Filipe Fernandes: “Queremos ter uma turbina em cada telhado, portanto, a nossa fasquia está elevada”
Filipe Fernandes: “Queremos ter uma turbina em cada telhado, portanto, a nossa fasquia está elevada”
No Out of Office deste mês estivemos à conversa com Filipe Fernandes, de 33 anos, fundador e CEO da Windcredible, um projeto que tem ido de vento em popa desde a sua criação. A vida de empreendedor misturou-se com a carreira militar, e assumiu contornos incríveis nos últimos meses, que o levaram a tomar uma decisão bastante difícil. Dos financiamentos ao casamento, da ventania poveira ao impacto do avô, lê aqui a história do menino que sempre quis ser dono de uma fábrica, e que tem na impressão 3D um dos principais hobbies.
O que é a Windcredible?
É uma startup portuguesa com a missão de desenvolver um aerogerador eficiente, que possa ter o maior número de aplicações possíveis, e que ajude as pessoas a ter mais uma solução para a sustentabilidade. O nosso produto pretende reduzir a escala da energia eólica atual para uma escala que seja mais próxima das famílias e das empresas, e que possam, elas próprias, instalar nas suas casas e nos seus edifícios, mais uma forma de produzir energia verde limpa, com o mínimo de pegada ecológica, até porque as soluções atuais de energia eólica acabam por ter alguns pontos negativos.
Como, por exemplo, o fim de vida dos materiais. É uma grande preocupação para a vossa solução?
Sim, porque o fim de vida da tecnologia é, por vezes, descurado. Durante um período, as pás que produzem energia eólica fazem o seu trabalho, mas depois, quando chegam ao fim de vida, cerca de 20 anos depois, acaba por ser muito difícil, ou o quase impossível, pelo menos para já, de serem recicladas, e este é um dilema que as empresas eólicas estão a lidar. Com a nossa solução, não existe esse problema, não só pela dimensão mais reduzida, mas também pela forma como é feita, recorrendo a materiais reciclados, como fibras orgânicas e resinas biodegradáveis.
Como é que funciona a vossa turbina?
O nosso primeiro produto são as turbinas, e quando falamos nelas referimo-nos ao aspeto geral do sistema. A turbina é aquilo que a faz mexer, é a parte móvel do sistema, e aquela que, por inerência de termos o Nelson na equipa, já temos um conhecimento integral do processo. A turbina, as pás, foram desenvolvidas durante a tese de doutoramento do Nelson, e quando o convidamos para a empresa, era com o objetivo de ele também trazer esse capital muito importante, essa propriedade intelectual, e trabalharmos sobre isto. Já fizemos a submissão de um pedido provisório de patente, uma área onde estamos a evoluir, e ela funciona a transformar a energia do vento em energia elétrica, ou seja, energia cinética em energia elétrica, e ela faz isso com um processo de indução magnética. Dentro do gerador existem ímãs permanentes, neste caso são os ímanes bastante fortes de neodímio, que ao passarem pelos enrolamentos de cobre, fazem uma oscilação que permite a produção de energia.
E como é que conheceste o Nelson?
A entrada do Nelson levou a uma mudança muito importante na nossa empresa. A ideia surgiu comigo, com o António, e os primeiros passos que demos, como produto, foi com o Marvim. A nossa ideia inicial, que não está esquecida, era o aproveitamento de motores de veículos de mobilidade elétrica, seja de trotinetes, bicicletas, motas, em que o motor pode ser reutilizado, numa segunda vida, para gerador, a tecnologia é reversível, e o objetivo era começarmos por aí. Durante a nossa pesquisa, quando estava a desenhar, a fazer os primeiros protótipos, a primeira coisa a fazer é investigar o que existe, então foi um trabalho bastante interessante. Vendo patentes, trabalhos, submissões, artigos, encontrei um investigador que só ele enchia duas páginas de research case, e havia um nome em comum em todos eles: Nelson Batista. Primeiro foi importante existir um ponto de relação, e acho que essa história também é gira, porque quando procuramos pelo Nelson numa pequena pesquisa, tentamos encontrá-lo, quem é esta pessoa, e apercebi-me que ele trabalhava na mesma empresa da Mafalda, a minha mulher. Então ela apresentou-nos, fiz uma apresentação do projeto, dos nossos objetivos, onde queríamos chegar, convidámo-lo a juntar-se e ele aceitou.
Um passo fundamental para vocês?
