e da equipa. Somos, agora, seis pessoas a full-time, e depois temos uma média de 30 freelancers que nos apoiam na concretização dos projetos. Trabalhar com parceiros externos permite-nos ter escala para, tendo uma equipa de seis pessoas, trabalhamos com empresas de 10 mil pessoas, e conseguir dar resposta a estes projetos.
De onde surgiu esta ideia de criar a empresa?
Não havia um sonho cor-de-rosa em fundar a empresa. Acho que se aplicou a história clássica do livro The E-Myth, onde diz que o técnico quando é bom fazer aquilo que faz, pensa “porque não fazer isto como consultor, em regime freelancer?”. A coisa começou a ganhar dimensão, e só recentemente, há um ano e meio, dois anos, é que começamos a ver isto com uma perspetiva de futuro a 20 anos, e não apenas como uma empresa de consultoria, que é algo que não falta no mercado. Definimos que nós queremos ser o standard da Inteligência Artificial. Criamos um canal do YouTube da empresa, que atualmente conta com 58 mil seguidores, mas só recentemente é que percebemos como é que podemos potenciar o nosso negócio a longo prazo.
Qual foi a principal motivação para criares um modelo de negócio deste género?
Vim da Venezuela para Portugal em 2013, tirei doutoramento, e consegui afastar-me um pouco dos problemas que o meu país estava a passar. Tive algum tempo para pensar no que queria fazer, e como tenho um grande background de programação, para mim seria fácil fazer consultoria, até porque considero que a consultoria é capaz de ser o negócio mais fácil para empreender. Um bom técnico naquilo que faz precisa de muito poucos instrumentos para arrancar com um negócio, e ter uma máquina a trabalhar de forma orgânica, capaz de criar cash-flow. É muito fácil criar um cash-flow positivo com a consultoria, mas é muito difícil escalar o negócio. Então pensei que poderia ser uma boa base para começar, mas agora que queremos ser o standard da IA, precisamos de um maior investimento em todos os aspetos do nosso negócio.
“É muito fácil criar um cash-flow positivo com a consultoria, mas é muito difícil escalar o negócio”
Nesse teu percurso de consultor, com que empresas trabalhaste?
O nosso modelo de negócio é consultoria focada na parte de estratégia da IA. Temos modelos de planos estratégicos, onde, mês a mês, vamos ajudando as empresas a definir os planos estratégicos de IA, e depois a implementação pura e dura nesses projetos. Em termos de clientes, temos orgulho de ter trabalhado com algumas das maiores empresas do mundo… A Continental, da área automóvel, com a Metro do Porto, com a Vonovia, que é a maior empresa de real estate da Europa, com mais de meio milhão de apartamentos. Mais recente, começamos a trabalhar com a TUVNord, que talvez seja conhecida por poucas pessoas, mas se tens um aparelho, ele teve uma auditoria provavelmente feita por eles. Também trabalhamos com a Iqony, uma espécie de EDP de uma região da Alemanha, portanto temos trabalhado com grandes corporações, e acho que o que nos tem permitido fazer isso é precisamente esta metodologia, o pensamento na estratégia, pensar como é que se trabalha a IA em prol das empresas, e não ser apenas uma empresa de desenvolvimento de software.
E como é que surgiram essas oportunidades?
Muita inovação aberta, programas de inovação aberta, open calls. Apostamos muito nos programas de inovação aberta, porque a AI ainda é muito trabalhada do interior dos departamentos de inovação das empresas, e é algo que precisa de algum trabalho. Apesar de não termos um modelo “plug and play”, que é algo que também necessita de algum trabalho, optamos por um modelo de inovação aberta que liga facilmente as corporações às startups, e nós tendo um modelo de negócio baseado em consultoria, torna-se mais fácil para nós adaptarmos as nossas propostas de valor a estas big corps, e muitas dessas oportunidades têm surgido nessas open calls.
O que achas dos receios que existem em volta da Inteligência Artificial?
