João Botelho da Silva: “Queríamos provar que uma empresa de economia circular consegue funcionar e trazer valor”
João Botelho da Silva: “Queríamos provar que uma empresa de economia circular consegue funcionar e trazer valor”
Montar ou desmontar, eis a questão que fizemos ao João Botelho da Silva, CEO da Recycle Geeks, sobre o que mais gosta de fazer quando tem um aparelho eletrónico em mãos. Perceber como funcionam as coisas fascina-o desde pequeno, quando desmontou o primeiro aspirador com apenas cinco anos. Se o João ficou a saber como era feito o aspirador, tu também vais querer saber como é a vida do empreendedor portuense na edição deste mês do Out of Office.
O que é a Recycle Geeks?
A Recycle Geeks é uma empresa da economia circular que trabalha na área da tecnologia. Recolhemos produtos de tecnologia que pessoas e empresas já não usam, recuperamos o valor que houver a recuperar e voltamos a metê-los no mercado. E o grande objetivo é prolongar o tempo de um produto de tecnologia e o valor que pode trazer para o mercado. Nós sabemos que estes produtos consomem bastantes recursos, são caros, são duradouros e há muitos produtos que, por terem alguma peça partida, acabam por ser descartados. O primeiro grande “R” na parte da reciclagem é o elemento da redução, e nós tentamos atuar nessa parte. Voltar a trazer produtos que tinham algum valor por desbloquear, e nós somos os agentes que vão desbloquear esse valor.
E a ideia surgiu há muito tempo?
A ideia surgiu naturalmente durante a pandemia com vários fatores a contribuir. Primeiro, durante a pandemia houve uma grande procura de computadores, e eu e o meu grande amigo e cofundador, o João Pinto, começamos a receber muitos contactos de familiares e amigos para ajudar a reparar computadores. Ao mesmo tempo, vimos que havia essa oportunidade, havia muita escassez no mercado. As pessoas, mesmo que quisessem comprar um computador novo, às vezes não estava disponível. E, ao mesmo tempo, eu estava a trabalhar num projeto de moda em que estava a potencializar um site que vende produtos novos a também ter um programa de donativos. Eles recolhiam como donativo as peças que as pessoas já não usavam e revendiam para partilhar com entidades de caridade. Ao misturar esses três elementos, nós pensamos: vamos fazer aquilo que eu já estava a implementar nesse site de moda, mas para tecnologia. Nós tínhamos as skills, já tínhamos visto que isso era algo que estava a acontecer, e também tínhamos muitos familiares e amigos que notavam que nós gostávamos de tecnologia e nos entregavam computadores que ou tinham um ecrã partido ou tinham um teclado partido e, por ser importante, essas pessoas deixavam de os usar por causa disso. Nós reparávamos e voltávamos a pôr à disposição das pessoas. Vimos que isso tinha imenso potencial e assim começou a Recycle Geeks, muito também potenciada pelo ClimateLaunchpad, em 2021. Portanto, nós começamos a pensar em fazer isto, havia a oportunidade do concurso e decidimos participar com esta ideia.
E de onde é que veio o vosso nome?
Eu escolhi-o, tive bastante tempo a pensar no nome, queria que fosse algo que automaticamente nos ligasse à área onde trabalhamos, daí os Geeks, portanto muito relacionado com tecnologia, mas que também mostrasse que há aqui uma componente de trabalhar com produtos que, tipicamente, iam para a reciclagem e foi a junção desses Recycle Geeks que acabou por chegar ao nome que temos atualmente. Queria que tivesse um nome que fosse internacional, que permitisse também ter algum tipo de boa disposição com ele. Nós não nos ofendemos nada quando alguém nos chama Geeks, ou Recycle Geeks ou Recycle Nerds (risos). Já fomos chamados de muitos nomes, e todos eles criam sorrisos na cara e achamos que é um nome que funciona bem.
A vossa área de intervenção cinge-se aos computadores?
Começamos com computadores, expandimos para telemóveis, tablets e consolas de videojogos, e para já estamo-nos a manter nisso. Não vamos expandir para eletrodomésticos e por aí fora. Vimos que já há muito trabalho feito com electrodomésticos em RepairCafés com outras entidades. Achamos que os negócios circulares têm uma dificuldade grande de comunicação e de posicionamento. Estarmos restritos à parte da tecnologia, computadores e telemóveis é algo que nos ajuda.
E como é que estes produtos chegam até vós?
