Liliana Ferreira|| Diretora
Fraunhofer Portugal AICOS|| 2 unidades de investigação (Porto e Lisboa) ||+100 pessoas
Qual o motivo que fez a Fraunhofer instalar um centro em Portugal?
A decisão de instalar um centro da Fraunhofer em Portugal, nomeadamente o AICOS, em 2009, foi impulsionada por uma visão estratégica que reconhecia o potencial do país na ciência e tecnologia. Na altura, Portugal vivia um momento de transformação, com uma crescente aposta na ciência e na inovação, refletindo o desejo de abrir novos horizontes de oportunidades. Este desejo traduziu-se no reforço da internacionalização e num aumento da participação de Portugal em redes colaborativas de Investigação e Desenvolvimento (I&D) a nível global.
Outros fatores que contribuíram para esta decisão incluem a qualidade do ensino superior no país, que assegura o acesso a talento altamente qualificado, e a existência de um ambiente favorável à inovação, com uma forte sinergia entre os setores tecnológicos e científicos. A proximidade com universidades de excelência, como a Universidade do Porto, foi também fundamental para garantir uma ligação direta entre a investigação académica e o desenvolvimento de soluções aplicáveis à indústria. Portugal apresentava-se, de facto, como um ecossistema ideal para a instalação de um centro Fraunhofer, com todas as condições para promover a inovação e o conhecimento.
A Fraunhofer já está em Portugal há 15 anos. Quais os principais marcos durante este percurso?
Desde a fundação do AICOS, em 2009, percorremos um caminho marcado por ambição, transformação e evolução. Colaboramos, desde os primeiros dias, com a academia e a indústria para o desenvolvimento de soluções que respondem às necessidades de uma população em envelhecimento, da evolução demográfica que vivemos, especialmente no contexto Europeu. Hoje, o nosso portefólio inclui competências, tecnologias e inovações com elevado impacto em áreas chave, como a saúde digital e a indústria digital.
Entre os marcos mais relevantes, destacaria o desenvolvimento pioneiro de tecnologias de apoio ao envelhecimento ativo, posteriormente adaptados para responder a necessidades em áreas chave na indústria, com projetos de referência que começaram por posicionar o AICOS na área da saúde digital. A criação e apoio à comercialização de soluções inovadoras, como os algoritmos de deteção de quedas, é um excelente exemplo do impacto alcançado. Estes algoritmos, inicialmente concebidos para apoiar a vida independente de pessoas com menor autonomia ou maior risco de queda, evoluíram ao longo dos anos, destacando-se pela sua transformação e aplicação em novos contextos. Em 2015, a Gociety Solutions, uma empresa holandesa dedicada à promoção de estilos de vida saudáveis, integrou a tecnologia de deteção de quedas do AICOS nos seus produtos. Em 2020, esta tecnologia foi expandida para novas áreas de aplicação, nomeadamente a indústria digital através da proteção de trabalhadores desacompanhados, permitindo um maior nível de segurança nas suas rotinas diárias. O sucesso desta tecnologia, agora utilizada por 1.200 trabalhadores através dos produtos comercializados pela empresa francesa Neovigie, ilustra a capacidade da equipa do AICOS de se adaptar e evoluir as suas soluções para novos mercados e necessidades.
Diria, por isso, que o percurso do AICOS é, acima de tudo, marcado pela evolução das competências da sua equipa, pela capacidade de aprendizagem e colaboração, com academia, com a indústria e o setor público, pela capacidade de questionar e procurar diferentes visões, oportunidades e necessidades, pela capacidade de envolver os diversos atores, disciplinas e perspetivas necessárias ao desenvolvimento de tecnologias com impacto positivo e perdurável.
Que projetos colaborativos, com a Universidade ou a Indústria, tem a Fraunhofer em curso?
Atualmente, temos em curso no AICOS diversos projetos, todos desenvolvidos em parceria e colaboração. Alguns estão relacionados com o desenvolvimento de soluções de saúde digital, incluindo a criação de tecnologias para monitorização e apoio ao diagnóstico precoce de condições clínicas. Outros promovem colaborações no campo da inteligência artificial, aplicada tanto a ambientes de cuidados de saúde como à indústria. Além disso, temos projetos que adotam abordagens orientadas para o futuro, procurando compreender como os avanços em inteligência artificial, machine learning, dispositivos ligados, e análise de dados podem moldar diferentes setores e influenciar o nosso quotidiano.