Eu acredito que estamos muito longe de um presente em que esses receios se tornem uma realidade. Em termos de inteligência artificial geral, acho que estamos tão longe quanto sempre tivemos, mas claramente que há um potencial de disrupção gigante. Não por achar que vai haver um ciberataque que nos vai dominar a todos, mas pela alteração do mercado de trabalho que vai acontecer. Quando grande parte das tarefas diárias forem automatizadas com IA, a relevância do pensamento crítico e da tomada de decisão vai ser muito mais significativa do que antes. E não sei se as escolas e as faculdades estão a formar para o pensamento crítico. Para seguir processos, sim, estão a formar, mas seguir processos é o que as máquinas são boas a fazer. Acho que a nível educativo vamos ter de repensar que tipo de pensamento é que incutimos nas pessoas, mas também acho que a Inteligência Artificial é e pode ser uma ferramenta que nos ajuda a resolver problemas. Tal como um carro é uma ferramenta, a eletricidade é uma ferramenta, e se devíamos divergir ou convergir do que a IA faz… acho que devemos aprender a usá-la para resolver mais eficientemente os nossos problemas, sendo que os problemas vão continuar a exigir de nós uma resposta, mas essa decisão pode ser melhor tomada em função da informação que dispomos, e é isso que a IA pode dar.
Paralelamente a todo este vosso percurso, também desenvolveram o Safe Journey. Fala-me desse projeto.
O SafeJourney é um índice de mobilidade para pessoas em cadeiras de rodas. A intenção é que cada rua do mundo tenha um índice de mobilidade para pessoas com mobilidade reduzida, mostrando que limitações é que existem se alguém estiver a morar em determinada zona, que obstáculos vão ser encontrados na sua envolvente. Desenvolvemos o projeto para a Câmara Municipal de Lisboa, e estamos a expandir para outras cidades, como o Porto e outras metrópoles europeias. É um projeto que tem uma ambição interessante de criar um índice de mobilidade para pessoas em cadeiras de rodas.
E não pode ser utilizado em mais nenhuma área ou está circunscrita a esta aplicabilidade?
O projeto permite-nos explorar outras vertentes. Estamos a desenvolver agora o mesmo projeto num contexto de inovação aberta para recolha do lixo, isto é, queremos criar um índice em conjunto com o Re-Source, uma open call da Algar, que aconteceu recentemente, que dê indicadores do quão fácil é a recolha do lixo num ponto ou outro. Esta infraestrutura do SafeJourney tem permitido alargar para outras áreas, e estamos a pensar como podemos desenvolver o projeto. Temos a vertical de mobilidade, mas estamos a analisar como é que podemos ter outras verticais do género.
És uma pessoa muito ativa nas redes sociais, na promoção da empresa. É uma das ferramentas que usas para potenciar o vosso crescimento?
Podemos fazê-lo de diversas formas. Se queremos ser o standard da opção de IA nas empresas, e que todas as pessoas no mundo implementem a IA da forma que nós sugerimos, que é a que acreditamos que trará mais sucesso, uma das maneiras é fazer o trabalho de “formiguinha”, de partilhar o que fazemos, e aí o nosso canal do YouTube ajuda bastante. Num ano atingiu mais de 50 mil subscritores, e acho que, no final do ano, devemos ter facilmente mais de 100 mil. É um trabalho de mostrar às pessoas os nossos insights. Outras das formas é conseguir comprovar, junto das empresas, que a nossa metodologia realmente permite ter resultados previsíveis do retorno que a IA pode trazer. Todos os projetos que temos com clientes também são prova disso.
“Quando o fundador consegue sair dos processos é porque tem um projeto que realmente está a acrescentar valor”
O vosso sucesso também consegue ser medido através dos prémios que têm conquistado. Algum que consigas destacar?
Trabalhamos muito as open calls, e algo que nos orgulhamos muito é de temos o recorde de desafios de inovação aberta ganhos da iniciativa “Hands on Data”, na Alemanha. Em 2022 vencemos dois dos seis desafios, sendo que, em anos anteriores, já tínhamos ganho em duas ocasiões. Vencer estes programas dão logo um canal direto para trabalhar com grandes empresas, e isso é muito bom.
Algum momento até agora que consideres ser a maior conquista da NILG.AI?
Acho que foi eu ter saído das operações, ter saído dos projetos. Só quando o fundador consegue sair dos processos é porque tem um projeto que realmente está a acrescentar valor. Não é só apenas o fundador a fazer juggling (risos), e isso aconteceu graças à nossa metodologia. A nível mais externo, provavelmente o primeiro “Hands on Data” que ganhamos. Abriu um caminho para a colaboração com big corps internacionais.
E algum momento menos positivo nesta caminhada?
A fase do COVID foi bastante difícil. Criei a empresa em finais de 2018, e em maio de 2019 comecei a contratar a equipa. Tínhamos a equipa montada no início de 2020, e foi quando veio a pandemia, e cancelaram todos os projetos, e estamos a falar de uma empresa sem financiamento, porque o financiamento vinha da própria operação da empresa, nem sistema de vendas tínhamos. Sem projetos, acho que esse foi o momento mais desafiante de todos, mas conseguimos ultrapassar.