Nós fazemos recolhas gratuitas a particulares, instituições de caridade e empresas. Uma das formas que nós temos, por exemplo, de trabalhar com instituições de caridade: temos um programa com as Aldeias Crianças SOS, por exemplo, é, eles fazem a recolha e o apelo ao donativo de produtos informáticos em grupo, agregam esses donativos, e partilham connosco. Muitas vezes o que acontece é que, se nós dermos um computador a uma instituição de caridade, que já tem computadores suficientes para a sua operação, o valor que nós podemos dar à instituição, claro que está naquele produto, mas também está em converter aquele produto em dinheiro, que depois pode ser afeto diretamente às atividades, seja comprar medicamentos, comprar alimentos, comprar o que quer que permita que a missão dessas entidades seja executada. Nós trabalhamos em parceria com instituições de caridade muito nessa lógica, para permitir desbloquear o valor que possam conseguir obter mais facilmente em géneros.
“Temos crescido com o financiamento que vem da nossa operação regular”
E com os particulares?
Com empresas e particulares fazemos uma recolha gratuita, em que a pessoa entrega um computador, escolhe qual é a instituição que quer beneficiar com essa entrega e assim que nós conseguirmos revender esse produto, o valor é automaticamente entregue à instituição. Aliás, um dos pontos de entrega dos equipamentos é aqui na receção da UPTEC Asprela I, e o processo é bem simples: preencher um pequeno formulário e vir cá deixar.
E como tem funcionado essa ligação da Recycle Geeks e os particulares?
Acho que o maior marco foi, sem dúvida, o programa ReBOOT, que dinamizamos em conjunto com a Câmara Municipal do Porto. É um programa cofinanciado pelas EEA Grants, onde tivemos a oportunidade de dar formação a 120 pessoas, que repararam mais de 600 computadores que, agora, vão ser entregues em instituições de caridade. Foi uma oportunidade para dar uma formação mais detalhada em relação ao que é feito, por exemplo, num RepairCafé, onde uma pessoa vem com um produto, precisa de ajuda para o reparar, mas tem uma oportunidade de aprendizagem que está limitada ao problema que tem. Nas sessões do programa ReBOOT, nós demos uma formação mais completa, mostramos que pode haver vários tipos diferentes de problemas, e quais são as soluções. Preparamos um manual que ajuda as pessoas a serem mais autónomas nas reparações que venham a fazer no futuro.
O quão importante foi para a vossa empresa esta associação à CM Porto?
Nós sentimos que a parceria com a Câmara Municipal do Porto para o REBOOT foi ótima. Foi uma forma muito boa de demonstrar que existem alternativas para além da reparação oficial da marca para os computadores que as pessoas têm, existem alternativas para as pessoas repararem o seu próprio computador. Sentimos que este tipo de programas são programas que nos ajudam a alargar muito o impacto, e a explicar o conceito da Recycle Geeks. Temos notado um impacto grande na nossa atividade, termos aberto uma loja foi uma grande conquista, porque tivemos a capacidade de abrir uma loja com o fruto da nossa atividade até agora, e claro que estamos sempre à procura de outras parcerias ou de financiamentos que nos permitam crescer mais rápido, mas também compreendemos que somos ligeiramente diferentes da típica startup de tecnologia, que tem um grande financiamento de Venture Capitals. Aqui achamos que temos de encontrar formas mais criativas de financiar esse crescimento e, até agora, temos crescido com o financiamento que vem da nossa operação regular, e com este tipo de programas em parceria com câmaras municipais.
De que outras formas é que tentam potenciar o impacto da Recycle Geeks?
Temos um canal no YouTube onde vamos partilhando algumas das reparações. Nesses vídeos, abrimos a nossa loja à internet e mostramos como é possível, por exemplo, lavar um teclado que teve um derrame acidental de um líquido, ou como podemos trocar a memória de um computador. Vimos que isso até está a ter bom resultado, e é uma forma de aumentarmos o impacto que temos na comunidade, seja local, seja global.
A vossa equipa como é que está constituída de momento?
Estamos, neste momento, com o João Pinto a full-time, e eu a part-time neste projeto. O projeto tem vindo a crescer e tem vindo a trazer mais capacidade de nos sustentar. Começamos os dois em part-time, e agora ele já está a full-time. A ideia é continuar a crescer e permitir que possamos, não só viver disto a full-time, mas também ter mais impacto, e alargar o projeto para conseguir abarcar mais pessoas.
Como é que surgiu a vossa ligação à UPTEC?