Sem dúvida. O Nelson é um dos nossos fundadores. Ele realmente teve esta ideia e começou a desenvolver esta tecnologia bastante mais cedo do que nós, porque, nesse aspeto, o Nelson é um completo visionário, e se virmos os trabalhos que desenvolveu, realmente está muito na crista da onda, desde IoT, blockchain, sistemas semiautónomos, portanto para mim foi espetacular encontrar o Nelson, porque sei que ele conhece aquilo que eu quero fazer. Esta primeira componente da turbina é a primeira peça do puzzle que nós queremos construir, num sistema integrado, com mais valências do que aquelas que nós estamos habituados, e esperamos de uma turbina, mas que toda ela traga benefícios para o consumidor final.
Neste momento, a Windcredible é constituída por quantos elementos?
Foi fundada por quatro elementos. Eu como CEO, o Nelson Batista como CTO, o António Santos como COO, e o Marvim como CPO. A partir do momento em que formamos a equipa, este é o core, temos outras pessoas que nos estão a ajudar, numa primeira fase, em tempo parcial, mas, à medida que vamos recebendo investimento, que vamos tendo vendas, o objetivo é também fazer crescer a equipa para dar resposta às nossas necessidades.
Como é que conheceste o Marvim?
Então o Marvim, o nosso CPO, conheci-o tinha alguns dias… o Marvim é o meu pai (risos), portanto a nossa relação já é de longa data. Foi ele que me introduziu o gosto por muitas das coisas que hoje estão a dar os seus frutos. O meu pai é engenheiro mecânico, a minha mãe é professora de matemática, portanto sempre tive muitos bons incentivos a descobrir, a pesquisar, a perguntar, é muito importante perguntar, e que me introduziu os gostos de brincar com legos, outros modelos mecânicos. Este exercício, desde muito novo, acho que nos dá depois capacidade para pensar em sistemas mais complexos e interagir, integrar com coisas mais complexas.
E o António?
O nosso COO, António Santos, era militar também. Foi meu militar no último ano e meio, apesar de eu o conhecer desde que entrei na Unidade de Intervenção. Ele é militar de transmissões, a Secção de Transmissões que é chefiada pela Companhia de Comando e Serviços. Na minha entrada para a Unidade, eu fui comandar um pelotão de ordem pública, de 2013 a 2018. Em 2018 saí devido à minha promoção a capitão, e voltei à Academia para dar aulas. Regressei à GNR, estive seis meses no Centro de Informações, e depois fui obrigado, digamos assim, a exercer o tempo, e escolhi a Unidade, e o António continuava lá nas suas funções. Estando eu como comandante de Companhia, comecei a interagir com ele muito mais regularmente, gostos muito semelhantes, formas de pensar muito semelhantes, acho que nos complementamos bastante bem. Eu sou mais reservado, sou mais calmo e analítico, e ele é extramente afável, portanto, sei que nunca fico mal em lado nenhum, tenho sempre alguém para quebrar o gelo, e que me ajuda muito porque uma das minhas lacunas é essa. Ele também gostou do projeto, começamos no quartel a engendrar os primeiros desenhos, mas à medida que a ideia foi maturando, encontramos um espaço, o nosso espaço, na Damaia, muito próximo da Cova da Moura, de onde o António é, e acho que, nesta fase, estas quatro peças são muito complementares. Ainda estamos muito focados no produto propriamente dito, já temos avanços interessantes com potenciais clientes, mas ainda não temos infraestrutura, propriamente dita, para escalar. Nesta fase, o nosso principal foco é pôr o produto na rua, e à medida que a necessidade surja, começarmos a aumentar o tamanho da empresa.
“O objetivo é chegar a meio milhão de euros de investimento’”
De onde vem o vosso nome?
O nome surgiu-me durante uma corrida, e era algo que estava à procura. Inicialmente tínhamos um nome vocacionado para a nossa história, Vento Luso, mas queríamos transmitir, logo à partida, que estávamos abertos ao mundo, e queríamos um nome que fosse compreensível, não só pelos portugueses, mas também a nível Internacional. Surgiu, então, a conjugação das palavras Wind, do vento, e a palavra incrível, que também é o nosso propósito, que este equipamento seja realmente diferente do que existe no mercado e que traga benefícios.
Qual é a principal motivação para a criação da Windcredible?