Pelo meio, surgiu a ligação à UPTEC. Como é que aconteceu?
Eu tirei doutoramento na FEUP, e sempre estive muito ligado ao ecossistema. A IA sendo uma área tão tecnológica e da inovação, acho que faz todo o sentido estar envolvido aqui dentro, dentro do ecossistema da UPTEC e da U.Porto como um todo.
Próximos passos para vocês enquanto empresa?
É escalar. Já temos a metodologia bem estruturada, processos bem definidos e agora o que resta é realmente escalar em tamanho da operação.
Foi na Rua da Venezuela, no Porto, que continuamos a conversa com o Kelwin Fernandes, cuja ligação a Portugal vem desde o berço. A família emigrada no país sul-americano fez com que as raízes portuguesas estivessem sempre presentes no crescimento, seja através do rancho folclórico, do bacalhau que se comia em casa, ou da aprendizagem da língua portuguesa que foi uma prioridade desde cedo.
Nasceste na Venezuela, mas tens uma ligação muito forte a Portugal…
Nasci na Venezuela, mas acho que sou português desde que eu nasci. A minha família toda é portuguesa, o avô materno é aqui do continente, os avós paternos são da Madeira, então a cultura portuguesa sempre esteve muito viva em casa. Aliás, eu quando estava na Venezuela sentia-me português, e agora que estou em Portugal sinto-me venezuelano. É uma dicotomia muito engraçada. Em casa nunca faltou o bacalhau no Natal, quando era miúdo estive seis anos no rancho folclórico português na Venezuela, a dançar. Sempre estive ligado a Portugal, aliás, aprendi português porque a minha mãe disse que tinha de aprender uma língua estrangeira, o inglês ou português, e acabei por escolher o português. Quando foi altura de emigrar, lancei candidaturas a muitos países, incluindo Portugal, e o que fazia mais sentido era vir para Portugal. Sempre tive uma ligação muito forte.
E escolheste Portugal só por essa afinidade já existente?
Tive uma bolsa de investigação que depois me permitiu passar para o doutoramento, então fazia todo o sentido escolher Portugal. Muita gente diz que estamos na periferia da Europa, mas eu digo que estamos no centro do Mundo. Aqui conseguimos trabalhar com clientes nos Estados Unidos, temos imensos fusos horários partilhados para poder trabalhar com eles.
E como é que está essa percentagem de português vs venezuelano?
Agora que estou cá, sinto-me mais venezuelano do que português (risos). Uma pessoa também vai conhecendo muitas culturas e acaba por encontrar pontos em comum, e quanto mais culturas uma pessoa conhece mais se apagam as linhas que as separam. Sinto-me uma mistura de ambas.
E como é que surgiu esta aptidão para a computação?
Eu era muito curioso e os meus pais apoiavam essa curiosidade. Fiz tudo o que possas imaginar, andei para aí em seis desportos, taekwondo, natação, ténis, basquetebol, jogava muito bowling, e uma das coisas que fazia paralelamente era aprender a programar. Acho que estava na sétima classe quando aprendi a programar, e apaixonei-me. O meu pai também tinha pequenos negócios lá na Venezuela, então sempre misturei um bocado os meus hobbies com negócios. Com o que aprendi a programar, comecei a vender software aos 14 anos a pessoas que precisavam… coisinhas mesmo pequeninas, às vezes cálculos que envolvessem dinheiro e assim. E isto era transversal, comecei a fazer graffitis, e vendia murais para os meus colegas terem nos quartos (risos). Sempre tive uma componente mais económica e de negócio ligada aos meus hobbies.
Agora é mais difícil ter todos esses hobbies…
A vida fica diferente depois de se ser adulto (risos). Trabalho, filhos e acabas por deixar as atividades mais pessoais para trás… por acaso estou a recuperar algumas delas, desde logo a corrida, que recomecei este ano, e é algo que quero levar mais a sério.
E concilias a corrida com mais alguma coisa nos teus tempos livres?
Com a leitura, que é outro hobbie que tenho desde miúdo, e que se tinha perdido, pelo menos, de um método formal… uma pessoa nunca pára de ler, só muda o formato onde lê.
“Sempre tive uma componente mais económica e de negócio ligada aos meus hobbies”
De onde veio essa paixão pela leitura?