Surgiu quando vencemos a edição 2021 do ClimateLaunchpad, que distingue startups com soluções para reduzir o impacto ambiental. Fomos um dos vencedores nacionais da competição, e um dos prémios era a incubação na UPTEC, que nos ajudou imenso, pois possibilitou a materialização de programas como o ReBOOT, que foi uma forma de entrar em contato com várias entidades privadas e públicas. Além disso, deu-nos imensa visibilidade a nível mediático, tivemos oportunidade de falar com a comunicação social, como a TSF e com outros média, na minha perspetiva, muito graças à UPTEC e ao trabalho que fazem em dinamizar as suas próprias startups. Desde então, têm sido cerca de dois anos e meio, três, em que temos tido uma boa relação e estamos contentes por estar aqui incubados.
“O facto de ainda estarmos aqui, três anos depois de termos começado, é uma conquista por si só”
Quais é que consideras ser as principais conquistas até agora?
Vencer o ClimateLaunchpad foi um enorme boost, foi um enorme encorajamento para crescermos. O segundo diria que foi a participação no programa ReBOOT, mas também tivemos a sorte de ter programas e parcerias com outras entidades, por exemplo a eCycle também nos escolheu para ser parceiro, para fazer formações de reparações, por exemplo na Escola Agrónoma em Coimbra, o que nos abriu imensas portas que penso que tinha sido mais difícil de abrir de outra forma. Temos estado também presentes em diferentes eventos, agora vamos estar no Primavera Sound, no festival que vai acontecer junto ao Parque da Cidade do Porto, neste mês de junho, onde já tivemos no ano passado também. Ter a Recycle Geeks como uma empresa que está próxima das pessoas, que está aberta a esse contacto, sinto que, isso em si, foi uma enorme conquista. Acho que os negócios circulares têm um grande desafio, eles trazem muito valor no geral e trazem muito valor ambiental, mas têm associado algum desafio financeiro e económico, pelo que o facto de ainda estarmos aqui, três anos depois de termos começado, é uma conquista por si só.
E algum momento mais complicado neste vosso percurso?
Acho que todas as empresas passam por momentos em que os fundadores se questionam se ainda faz sentido. Houve momentos em que tivemos mais desafios, por exemplo, tentamos abrir a loja, e abrir a loja foi um grande investimento financeiro, que nos saiu dos bolsos, e que nos fez questionar se fazia mesmo sentido continuar nesta direção, ou não, mas, felizmente não estamos sós, somos dois e temos muitas outras pessoas que nos vão ajudando. Tivemos programas como o programa ReBOOT ou eCycle, a incubação na UPTEC acabam por nos obrigar a continuar (risos). Tudo isso ajuda à perseverança. Não existe nenhum momento catastrófico em que as coisas tenham corrido muito mal, mas sem dúvida que há vários momentos em que, seja porque a nível pessoal estamos mais cansados, ou estamos doentes, ou tivemos algum conflito um com o outro… tivemos esses momentos, mas felizmente foram todos superados.
Estás a part-time na Recycle Geeks. Como é que concilias estas duas vertentes laborais?
Não é fácil, portanto, acabo por não ter só 40 horas de trabalho semanais. Eu e o João Pinto falamos todos os dias, e estamos juntos todos os sábados de manhã. Alinhei com a família que os sábados de manhã são para a Recycle Geeks, e é um investimento que fazemos todos. Felizmente no meu outro trabalho, eu tenho a flexibilidade para ir ajustando os calendários para dar resposta a algumas reuniões da Recycle Geeks. É claro que isto acaba por criar mais carga, por vezes, do lado do João Pinto, e eu também asseguro que vou vendo regularmente com ele, se ele está a ficar muito atolado, sei que isto cria muita pressão naquele que está a tempo inteiro. Às vezes usamos alguma ajuda temporária para, por exemplo, trabalhar nas tarefas que são mais fáceis de passar a outra pessoa, o que também ajuda.
E a conciliação com a vida pessoal?
Tenho uma filha com dois anos e meio, portanto não é fácil. Como te disse, aos sábados de manhã a minha esposa fica com a bebé, e eu fico na loja da Recycle Geeks, e isso significa que também tenho de encontrar momentos em que ela tem o seu tempo, para estar a fazer os programas dela. Sem a ajuda dela ia ser muito mais difícil, ou sem a ajuda da minha mãe e da minha irmã, que por vezes ficam com a bebé. Nós até temos um quadro branco em casa em que vamos alinhando as datas, e o que é que está por fazer (risos). Cria bastante esforço de alinhamento, mas, ao mesmo tempo, asseguramos que temos momentos que nos acabam por compensar o esforço que fazemos em conjunto. Aquilo que me traz felicidade tem de trazer felicidade a ela também, portanto tudo isto é uma conquista e um investimento que fazemos em família.