Eu acho que há muita gente que se queixa e poucos que fazem. Nós estávamos a passar na altura do Covid, e a ser impactados com este trauma climático, em que a nossa existência está a ser posta em causa, e a resposta a não aparecer. E a Mafalda estava a sentir muito isso. E eu também. A questão é: podemos confrontar-nos com a situação e continuar? Podemos fazer algumas mudanças ao nosso nível, e que elas efetivamente, à nossa escala, são muito pequeninas, mas se toda a gente o fizer, à escala vai trazer ganhos consideráveis, ou então aquilo que eu pensei foi criar algo que não existe. Não é uma silver bullet, não é a única solução, mas é uma das componentes da solução, e isso foi muito motivador, porque estar parado e ver tudo isto a acontecer causa muita ansiedade, portanto, eu assim sinto-me útil. Sei que estou a desenvolver algo que tem um potencial muito grande, e que também me ajuda. Acho que é algo que é preciso, que não existe, portanto é só unirmos estas duas lacunas e teremos sucesso.
E como é que surgiu a vossa ligação à UPTEC?
Foi através do ClimateLaunchpad. Foi a primeira vez que nós pusemos a ideia no papel, aliás, até achei muita piada, no concurso dizia lá mesmo “nem que a ideia esteja num guardanapo, ponham-na cá fora”, ainda para mais num concurso, acho que é um motivador excelente para te obrigar a desenvolver. Dão-te metas, objetivos, muita formação, também, e a coisa evoluiu a partir daí. Conhecemos a UPTEC como host do ClimateLaunchPad, a equipa que esteve mais ligada connosco foi o Raphael Stanzani e a Francisca Eiriz. Sagramo-nos vencedores nacionais, ficamos nos três primeiros, depois fomos à final europeia, onde alcançamos o wild-card, por sermos uma das equipas com melhor prestação, e fomos à semifinal global e foi aí que ficamos. Um dos prémios para as equipas vencedoras é um período de incubação, digamos assim, a porta da entrada. Através da UPTEC, também concorremos ao Portugal Ventures, com quem já fechamos negócio, e estamos a ser investidos por eles. A participação do BornFromKnowledge (BfK) da Agência Nacional de Inovação (ANI) foi uma oportunidade excelente para trabalhamos sobre a nossa ideia, termos incentivos para isso, portanto a relação com a UPTEC está a ser muito forte.
Fala-me da vossa participação no Web Summit. Foi um passo importante no vosso caminho?
No ano passado tivemos a possibilidade de participar no Road To Web Summit, foi uma oportunidade excelente, que nos permitiu ter acesso à feira do Web Summit, e foi graças a uma preparação e trabalho de casa feitos com antecedência, de forma a rentabilizarmos essa oportunidade. Foram três dias muito intensos, então quando tivermos a barraquinha, no último dia, foi das oito da manhã às sete da tarde, uma coisa assim, sem parar para almoçar (risos). Correu muito bem, muita gente interessada na nossa tecnologia, gostaram de nós, e também tivemos o prémio de melhor prestação na Web Summit. Quem tiver a possibilidade de participar, devem fazê-lo, porque realmente é uma escola muito boa, aquilo que aprendemos lá é transversal a outros eventos, e este ano queremos voltar. As coisas estão encaminhadas para isso.
Nos últimos meses têm ganho e participado numa série de programas: TechStars, InnovationEDP, PrioJumpStart, Clean Future, BluAct, Triggers
Foi um resultado da nossa estratégia inicial. Não tendo o produto, ou tendo uma capacidade de executar o produto relativamente limitado, que é bastante exigente a nível de capital, fomos avançando naquilo que nós conseguiríamos avançar, ou seja, não só a parte da procura de clientes, como também a parte de investidores. À procura de clientes para validar a nossa ideia e validar o interesse na empresa e no produto, e depois investidores para viabilizarem uns protótipos iniciais para, a partir daí, poderia alavancar, também com os clientes, o produto. Na minha perspetiva, eu procurei oportunidades no ecossistema, e candidatamo-nos a várias iniciativas. Os principais critérios eram estarem ligados à área da sustentabilidade, as potenciais parcerias serem com clientes ligados à nossa atividade, e depois a componente de aconselhamento, mentoria e investimento.
Consegues destacar algum?
Eu destaco o programa da TechStars, porque realmente tem uma componente de investimento que viabilizou o trabalho a tempo inteiro dos fundadores e dos protótipos iniciais, e também nos deu acesso a uma rede de mentores bastante variada, diferente e complementar, e que realmente tem pessoas de valor e que ainda hoje nos acompanha. Os restantes programas foram todos muito interessantes. Consumiu-nos muito, muito tempo, e o tempo tem de vir de algum lado, mas acabou, penso eu, por colher os frutos, e à medida que tivermos o produto, vamos materializar ou fechar todos os negócios que começaram e que estão em aberto, digamos assim
Tens alguma ideia de quanto investimento já angariaram?