Diria que foi algo natural. Quando estava a preparar esta entrevista, pensei qual teria sido o primeiro livro de li, e acho que foi o Hobbit do J. R. R. Tolkien. Acho que foi o primeiro livro, devia ter sete anos quando li o primeiro livro inteiro. Até pedi para tirar a televisão do meu quarto, só queria ler (risos). Gostava de livros do Senhor dos Anéis, do Stephen King, coisas mais de entretenimento que, com o passar do tempo, passaram a ser mais sobre negócios, vendas, etc.
E é isso que gostas mais de ler agora?
Sim, livros mais virados para toda a componente de gestão de empresas, IA, e crescimento pessoal. Estou sempre a ler um livro de cada uma dessas três áreas.
Com tantos livros que lês, deves ter uma coleção vasta…
Devo ter mais de 200 livros, à vontade (risos). Aqui em Portugal, estive a contá-los, tenho uns 100 e tal, fora os que ficaram na Venezuela.
E tens espaço para todos?
Dividimos por vários sítios (risos). Temos alguns aqui no escritório e outros em casa, estão bem divididos (risos).
“Gosto de ler livros de pessoas com opiniões contrárias àquilo que eu penso e acredito”
Pretendes passar esses hábitos de leitura?
Sim. Tenho um filho que fez três anos a 31 de janeiro, e ele não vai a dormir nenhuma noite sem lhe lermos um conto. Quando saímos e passamos numa livraria, ele quer sempre entrar, já nos pede para ver os contos que estão disponíveis. Acho que compro mais do que aqueles que consigo ler (risos). Mas sim, quero incutir nele esta curiosidade para aprender coisas novas sobre o mundo.
E ler acaba por ser uma boa forma de viajar também…
Diria que sim, é uma boa forma para perceber outros pontos de vista, que é algo que acontece quando se viaja. Gosto de ler livros de pessoas com opiniões contrárias àquilo que eu penso e acredito. Tento aproveitar, nem que seja uma ou outra ideia, mesmo que possa discordar da maior parte do livro.
E qual o momento em que gostas mais de ler?
Entre uma reunião e outra, esses 10 minutinhos que tens para tomar um café, aproveitas para ler. Ao deitar da cama, aproveito para ler. No carro ou na sala de espera de um consultório, aproveitas para ler. Na realidade é quando consigo, desde que exista o hábito. Os hábitos para serem hábitos têm de ser óbvios e fáceis de se fazer. Tenho um livro sempre comigo, e recentemente comecei a aderir a outros formatos. Porque é que fazemos tanto scroll nas redes sociais? Primeiro porque é apelativo, segundo, porque é fácil. Está sempre no bolso, e também podemos ter livros no bolso, com o Kindle. No carro podes ler um livro. E uma coisa que faço é nunca ler só um livro, tenho sempre três ou quatro em simultâneo, porque às vezes uma pessoa fica saturada de um tema. Se estiver todo o dia a ouvir falar de IA, não vou querer ler esse livro à noite, então tenho sempre uma alternativa. Tenho sempre um livro da área técnica na qual trabalho, um livro da área de negócios, e um livro da área de crescimento pessoal, sempre em simultâneo.
“Não aproveitamos o suficiente o quanto Portugal está no centro do mundo”
Porque é que gostas tanto de ler?
O retorno que temos da leitura é enorme, porque as pessoas focaram-se em juntar centenas de milhares de horas de conhecimento e experiência num material denso e sumarizado. Por vezes desvalorizamos o potencial disso.
Se nos livros tens ideia de quantos tens, nas muitas viagens já fizeste, tens ideia de quantos países já visitaste?
Acho que foram uns 24…
E sempre em trabalho?
Esta rubrica chama-se Out Of Office, e eu não acredito que haja Out Of Office sem Inside The Office, e vice-versa (risos). Tento sempre misturar as duas coisas. Como a minha esposa é a minha sócia, quando vamos de férias, tento ver de que forma podemos explorar esse país que vamos visitar em termos de empresa, e da mesma forma, sempre que viajamos em trabalho, tento pôr mais um ou dois dias para lazer. Quando se é empreendedor, não há separação entre a vida pessoal e a vida profissional. Há que saber viver com as duas coisas em simultâneo e tirar o maior partido das duas. Sempre que vamos de viagem, a minha esposa sabe que vamos mais um ou dois dias para visitar uma incubadora local, visitar as empresas locais, e como temos clientes por todo o mundo, quando os visitamos aproveitamos para tirar uns dias de férias para conhecer os locais.
Há algum país que te tenha marcado particularmente?
