Sandro Vale: “A parte mais gratificante na vida de uma startup é quando tu começas a sentir que aquilo que idealizaste no papel funciona mesmo. Isso é a cena mais viciante para um empreendedor.”

Desta vez, fomos até Esposende conhecer o Sandro Vale, cofundador da Wisecrop, o sistema operativo da agricultura. Nasceu na Suíça, mas com 10 anos quis vir para Portugal sozinho. Estudou Engenharia Eletrotécnica na Faculdade de Engenharia da U. Porto e começou a restaurar carros e motas aos 23 anos, quando comprou o seu Austin Mini Cooper. Trabalhou no catering para ter dinheiro para “derreter em ferro velho” e não consegue viver sem respirar o cheiro da gasolina. Trabalha, não raras vezes, 12 horas por dia e os seguranças da UPTEC conhecem-no por ser sempre dos últimos a sair do escritório.

O que é a Wisecrop, Sandro? O que é que vocês fazem?

Esse é sempre o nosso desafio diário: tentar encurtar a nossa descrição. A Wisecrop, no fundo é a plataforma de gestão agrícola do dia-a-dia. Ajudamos todos os produtores a tomar as melhores decisões. Temos um conjunto de aplicações que resolvem problemas específicos, como por exemplo sobre o clima, fertilização, fitossanidade… E temos também aplicações operacionais, como gestão de mão-de-obra, eficiência, custos. E é por isto que nós somos o sistema operativo da agricultura. Além de criarmos a solução adequada às necessidades do nosso cliente, conseguimos também integrar na nossa plataforma equipamentos que o cliente já tenha. Depois “mastigamos” tudo e traduzimos em informação prática para o produtor – quando, como e onde regar; qual é a fase da planta; quando é que há risco de praga; entre muitas outras informações úteis. Além disso, nós também temos disponíveis serviços de outras empresas na nossa plataforma.

Daí a Wisecrop ser o verdadeiro sistema operativo da agricultura.

Sim, sim. Nós comparamo-nos ao Microsoft Windows, porque se quiseres escrever um texto abres o Word, se quiseres fazer um desenho usas o Paint ou Photoshop. Nós fazemos exatamente o mesmo, mas aplicado à agricultura.

E como é que surge a Wisecrop?

Nós começamos na faculdade. Nós – cofundadores da Wisecrop (Sandro Vale, Tiago Sá, Miguel Rodas e Flávio Ferreira) – conhecemo-nos na Faculdade de Engenharia da U. Porto e começamos a trabalhar todos juntos no último ano do curso, em que tivemos um projeto em tecnologias de comunicações sem fios. Nós temos uma característica em comum, que é uma vontade de criar algo novo – no fundo, o típico ADN de um engenheiro (risos). Na altura, por ignorância, pensámos que ia ser fácil, mas quando começámos a trabalhar é que sentimos as dores. A decisão estava tomada, por isso era seguir para a frente e levar até ao fim. Eu trabalhava em investigação na FEUP, o Tiago estava a dar aulas, o Miguel Rodas e Flávio estavam ainda a terminar o curso e decidimos que tínhamos de largar o nosso trabalho para começar a dedicar tempo a este projeto. Se queres conquistar um investidor tens que tomar essa decisão. Durante este tempo, o que nos ajudou muito foram os concursos a que fomos concorrendo, onde fomos validando a nossa ideia e também tendo algum reconhecimento. Participámos no The Next Big Idea da SIC e vencemos alguns prémios monetários, que começámos a usar para investir no produto. Inicialmente nós tínhamos a tecnologia e pensámos onde é que a poderíamos aplicar e, pelos conhecimentos e raízes que cada um tem, assim como pelo posicionamento de Portugal, decidimos apostar na agricultura. Sentimos aqui uma janela de oportunidade excelente, até pela falta de tecnologia nesta área. Nesta altura, o nosso foco era só dispositivos. Basicamente, era ter acesso a dados remotamente. O primeiro objetivo foi aplicar isto a modelos de pragas e doenças para a vinha, mas com o contacto que tivemos com os produtores, percebemos uns quantos problemas. E nós, com o nosso pensamento de engenheiro pensamos: “Ei, isto é fácil de resolver!”. Começamos a resolver estes problemas e, quando demos por ela, temos este monstro que temos agora (risos).