Entre computadores, móveis, brinquedos, aspiradores, tudo tem uma solução para o João. E se não souber qual é, vai procurar. E se não houver, é a vida, ou o fim dela para estes materiais. Com o foco alinhado em alimentar a economia circular, o CEO da Recycle Geeks deseja aumentar o número de aparelhos que vão parar a novos donos, enquanto continua a alimentar o desejo de consertar coisas, desejo esse que se mistura com o que gosta de fazer nos tempos livres.
Como é que foram os teus primeiros anos de vida?
Eu nasci e cresci no Porto, filho de pais que não eram do Porto, que eram do Norte. Eles estudaram no Porto e eu vivi os meus primeiros anos de vida no centro do Porto, onde estudei e comecei a trabalhar. Estudei Economia, aqui na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, trabalhei cerca de um ano em Portugal, e a certa altura, senti que queria ver outras coisas e acabei por ir de estágio para fora, para a Áustria, em Viena. Esse estágio transformou-se num trabalho a full-time onde passei 5 anos, na sede das Aldeias Crianças SOS. Tive a oportunidade de fazer um mestrado double degree, em que tinha o primeiro ano de mestrado em Viena e o segundo ano em Sydney, onde também estive a estudar e a trabalhar durante um ano, e depois disso, já estava junto com a minha esposa, e na altura como a Austrália era muito longe da família e dos amigos, decidimos voltar para a Europa. Estivemos algum tempo em Itália e depois mudamo-nos novamente para o Porto, porque ela quis (risos). Eu na altura queria continuar fora de Portugal, mas estou super contente de estar no Porto, neste momento, mas na altura a discussão acabou por ser ela a decidir que iríamos voltar para o Porto (risos). Desde então temos estado aqui, estou há cerca de 5 anos no Porto, tivemos uma filha, casamos e tem sido essa a história até agora.
Essa passagem por outros países ajudou-te a potenciar a vertente de empreendedor?
Eu acho que ir para outro país ajuda qualquer pessoa. Não só por aquilo que se vê noutros países, mas também pela questão de cortamos relação com aquilo que conhecemos, ao que somos forçados a viver, fora da nossa área de conforto, e isso ajuda-me a estar mais confortável com o desconhecido. Ser empreendedor é estar confortável com o desconhecido. Vi várias iniciativas e várias oportunidades no estrangeiro onde senti que era mais fácil ser empreendedor no nosso país de origem. Ter estado no estrangeiro faz-me pensar numa lógica e numa escala europeia, não penso só em Portugal. Desde o início da Recycle Geeks que vendemos no Ebay, e outros sites internacionais, vendemos para Portugal, Espanha, França, Itália desde o início, não nos cingimos ao mercado português e isso também nos ajudou a conseguir crescer mais rápido.
Falaste há pouco que estudaste Economia. Como é que foste lá parar?
Na altura eu fui para a Economia porque tinha boas notas a Matemática, gostava de mais coisas para além de Matemática, e a Economia foi aquilo que me pareceu mais interessante na altura. Estou muito contente por ter estudado a Economia, sinto que é um curso muito amplo e que abre muitas portas, e ajudou imenso a fazer tudo o que é Business Cases, planeamento financeiro, planeamento no geral de como é que pode crescer a empresa, e de todas essas discussões que eu vejo outros empreendedores a terem mais desconforto na área de planeamento, de receitas, de estimativas, etc. Portanto, até acho que foi uma coisa que contribuiu muito para eu estar confortável com a abertura da Recycle Geeks, e claro que quando falamos a nível técnico de conhecimento de computadores, isso veio mais dos meus hobbies. Em pequeno montei o meu próprio computador numa caixa de sapatos porque não tinha dinheiro para uma caixa de computador a sério. Claro que os meus pais acharam que era um perigo de incêndio em casa, mas não o foi (risos). A componente técnica dos computadores foi recolhida por experiência de autoaprendizagem, e a componente da lógica de estrutura, de pensar numa lógica de projetos, das contribuições que cada elemento pode trazer à receita ou aos custos, foi na Faculdade de Economia, e acho que isso acabou por me tornar mais completo. Foi um perfil que, potencialmente, teria sido mais difícil de aprender sozinho, e que sei que muitos outros empreendedores acabam por aprender isso à medida que vão empreendendo.