Diria dois, a Índia e o Quénia, ambos incríveis. A Índia pela diversidade que há dentro de si própria. Vais a duas cidades distintas e são completamente diferentes. Aquilo é como que um continente próprio. Estivemos em 11 cidades diferentes em três semanas, então de dois em dois dias víamos coisas muito diferentes. E o Quénia pelos pontos em comum que tem com a cultura venezuelana. Ainda tem muitas raízes da colonização, mas em termos gastronómicos, da vivência do dia a dia, eu sentia que ao estar em Nairobi estava em Caracas. Honestamente, eu sentia mesmo que estava em Caracas, era tudo tão semelhante, e isso chocou-me imenso. É claro que as zonas de safari são bem diferentes, mas na cidade sentia que estava na Venezuela.
Nessas viagens todas que fizeste, há alguma que seja semelhante ao Porto?
Boa pergunta, nunca pensei no tema… acho que há divergências e semelhanças em todas as cidades, mas talvez… Copenhaga. É uma cidade densa, pequena, e vive muito a cidade.
E o Porto é a cidade onde vês o teu futuro?
Honestamente, acho muito difícil sair daqui. Temos um filho com três anos, e vai nascer uma filha, a primeira, agora em abril. Estamos muito contentes no Porto, não me vejo a sair do Porto. Depois, em termos profissionais, acaba por ser um local muito estratégico para os outros pontos do mundo. Não só o Porto, mas também Portugal, a proximidade a todos os continentes que temos é uma vantagem. Acho que Portugal está no centro do mundo. Não aproveitamos o suficiente o quanto Portugal está no centro do mundo.
O que é mais indispensável na tua vida?
Os meus filhos. Tento sempre estar com eles, e envolvê-los no processo. A componente que vivo mais intensamente é ser pai. Como é que eu me torno, a cada dia que passa, um melhor pai? Não os trocava por nada do mundo. Se eu tivesse de ir para outro país com a empresa e ficasse longe deles, não era viável para mim, não era mesmo.
E onde é que te vês daqui a cinco anos?
No Porto (risos).
Maior virtude e maior defeito?
Virtude acho que será a disciplina e a consistência. A capacidade de fazer a mesma coisa sem ver resultados ao longo de meses ou até anos é difícil, mas a maior parte dos empreendedores consegue pensar a esse longo prazo, é isso que nos faz empreendedor. Maior defeito talvez seja ser muito direto nas relações. Por vezes vou dar feedback, se acho que estás a fazer uma coisa errada, eu vou dizer o meu ponto de vista de forma direta, muito objetiva no feedback que dou.
Tens alguma palavra preferida?
Legado. Acho que o principal objetivo é deixar sempre um legado, seja numa forma de pensar, numa forma de ser, nos recursos e valores que deixas para a tua família… Às vezes penso “e se eu morresse hoje? Como é que eu vou viver o dia de hoje assumindo que este era o último? O que é que deixava para os meus filhos? Qual seria o meu legado?”. Acho que é a minha palavra favorita.
E há alguma data que seja especial para ti?
O dia que em emigrei, que também foi o dia em que saí de casa, é uma data especial. Foi aquele dia em que passei de ser um jovem para ser um adulto. Mas há um que é mais importante do que esse… O dia em que soube que ia ser pai. Nem sequer foi o dia em que o meu filho nasceu, mas sim o dia que eu soube que ia ser pai. Alguma coisa biológica mudou em mim, como se tivessem inserido um chip “provide for the family”, um instinto paternal, não sei explicar. Tenho uma vida antes e depois desse dia, e acaba por coincidir com a altura em que decidi sair das operações no terreno da empresa. Se eu quiser estar com a família, não posso estar atento aos deadlines dos clientes, dos projetos, e para tal, tinha de deixar essa vertente, e assumir o cargo que hoje tenho. Foi esse o primeiro momento, e agora o segundo também calhou quando soube que ia ser pai pela segunda vez, em que decidi que me ia focar em escalar a empresa. Vamos ver o que vai acontecer no terceiro filho (risos).
Para finalizar, diz-me três coisas que gostarias de fazer na vida.
Estou a tentar ser mais saudável, melhorar o meu estilo de vida no dia a dia. Quero acumular riqueza, e fazer da empresa algo cada vez maior e que sirva para cumprir a nossa missão. E quero ser uma pessoa com mais recursos, quero aprender mais para resolver os meus problemas e poder dar uma vida melhor à minha família.
29 de fevereiro de 2024