Entre os vários projetos de referência, deixo a ligação para três projetos chave a decorrer que envolvem tanto a indústria como a Universidade do Porto: o AISym4Med, o Center for Responsible AI, e o Signo. Embora já terminado, destacaria o projeto OPERATOR, uma vez que ilustra particularmente bem a visão multidisciplinar do AICOS, permitindo colocar em prática as suas competências nas áreas de Design Centrado no Utilizador, de Inteligência Artificial e dos sistemas Ciber-físicos no desenvolvimento de ferramentas que asseguram o bem-estar, físico e mental, do trabalhador da indústria. Lançado em 2020, o OPERATOR resulta de uma parceria entre várias instituições, como o AICOS, a Zenithwings, a NST Apparel, a Volkswagen Autoeuropa, a Faculdade para a Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT Nova), a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), a Universidade do Minho (UM), o Instituto de Engenharia Médica e Ciência (IMES) e a Controlconsul. O projeto parte de um acompanhamento próximo e direto aos profissionais, através do estudo das suas necessidades e observação de elementos como a posição ergonómica, a intensidade, o desconforto, o tempo de trabalho e o ambiente do local (como a temperatura). Deste estudo e acompanhamento, é desenhada e desenvolvida tecnologia que permite evitar lesões ou acidentes de trabalho e contribuir para o aumento do bem-estar, da competitividade e modernização industrial.
Quais os principais desafios para o Fraunhofer Portugal AICOS nos próximos anos?
A constante evolução, o contexto de crescente incerteza nas sociedades traz desafios significativos, que exigem uma capacidade contínua de transformação e criação. As inovações digitais do futuro deverão responder às preocupações societais de forma sustentável, garantindo a participação de todos e promovendo a redução das desigualdades. Uma abordagem humanística é, por isso, um fator chave para o sucesso e impacto positivo do desenvolvimento tecnológico. A continuidade da adoção destas abordagens no processo de criação e desenvolvimento da tecnologia digital é, por isto, uma das prioridades para os próximos anos.
Adicionalmente, continuaremos a abraçar o desafio de criação, desenho e desenvolvimento de tecnologias digitais que respondam às exigências e necessidade crescentes de melhoraria da prestação dos cuidados de saúde (Digital Health); e continuaremos a apoiar e impulsionar os nossos clientes e parceiros na sua transformação digital, incluindo o desenvolvimento conjunto de soluções que permitam otimizar processos industriais, promovendo uma maior eficiência de custos, maior bem-estar dos trabalhadores e, desta forma, maior competitividade (Digital Industry). Ao mesmo tempo, identificámos a necessidade de questionar paradigmas estabelecidos, de nos adaptarmos a novas circunstâncias e de reforçar a nossa massa crítica e visão de futuro, procurando entender como os avanços tecnológicos em inteligência artificial, machine learning, IoT e análise de dados podem moldar os diferentes setores e as nossas vidas no dia-a-dia (Digital Futures).
O mundo atravessa transformações significativas, o que exige uma compreensão profunda do papel da ciência num contexto de crescente incerteza social, política e económica. As indústrias e sociedades estão a operar num ritmo acelerado, e as soluções digitais emergentes, impulsionadas por novas tendências, estão a moldar novas realidades. Para enfrentar esses desafios, será fundamental manter a abordagem interdisciplinar que trazemos a cada projeto e iniciativa, uma que combine inovação tecnológica com uma visão alargada das necessidades sociais e económicas. O fortalecimento das colaborações e das redes de cooperação com universidades, empresas e instituições públicas continua, desta forma, a ser um fator crítico de sucesso, um fator essencial para o futuro do AICOS e Fraunhofer Portugal.
A que é que atribui o sucesso da Fraunhofer Portugal?
O sucesso da Fraunhofer Portugal, e do AICOS em particular, deve-se às pessoas. Deve-se à sua equipa dedicada e estendida, composta por todos aqueles que, ao longo dos anos, no presente ou no passado, decidiram pensar de forma inovadora, que tiveram a ousadia de questionar e criar soluções disruptivas e de excelência. Deve-se à visão estratégica e dedicada que estas pessoas trazem à instituição, à sua capacidade de inovação constante, à cultura de colaboração e partilha de conhecimento que promovem, e à capacidade de trabalhar em estreita colaboração com os parceiros empresariais, académicos, parceiros estes que também fazem e fizeram do AICOS o que é hoje. São estas as pessoas que pensam, criam e evoluem o impacto positivo e duradouro que ambicionamos.
September 20, 2024