Olhando ainda mais para trás, qual é a primeira memória que tens de uma coisa que tenhas desmontado?
Eu lembro-me de os meus pais terem um aspirador portátil, daqueles de aspirar o carro que eu achei fascinante e decidi abri-lo… no processo, houve uma borracha que se partiu, e que eu não consegui reparar, e a minha mãe não ficou nada satisfeita com esse fenómeno (risos). Tinha cinco anos na altura, e foi interessante ver que a minha mãe ficou muito chateada, não tanto por eu o ter aberto, mas mais por não ter conseguido voltar a montar direito, e isso foi uma daquelas memórias formativas que ficam. Não senti que era um problema eu abrir as coisas, mas sim se eu não conseguisse deixar reparado (risos). Portanto isso acabou por me dar uma carta branca para continuar a abrir coisas, computadores, brinquedos, até os punha no congelador (risos).
No congelador?
Sim, eu fazia várias experiências em casa, que iam da física à química e à engenharia, portanto eu gostava de abrir as coisas para ver formas diferentes de as reparar, tal como tinha dito, mas também tentava, por exemplo, congelar um brinquedo, e ver de que forma é que depois ia conseguir ter em gelo uma miniatura réplica do brinquedo. No fundo, um molde do brinquedo em gelo, não consigo lembrar bem o porquê de o fazer, mas era uma coisa que fazia (risos). Muitas vezes eu fazia a experiência primeiro e só depois é que ia tentar perceber o que podia fazer com aquilo
No fundo querias perceber como é que as coisas funcionavam…
Sim, eu era obcecado por perceber como é que as coisas funcionavam. Um dos vídeos que tem mais visualizações no canal da Recycle Geeks do Youtube é como é que funciona um postal que vinha com o cartão do Revolut, que abria para os dois lados ao mesmo tempo e eu tive de desmanchar aquilo tudo para perceber como é que funcionava (risos). É uma coisa que me dá fascínio, pensar de que forma é que fizeram isto, de que forma é que o engenho funciona, sejam aparelhos, computadores, móveis, e tentamos aplicar essas aprendizagens na empresa, seja a reparar o computador para alguém, ou de que forma é que vamos montar a loja, de que forma é que vamos encontrar uma forma de preparar a pipeline de computadores que chegam, qual é a forma mais eficiente de organizar o nosso trabalho, etc.
Móveis? Também é uma coisa que gostavas de fazer quando eras mais novo ou ainda continuas a fazer?
Encontro muito fascínio em ver como é que se vão construir as diferentes coisas, e por causa disso, quando eu estava a estudar para o mestrado, e não tinha trabalho, fui montar móveis. Queria ganhar dinheiro e entre trabalhar num restaurante, ou trabalhar a montar móveis, montar móveis era um trabalho, na minha perspetiva, muito mais fascinante e foi logo a primeira escolha, adorei. Ainda hoje, quando compro coisas no IKEA, adoro montá-las. Claro que gosto de montar umas mais que outras, mas é mais a componente de encontrar a forma e a estrutura das coisas que me fascina.
O que é mais satisfatório: desmontar ou montar coisas?
Acho que montar, tipicamente, é mais satisfatório, porque desmontar exige muita concentração, muito trabalho mental (risos). Eu gosto de ser muito organizado, então se estiver a desmontar um computador, vou ter ao lado uma folha onde estou a pôr, precisamente, onde é que vão entrar os parafusos, a mesma coisa para os móveis, e quando estou a montar é muito mais agradável (risos). Se abro um aspirador, eu queria saber exatamente de que forma é que é gerado o vácuo. É uma ventoinha? É um pistão? É alimentado por uma bateria? A bateria como é que funciona? A ficha liga diretamente aos fios ou a algum chip? Esse é o tipo de coisas que me interessa, e que eu acabo por estar sempre a pensar, ao detalhe, de que forma é que isto funciona.
Como é que encaixas todas as peças da tua vida e montas aquele que é o teu dia a dia?
É difícil… Os meus dias são longos e curtos ao mesmo tempo. Não tenho muito tempo livre para encontrar coisas diferentes do comum. Normalmente para relaxar, se estiver muito stressado, tento fazer uma coisa totalmente diferente, pôr a roupa a lavar, a cozinhar, organizar a despensa, qualquer coisa. E claro, regularmente relaxo a ver uma série com a minha mulher, ou a jogar jogos com os meus amigos.
Consegues deixar de fora essa vontade de perceber como tudo funciona?