Resolvendo problema a problema, nasceu a Wisecrop.

Sim, sim. E ainda hoje falamos que temos uma grande dificuldade em largar o desenvolvimento. Há uma fase da startup que tens de fazer o produto e ir para o mercado e vender e, de preferência, vender bem. E nós começámos a fazer isso tarde. Estamos a fazer agora, mas ainda continuamos a desenvolver. Claro que depois nós, fundadores, andamos aí a trabalhar 12 ou 13 horas por dia. Aliás, os seguranças da UPTEC conhecem-nos bem, porque somos os que saímos sempre mais tarde – três ou quatro da manhã estamos nós a sair daqui.

E quantas pessoas trabalham na Wisecrop neste momento?

Temos sete pessoas a tempo inteiro, mas ao todo somos nove.

A Wisecrop foi fundada em 2013. Desde essa altura até agora, quais foram os momentos principais do vosso percurso até este momento?

O primeiro momento foi quando viemos para a UPTEC. Nós participámos no concurso The Next Big Idea da SIC e lá recomendaram-nos a UPTEC. Aqui, participámos na Escola de Startups que nos ajudou e orientou muito. Este foi o primeiro passo marcante. Depois, talvez diria que foi a nossa transição de uma empresa que estava assente em IoT (Internet of Things), para passarmos a ser o sistema operativo agrícola. Começámos a criar soluções só assentes em software e idealizámos todo o produto, reajustar tudo e foi um bocadinho em cima do joelho. Foi uma fase muito stressante. Quando percebes que tens um oxigénio que te dura x tempo e tu tens que mudar o percurso sem saber como é que vai ser o resultado… É duro. É muito duro e tira-te algumas horas de sono. Felizmente, as coisas correram bem e isso é a parte mais gratificante na vida de uma startup – quando tu começas a sentir que funciona aquilo que idealizaste no papel. Isso é a cena mais viciante na vida de um empreendedor. Por último, foi quando começámos a sentir as vendas. Temos umas bases comerciais e hoje, felizmente, já conseguimos criar receitas. Começar a pagar contas com o nosso próprio produto é algo que te marca, também porque te dá mais independência. Os investidores são essenciais, mas não estás tão dependente de decisões que, muitas vezes, te podem matar. Se estás dependente só de investidores, é muito mais complicado.

“O desafio principal acho que é conseguires captar boas pessoas para a tua equipa, com os recursos que tu tens. (…) Não tens muitas tentativas para fazer experiências numa startup.”

Neste percurso que me contaste, mudavas alguma coisa naquilo que vocês fizeram na Wisecrop?

Mudava, de certeza. Se eu conseguisse fazer com que a empresa tivesse gerado receita mais cedo, sim (risos). Hmmm, acho que mudava. Não tinha começado por um produto tão complexo, não seria tão ambicioso no produto e seria mais ambicioso nas vendas. Se começasse agora do zero, era o que eu mudava. Só que os cofundadores são todos engenheiros e os engenheiros só gostam de produto (risos).

Qual é o objetivo da Wisecrop até ao final deste ano?

Montar a equipa de marketing e de apoio ao produto. No fundo, conseguir criar uma equipa de suporte disponível 24/7. É o que precisamos agora para podermos ter um crescimento sustentável.

E a longo-prazo? Onde é que gostavas de ver a Wisecrop daqui a cinco anos?

Hmmm, eu diria dominar a produção em três culturas na Europa. Ou seja, sermos líderes na Europa na gestão de produção agrícola. É isso… Sem ser muito ambicioso, eu diria em três culturas (risos).

Qual é, para ti, o maior desafio de ser cofundador de uma startup?