A nível de investimento fechado, temos o da Techstars, que está a financiar as nossas atividades, e temos mais dois financiamentos em linha, estamos a fechar os pormenores, digamos assim. No total, são 300,000€ de dívida convertível, e a expectativa é, no início do próximo ano, a segunda tranche deste valor da nossa pre-seed. O objetivo é chegar a meio milhão de euros de investimento. Ao longo desta caminhada, acreditamos que o produto vai evoluir, garantidamente. Queremos ter uma turbina em cada telhado, portanto, a nossa fasquia está elevada, mas nós temos de começar por algum lado.
Qual é que foi a principal conquista até agora da Windcredible?
O investimento da TechStars. É um fator também muito crucial no desenvolvimento da empresa, portanto, viabilizou termos os sócios a tempo inteiro, e é só a partir daí que as coisas realmente aceleram. O investimento inicial permitiu-nos fazer não só com que este protótipo possa avançar, como também ter uma previsão de quando vai estar a operar, e depois o networking. Semanalmente temos conversas com potenciais investidores, o que é bastante satisfatório, saber que há interesse e que este acesso a investidores permite uma melhor gestão do risco.
E algum momento menos positivo?
Eu acho que o momento menos positivo foi a altura em que estava a acumular, a fazer os dois trabalhos. Tinha o meu trabalho como capitão da GNR e depois tinha o meu trabalho na Windcredible. São dois trabalhos a tempo inteiro. Nessa altura, foi quando estava a acusar mais pressão e andava bastante sobrecarregado. O investimento da TechStars permitiu por um travão num dos trabalhos, e isso, mesmo para a nível pessoal, faz muita diferença. A vida não pode ser só trabalho, e temos uma família para cuidar, portanto, também temos de fazer um bom balanço disso.
Enquanto CEO, qual é que é o melhor e o pior de ter essa essa responsabilidade?
O melhor garantidamente que é termos uma visão e, passo a passo, ela acontecer. Construir coisas é natural do ser humano, construir coisas dá prazer, ver obra feita. Eu acho que isso que mais compensa, vermos a nossa ideia ir para o computador, sair do computador, e ir para o mundo real, acho que isso é fantástico. A pior parte é a responsabilidade. A nível de gestão de pessoas, nunca foi um problema para mim, sempre tive a meu cargo equipa, e a viabilidade dos ordenados nunca foi minha preocupação, pois sabia, à partida, que o ordenado estava garantido. Agora com este salto, as coisas mudam de um bocadinho paradigma, e aquilo que eu agora faço tem implicações diretas, não só na minha pessoa, mas também na dos fundadores e nas suas famílias, e nos colaboradores que possam vir. A minha principal preocupação é essa, garantir que isto é viável, que tem futuro, e que a sustentabilidade da empresa, e das pessoas que trabalham nela, está garantida.
Próximos passos para a Windcredible? Continuar a aposta cá em Portugal ou pensar no estrangeiro?
A breve trecho, a preocupação vai ser o produto, portanto, a instalação dos nossos primeiros protótipos. Estamos a apontar para dez protótipos, dez pilotos com empresas em Portugal, algumas portuguesas, outras internacionais, mas pelo menos termos dez produtos a produzir, para nós conseguirmos aferir a eficiência, as vibrações, o ruído que possam produzir, e iniciarmos a recolha de dados. Primeiro passo é a instalação desses equipamentos, estudar a sua operação durante seis meses a um ano, continuar o desenvolvimento do produto a nível das turbinas, iniciar o desenvolvimento de outros componentes, e durante o próximo ano termos já alguma capacidade de produção interna de um dos modelos, provavelmente, vamos começar pelo mais pequeno, começar a produzir nós, também aprendemos o método de produção, enquanto continuamos, e vamos continuar, a recorrer a um fornecedor. A longo prazo, chegarmos ao mercado com um produto finalizado até 2025, e aí termos capacidade de produção mais próxima do industrial, ou seja, com uma produção de um número considerável de turbinas por ano, que é o objetivo, é termos até final de 2025, um megawatt de capacidade instalada. É bastante ambicioso, à nossa escala, se compararmos com uma escala dos leilões que estão a acontecer, que vão até 3,1 gigawatts, portanto é ordem de grandeza diferente.