Fora do trabalho sou aquela pessoa que, se um amigo me convidar a trocar a forma como a porta do frigorífico abre, eu vou estar lá (risos). Se tiverem um problema no carro, e precisarem de encontrar uma forma de solucionar que seja mais diferente, eu vou, sem dúvida, ter todo o gosto em encontrar a forma mais interessante de o resolver (risos).
“Quando as pessoas procuram um produto que está a um preço qualidade ótimo, podem falar connosco”
E quando não consegues encontrar a solução?
Pesquiso na internet, vou a fóruns, ou, no limite, aceito que não vou compreender (risos).
Como é que projetas os teus próximos cinco anos? Teus e da Recycle Geeks?
Eu adorava ver a Recycle Geeks a crescer, a ter muito mais impacto, principalmente a nível da quantidade de trabalho que nós temos com produtos que foram doados. Uma coisa que me deixaria satisfeito é poder dizer que Recycle Geeks está a trabalhar com uma tonelada de produtos por mês, que foram reinseridos no mercado, isso era uma coisa que nos ajudaria, que eu sinto que era um contributo direto que nós trazíamos à nossa sociedade. Vai um bocado ao encontro da tua pergunta sobre a componente social estar sempre pensada ou não… um dos grandes objetivos era conseguir provar que uma empresa de economia circular, focada na redução de resíduos, consegue funcionar e consegue trazer valor. Se há cinco anos, quando nós começamos, tivemos muitas pessoas a dizer “isso não vai fazer dinheiro”, “isso não faz sentido”, “vais descartar muita coisa”, “vão trabalhar para aquecer com muitos produtos”, gostava de sentir que temos ainda mais pessoas a acreditar que somos uma referência neste processo, que quando as pessoas têm um produto que já não usam, podem entregar à Recycle Geeks, e que quando as pessoas procuram um produto que está a um preço qualidade ótimo, podem falar connosco.
E achas que o mundo caminha para esse reforço da economia circular?
Sim. Acho que o mundo está cada vez mais impaciente com a falta de ação climática, e é um momento ideal para empresas como a Recycle Geeks, que estão a tentar lutar contra o Greenwashing, se afirmarem. Vejo muitas empresas que vendem tecnologia nova, e todas elas já estão a implementar programas de retomas com muito impacto. Vejo que toda a gente sabe que pode entregar o telemóvel antigo quando compra o novo, sinto que já está a haver essa mudança na mente dos clientes e dos consumidores. Mas podemos ir ainda mais, portanto é para aí que caminhamos.
Qual é que é a tua maior virtude e o teu maior defeito?
Começando pelo defeito, acho que sou extremamente confiante no tempo que vou gastar a fazer as coisas, e muitas vezes atraso-me, ou demoro mais tempo do que aquilo que pensei que ia demorar (risos). Sei que é recorrente ter dificuldade em conseguir estimar bem o tempo que preciso para fazer as coisas, seja o tempo que eu preciso para sair de casa, chegar a horas a um jantar com amigos, ou o tempo que preciso para responder um e-mail, ou para reparar um computador (risos). A nível de qualidades, sinto que consigo manter a calma, e ser bastante diplomático em qualquer situação, mesmo nas situações mais hostis, acabo por conseguir lidar com elas sem escalar ainda mais a situação.
Tens alguma data marcada na tua memória?
Há uma coincidência muito interessante no que toca a datas… No dia 6 de fevereiro de 2022, nasceu a minha filha, e logo no dia seguinte, eu tive a primeira reunião do projeto ReBOOT para começarmos a discutir a parceria e a possibilidade de fazer o maior projeto de formação que a Recycle Geeks já tinha feito. Fiz essa reunião enquanto esperava para poder entrar nas visitas da maternidade, estávamos na fase da pandemia, e nós só tínhamos algumas horas para poder visitar as crianças, e foi muito interessante esse dia porque foi repleto de alegria dos dois lados, tanto a nível pessoal como a nível profissional.
Então dia 6 e dia 7 de fevereiro (risos).
As 24 horas que começaram a partir do nascimento da Sofia (risos).
Para terminar, diz uma coisa que gostarias de fazer no futuro.
Gostava de ver a Recycle Geeks abrir lojas e escritórios num outro país, acho que isso era uma conquista fenomenal. E gostava de pilotar um avião (risos). Não é algo que eu esteja a fazer muito esforço para conseguir, mas gostava mesmo de pilotar um avião, podia ser um pequenino (risos).
29 de maio de 2024