São vários… O mais óbvio – e acho que toda a gente concorda comigo – é gerir sem dinheiro. No entanto, o desafio principal acho que é conseguires captar boas pessoas para a tua equipa, com os recursos que tu tens. Quando começas a construir uma equipa, precisas que tenha todas as características que uma startup precisa: empreendedora, responsável, dinâmica, altamente motivadora e apaixonada pelo produto. E isto é muito difícil de encontrar, e muito mais difícil de encontrar à primeira. Além disso, isto custa-te muito dinheiro e pode ser fatal. Não tens muitas tentativas para fazer experiências numa startup.

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Além da paixão pela Wisecrop, há um outro vício: o restauro de carros e motas. Começou o seu Austin Mini Cooper, depois uma Famel XF 17 e os Mini Cooper dos primos. Entre a recolha de peças originais, a desmontagem das motas e a remoção das tintas antigas, Sandro tem tempo para uma “corridinha” e um passeio com amigos. Desde miúdo que desmonta os carros telecomandados por brincadeira e, até hoje, já restaurou três carros e seis motas.

Como é que surgiu esta tua paixão pelos carros?

Desde os meus 10 anos que sempre me lembro de pensar em carros e sonhar com carros. Eu sempre vivi com a ansiedade de fazer 18 anos para poder ter carta de condução. Só que na altura em que tirei a carta estava a estudar e não tinha dinheiro para ter carro. Lá convenci os meus pais e eles ofereceram-me um Mini. E como tinha um Mini escolhido por mim, meti na cabeça que o tinha de o restaurar e pô-lo mesmo ao meu gosto. A questão é que nessa altura estava a fazer o Mestrado – que é bastante exigente – não tinha emprego, não tinha como ganhar dinheiro e não ia pedir aos meus pais dinheiro para restaurar um carro… Então foi aí que comecei a trabalhar no catering para conseguir ganhar dinheiro e acabava por derretê-lo todo em ferro velho (risos) – era o que os meus pais diziam. A partir daí, comecei a restaurar o Mini, a conhecer pessoas que faziam o mesmo e que me transmitiram muito conhecimento. E isso foi quase uma fonte de inspiração para aprender a gerir um projeto, lidar com pessoas, gerir prioridades… Até a comprar e vender peças, porque só com alguma experiência é que começas a perceber se é ou não a melhor escolha.

“Restaurei a Famel XF 17, depois comecei a conhecer outros modelos de motas raras, comecei a viciar-me. E é aí que percebes que nunca mais dá para parar.”

Além do teu, tu também já restauraste mais dois Minis, certo?

Sim, sim. Restaurei o meu e o de mais dois primos meus que estão na Suíça. Com estes 3 carros adquiri uma base de conhecimento muito grande. E enquanto estava a restaurar um Mini, comecei a restaurar, em conjunto com o meu pai, a primeira mota dele – a mota que comprou aos 18 anos.

E quanto tempo te demorou a restaurar o teu carro?

Eu comecei aos 23 anos e o meu objetivo era terminar de restaurar o Mini até acabar o curso. Eu sabia que tinha de terminar o Mini quando terminasse o curso, porque não dava para andar mais naquela vida de andar a gastar dinheiro (risos). Consegui terminar e concluí o carro! Quer dizer, pensando bem… Não terminei, porque eu vou olhando para o projeto e vão sempre faltando coisas (risos).

E nessa altura já estavas a trabalhar na mota do teu pai?

Sim, durante o processo de restauro do Mini começamos a restaurar a mota do meu pai – a Famel XF 17. Esta foi a primeira mota em que trabalhamos. E aprendemos muito, porque para fazer uma coisa destas tu tens de estudar a mota e o modelo. Depois começas a perceber que aquela peça não é original ou que não faz parte daquele modelo. Então desmontas tudo, vais à procura das peças – e passas muitas horas em frente ao computador à volta do OLX e Ebay – e isto traz-te muito conhecimento. Restaurei a XF, depois comecei a conhecer outros modelos de motas raras, comecei a viciar-me (risos). E é aí que percebes que nunca mais dá para parar.

E além das motas, tu já tens aqui muito material de restauro nesta pequena oficina.