Seja no papel de filho, de neto, de marido, de militar, de aluno, ou de desportista, a vida do Filipe Fernandes sempre teve várias camadas, mas é a três dimensões que ele mais se gosta de expressar. O hobbie da impressão 3D ocupa os tempos livres do nosso entrevistado, e o empenho que coloca nesta arte está à vista de todos.
Acho que a componente do vento sempre esteve muito ligada a mim
Onde e como é que foram os teus primeiros anos?
Nascido e criado na Póvoa de Varzim. Sempre estive muito ligado ao mar. Quando era mais novo, fiz vela e natação, portanto, eu acho que a componente do vento sempre esteve muito ligada a mim, porque a Povoa é muito ventosa, e haveria de ter uma ideia ligada a isso. Infância passada cá, a adolescência também, dividida entre aqui e Vila do Conde. Pratiquei muitos desportos desde basquetebol, vela, golfe, MMA (Artes Marciais Mistas). Sempre gostei de fazer perguntas, sempre gostei de aprender, acho que é das coisas que realmente me faz ser quem sou, e que me dá pica, quando estou a aprender, e quando estou a fazer coisas novas. Depois do secundário, em 2008, fiz-me homem, fiz as malas, e rumei até Lisboa, até à Amadora em particular, e entrei na Academia Militar. Na altura também tinha concorrido à Universidade Nova de Lisboa, entrei em Engenharia Biomédica. Recebi essa notícia quando já estava na Academia, e deixei-me ficar pela vontade que tinha em ter uma carreira militar.
Como era o Filipe enquanto aluno? É o mesmo enquanto empreendedor e profissional?
A Academia correu-me bastante bem, no primeiro ano, a nível de qualificações, fui o segundo melhor classificado, e terminei os cinco anos de curso em quarto lugar. As coisas que eu gosto realmente, eu aplico-me bastante, e as que não gosto, por norma não correm bem (risos). A minha sorte é que, no curso onde estava, gostava de praticamente tudo, então estava bastante motivado, e também sinto isso agora. Muitos desafios, muita aprendizagem. As qualificações que nos vão passando e desenvolvendo na vida militar transferem-se, com alguma facilidade, para o mundo civil e empresarial. Gestão de equipas, falar em público, decisões rápidas e acertadas, gestão do stress, são coisas que, naturalmente, foram desenvolvidas.
Quando é que sentiste que tinhas estas potencialidades para a inovação e para ser inovador?
Desde pequeno (risos). Sempre gostei de inventar, de desenhar, ter um caderninho, fazer umas brincadeiras. Acho que os Legos e os kits que tínhamos, estimulei muito essas áreas. Acho muito interessante fazer os testes psicotécnicos. Não são sempre certos, mas deram algumas ideias daquilo que eu tinha mais capacidades, e é isso que eu estou a tentar explorar. Uma delas foi a capacidade, da gestão do Espaço Virtual, do 3D, da tridimensionalidade, e da lógica. Ter começado em pequeno ajudou muito, e agora sinto que atingi um nível de maturidade, de experiência, de saber aquilo que valho também, o que posso fazer, e que me fez mudar o rumo. A vida militar tem muitos desafios, é muito exigente, muito recompensadora. O espírito de camaradagem que se vive, e que se desenvolve, é muito grande, mas a componente de inovação, por vezes, ficava um bocadinho aquém. Fazia-me muita confusão eu perguntar o porquê de alguma coisa ser de uma forma, e alguém dizer “Sempre se fez assim” e isso mexia comigo. Eu tentava mudar e havia alguma resistência, e as coisas acabavam por se enquadrarem, mas há uma resistência natural à mudança. Acho que uma empresa, uma startup, é diametralmente o oposto, e isso também é muito saudável. O objetivo também é crescer, pessoalmente, ganhar novas experiências, tudo aponta para correr bem, mas pronto, há sempre esse risco de correr mal, mas a esta altura da maturidade, uma pessoa pensa “ainda não tenho filhos, as coisas estão a correr bem, eu acho que tenho dedos para tocar esta guitarra, vamos a isso”.
E a GNR era algo que sempre quiseste?
Desde pequenino que gostava muito da componente militar, as armas, a farda. Fui muito feliz a jogar airsoft, portanto, sempre tive essa ligação, apesar de não ter militares na família, sempre vi a carreira militar como uma possibilidade, e ainda bem que a escolhi. Antigamente a tropa era obrigatória, deixou de o ser, e algumas das coisas que eu senti em mim, e que vi, noutras pessoas, a desenvolver-se, se calhar fazem muita falta na sociedade. Se o ideal é que toda a gente tenha uma formação militar, acredito que não seja. Se é o melhor sistema, acredito também que não o seja, o que se deveria era arranjar mecanismos para que, aquilo que era transmitido, não deixasse de o ser porque estas ferramentas fazem falta a todas as pessoas.
Estiveste na GNR quanto tempo?
Desde 2008, 15 anos.
Divorcio-me da GNR e caso com a Mafalda
Não devem ser muitos empreendedores que partilham esta vida dupla.
Depende um bocadinho das funções, há carreiras que permitem uma vida mais fixa. Dependendo do sítio onde nós estamos, do nosso posto, do nível da patente, há responsabilidades, há horários diferentes, e isso pode inviabilizar a parte do empreendedorismo. Há pessoas que conseguem conciliar, para os oficiais é bastante complicado, não é normal, e também se calhar, foi por isso que me negaram a acumulação de funções. Neste caso, eu teria de completar 10 anos após terminar a Academia, faltam-me cerca de seis meses, e não podendo acumular, tinha de me desvincular na empresa, portanto, o passo foi, neste caso, privilegiar a empresa em detrimento da GNR, e pedi o abate aos quadros, e a partir deste mês de agosto, entreguei a crachá, e a partir de agora, estou dedicado a 100% à Windcredible. Acho que é um grande peso que me sai das costas, mesmo a nível pessoal, sei exatamente o que é que vai ser para daqui para a frente, pelo menos nos próximos dois anos, e também me deixa mais descansado.
Uma decisão difícil, acredito.
Não foi uma decisão tomada de ânimo leve, garantidamente. Há muita coisa em cima da balança. O principal é sempre a segurança, é a previsibilidade. Quem trabalha na administração pública, sabe que, à partida, se for profissional, a expectativa de ter emprego mantém-se. Quando damos o salto, e abrimos a empresa, só depende de nós, e depois depende de muita coisa, incentivos de apoio, financiamento, portanto, acho que o risco é o principal fator que difere nos dois mundos. Por norma a recompensa está associada ao risco. À partida sei a perspetiva de progressão na carreira, caso se tivesse continuado na GNR, mas não sei onde é que chegarei na empresa, mas, em potência, são consideravelmente diferentes.
É com essa crença que tu tomaste essa decisão.
Também foi um fator. Agora que temos investimento, temos responsabilidades para com os acionistas e com os investidores. Esta situação de estar mais seis meses fora da empresa a full-time, iria ter claramente consequências para a empresa, e acredito que ia atrasar ainda mais o desenvolvimento da empresa, e eu acho, nesta tem altura, tem é de acelerar (risos), portanto era bastante contraproducente a minha continuidade na GNR. Neste momento, ao sair do quadro, e ao não completar os seis meses, teria possibilidade de ter uma licença ilimitada para poder tomar a decisão que tomei. Iria adiar a decisão, mas também teria uma rede de segurança, para caso a coisa não corra bem, não estar completamente perdido.
O mês de agosto foi de grandes mudanças, um adeus a uma parte da tua vida e um olá a outra.
É verdade, divorcio-me da GNR e caso com a Mafalda, tudo no espaço de dois dias (risos). É um passo muito importante, também foi muito pensado, mas acredito que encontrei a pessoa certa. Já deu muitas provas, e acredito que, sem ela, eu não estaria onde estou hoje, garantidamente. Acho que é uma das formas, também, de reconhecer isso, e o que me motivou foi exatamente isso. Achar que nos complementamos, e não queria perder isso. Foram vários fatores, ela sempre me apoiou em todas as decisões, e é um dos principais fatores de motivação para a mudança.
Ter descoberto este hobbie também foi um passo para conseguir estar onde estou
E nos tempos livres o que gostas de fazer?
Sempre tive o hábito de treinar, gosto de correr e ginásio, fazia-o todos os dias na GNR. Agora consideravelmente menos, mas espero conseguir manter alguns dos hábitos e rotinas mais saudáveis. Nesta fase, não estou a conseguir conciliar tudo. Eu gosto principalmente de aprender. Nos tempos livres, gosto de aprender, costumo ler, continuei a formação, depois da Academia fiz um mestrado em Segurança de Informação e Direito no Ciberespaço, uma Pós-graduação em Gestão do Produto Digital, portanto, aprender garantidamente é uma hobbie. Descobri, há cerca de dois anos, o gosto pela impressão 3D. É um hobbie que chegou um bocadinho mais tarde, mas acho que é uma ferramenta que está a mudar o mundo e vai mudar ainda mais. É incrível nós pensarmos num objeto, desenharmos um objeto, criarmos a sua estrutura, tudo em três dimensões, e passado uma hora, seis horas, ou um dia, aquele objeto aparecerá feito à tua frente. Podes fazer desenhos com complexidade extrema, não interessa, o modelo sai. E acho que também foi um grande desbloqueador da Windcredible. O disco em cima e em baixo é impresso, mas as próprias pás também são impressas, e depois foram cobertas com fibra de carbono. Ter descoberto este hobbie também foi um passo para conseguir estar onde estou. Há coisas tão giras que se conseguem fazer, desde reprodução de um objeto, a digitalização do mesmo, e depois imprimi-lo, miniaturas, portanto, é acho que é mesmo muito giro trabalhar com uma impressora 3D.
E como é que surgiu isso?
Foi com um amigo, portanto, sempre ouvi falar muito das impressoras 3D. A limitação é a tua imaginação, a capacidade de desenhar, os materiais, a impressora, mas desbloqueia muita coisa.
E o que costumas imprimir?
Profissionalmente, modelos e partes de protótipos. Não só as pás, mas também as ligações, estudar bem a melhor forma de as encaixar, é muito utilizado para prototipagem. Nos meus tempos livres, coisas para casa, para amigos, coisas funcionais, coisas mais de decoração. Imprimi, por exemplo, as lembranças para o nosso casamento, portanto, é um bocadinho o que nós quisermos.
Já pensaste fazer negócio com isso?
Já me passou pela cabeça e ainda vendi algumas coisas, mas nunca foi com essa perspetiva, até porque também aquilo que estou a produzir é um hobbie, não é a nível profissional. Se quiser vender alguma coisa, também convém ter qualidade e eu sei que ainda não cheguei lá. E depois porque também me faltam algumas ferramentas, por exemplo, a parte da pintura, acho que é fundamental se quisesse vender alguma coisam. Não tive mesmo tempo nem paciência para aprender, portanto… Gosto de aprender, mas não é possível aprender tudo também (risos). É preciso escolher algumas coisas… Mas aceito encomendas, se quiseres encomendar alguma coisa, acho que se consegue (risos).
Estes momentos são importantes para ti, tendo em conta uma vida tão atarefada?
Sem dúvida, normalmente tenho esses momentos mais meditativos enquanto corro, acho que é uma boa maneira de pôr as ideias andar para a frente e para trás. Acho que tenho um defeito, que é desligar pouco. Uma pessoa fecha os olhos, mas os problemas estão lá, e o cérebro está a trabalhar e a maquinar, e a pensar em coisas, e isso também tem o seu desgaste, tem as suas implicações. Quando estava com os dois trabalhos, então era isso a dobrar, então era mesmo mais complicado. Durante a corrida, durante a natação, no ginásio, é o momento ideal para pensar nas coisas, mas não em stress, é uma resposta diferente ao processo.
Na tua vida pessoal, acreditas que o casamento será o ponto mais positivo até agora na tua vida?
Será um ponto muito positivo, mas acredito que não vai mudar muita coisa. Já estamos juntos há vários anos, tivemos o período de Covid todo juntos, acho que cada ano de Covid dá para aí uns dez anos de um casamento tradicional, portanto acho que já vamos quase para as bodas de prata (risos). Acho que não vai mudar muita coisa.
Quem foi a pessoa que te marcou mais até agora?
Acho que os meus pais. Empenharam-se muito em educar-me a mim e ao meu irmão. Acho que o conseguiram, transmitiram muitos valores que, atualmente, fazem a diferença, e reconheço que aquilo que eles me deram à data, há 30 anos, ainda está atualizado. Sinto que tive muito apoio quando era mais novo e sei que isso teve implicações futuras. Foram as pessoas que sempre me apoiaram. A ida para a Academia foi uma surpresa para eles, e agora esta escolha em prol do empreendedorismo foi-lhes mais difícil de perceber. Eu percebo que só tenham o meu bem em vista, mas tiveram algumas dúvidas, é normal. Deram muitos conselhos, para ponderar, para ir mais devagar, essa preocupação mantém-se, mas foram, sem dúvida, as pessoas que mais me impactaram.
O que é que é mais indispensável para ti na vida?
Mais indispensável é ser feliz e estar bem com nós mesmos. É uma das coisas que eu mais gosto é ter tempo. Ter tempo para não fazer nada, acho que é das coisas que cada vez temos menos, mas é das coisas que sabem melhor.
E onde é que te vês daqui a cinco anos?
Daqui a cinco anos vejo-me na Windcredible, possivelmente num outro país, ou pelo menos com relações e com um produto internacionalizado, mas espero já estar numa velocidade-cruzeiro. Espero daqui a cinco anos já estar com a fábrica montada, com capacidade de produção, muitas vendas, e cada vez mais a empresa a crescer.
E como é que vês o mundo daqui a cinco anos?
O mundo daqui a cinco anos é difícil de prever. Ninguém previa que houvesse uma guerra na Europa e ela aconteceu. Há aqui vários fatores que estão a entrar em sintonia, e que não são muito positivos, desde a subida da inflação, a crise das alterações climáticas, onde passamos de ter eventos que aconteciam uma vez num século para ter eventos que acontecem todos os anos. Isto a curto prazo, não sei que implicações vai ter, mas sinto que em cinco anos, vamos ver ainda mais fogos, ainda mais secas, ainda mais fome. Acho que é um problema que se vai agudizar muito nos próximos anos, e é difícil dar soluções para isto tudo. Não pode ser só o Estado, não podem ser só as empresas, há soluções que tem de vir da sociedade. Para mim não são muito boas as perspetivas a nível mundial, mas temos de continuar a viver a nossa vida e lutar por aquilo que temos e queremos.
Quando era puto gostava de dizer que queria ter uma fábrica
Qual é a tua maior virtude e o teu maior defeito?
A nível de virtude, acho que é a capacidade de ver ao longe. Há uma ferramenta muito gira, a nível militar, que é um planeamento inverso, em que decidimos um objetivo, e depois planeamos como o atingir. Eu acho que isso permite visualizar um percurso e o que é que nós temos de fazer para chegar a esse objetivo, e essa capacidade de unir os dois pontos, acho que é a minha principal apetência. Perceber tendências, analisar bem os princípios base de um problema, para depois chegar a uma possível solução. A nível dos principais defeitos, eu acho que é querer pensar em muita coisa ao mesmo tempo, e claramente depois, algumas coisas ficam para trás. Eu digo que sou um bocadinho monotarefa. Não sei se jogaste Sims, é uma tarefa de cada vez no jogo, porque senão a coisa dá barraca e algumas coisas perdem-se (risos).
Tens alguma palavra preferida?
Talvez saudade, acho que é que a palavra preferida. É uma palavra portuguesa, que às vezes tem dificuldade de ser traduzida internacionalmente e, portanto, é algo um bocadinho próprio, e acho que é um sentimento que nós ainda temos esse sentimento a nível nacional. Se emigrarmos, esperamos toda a vida para voltar para casa. Se temos saudades da família, é uma coisa bonita e a saudade é uma coisa que é mais bonita quando acaba, quando deixamos de ter saudade da pessoa, quando a encontramos, por norma, são sempre momentos bons.
Alguma data que seja gravada na tua memória de forma especial?
O meu casamento, a defesa das duas teses, a entrada para a Academia, foram grandes mudanças na minha vida.
Para finalizar, diz-me três coisas que gostarias de fazer na tua vida.
Eu gostava muito de voar. Um dia em que os jetpacks estivessem mesmo aí a funcionar a sério, gostava de experimentar. Já saltei de avião, já fiz paraquedismo, tanto a nível militar como civil, mas não é a mesma coisa que ter a liberdade de se sentir como um pássaro. E o mesmo para o mar, acho que a entrada no mar é uma experiência muito diferente. Gostava de ter uma maior capacidade para mergulhar e explorar o mar. A terceira coisa era criar a minha própria empresa. Quando eu era puto, gostava de dizer que queria ter uma fábrica. O meu avô marcou-nos muito. As histórias que nós ouvimos do meu avô, de toda a gente da Póvoa, eram incríveis. Ainda hoje cumprimentam a minha mãe por ser filha do José Reina, e aprendi com ele a potencialidade de ser o patrão, de ter o seu próprio negócio. Ele tinha quatro filhos, e três deles tinham um curso superior, estamos a falar de há 50 anos, portanto percebe-se que quem tem a capacidade de fazer negócio, tem a capacidade para dar aos seus mais do que ele conseguiu. Acho que é uma excelente alavanca do elevador social e acho que tirei um bocadinho disso, à minha maneira. Na altura só se lavava a roupa à mão e ter uma lavandaria acabou por ser algo de inovador. Uma fábrica para as turbinas é um bocadinho diferente, mas o princípio está lá. O meu avô foi uma excelente referência.