Sim, porque tu começas a ter contacto com pintores e mecânicos e percebes das limitações que tens por dependeres de terceiros. Então, queres é fazer trabalho em casa e desenvolveres tu as tuas coisas. E hoje já conseguimos restaurar as motas sem ir fora. Por exemplo, a Sachs Cruzador foi a primeira mota que nós restaurámos de raiz – desmontar, pintar, montar, tudo… – e concluímos o projeto todo de uma ponta até à outra sem depender de terceiros. Isto dá-te mais liberdade e aumenta ainda mais o teu vício (risos).

Quais são os passos a seguir para restaurar um carro ou uma mota?

A primeira coisa é fazer o levantamento de tudo o que vai ser preciso para fazer o orçamento do projeto. A fase seguinte é a desmontagem, que é onde começas a sentir as diferenças da teoria para a prática – aquilo que pensavas que não fazia falta, afinal faz e vice-versa. Começas logo a sentir o orçamento a derrapar (risos). O terceiro passo é todo o processo de recuperação: recuperar peças, decapar o ferro velho, remover a tinta antiga, restaurar a chapa… Isto consome muito tempo! Depois tem a fase de montagem – que também te traz muitos desafios. No final, é só afinar e desfrutar. E começas logo a pensar na próxima (risos).

Quanto tempo, em média, é que te demora restaurar uma mota?

Ora bem, isso depende muito do modelo, estado da mota, da dificuldade que tens em recolher as peças todas… Eu diria que demora entre 9 a 18 meses, mas também depende muito da tua disponibilidade.

Quanto carros e motas é que já restauraste?

Carros foram três, três Minis – foi o meu e os de dois primos meus. Além disso, temos seis motas já restauradas, duas em processo e mais três à espera de projeto (risos).

Quando eras criança querias ser piloto ou mecânico ou alguma coisa relacionada com carros?

Por acaso, tenho ideia de querer ser piloto, mas rapidamente perdi essa vontade quando comecei a ter noção que era preciso ter muito dinheiro para ser piloto (risos). Mas eu sempre tive uma queda pela eletrónica. Quando era miúdo ficava vidrado a brincar os carros telecomandados e até desmontava aquilo tudo para perceber como é que funcionavam.

Há alguma coisa na tua vida sem a qual tu não consigas viver?

“É o cheio a gasolina!”, diz o pai do Sandro.

Hmmm, essencialmente é isso. É o cheiro a gasolina. Se eu não conseguir tomar um café de Mini ou andar de mota, eu sinto que falta qualquer coisa (risos). É como a malta que vai ao ginásio e quando não vai fica mentalmente desestabilizado. A mim acontece-me o exatamente o mesmo (risos).

Qual é o teu maior defeito?

Só queres um? De certeza (risos)? Se calhar sou pensativo demais. Sinto isso no dia-a-dia, na gestão da Wisecrop. Pensares muito sobre um assunto consome-te tempo e, por isso, não és tão eficiente em determinadas decisões. Pode também dar-te algum medo, porque pensaste demasiado. Sim, acho que é esse o meu defeito.

E qualidade?

Ui, eu não gosto muito de falar sobre mim. Acho que é ser ambicioso, porque é o que me tem ajudado a ter energia e a focar-me nos objetivos.

Tens algumas pessoas que tenham marcado a tua vida?

Sim, tenho várias. Sinto-me um sortudo nesse aspeto. As pessoas que têm contribuído muito para aquilo que sou hoje são, sem dúvida, a minha família, nomeadamente os meus pais. Basta só recordar quando decidi largar o meu emprego e lhes disse que tinha uma proposta da Galp, mas que não ia e que nem queria ir às outras fases de entrevistas. Decidi criar a minha empresa com os restantes sócios e isso só acontece por causa do apoio que sentes no teu dia-a-dia. Na prática, tu tomas as decisões para a tua vida, mas quem te rodeia também sente as consequências. A minha família tem sido uma fonte de inspiração e motivação.

Tens alguma coisa que fizeste e não devias ter feito? Algum arrependimento?

Não é bem um arrependimento, mas penso muitas vezes na decisão que tomei, quando era miúdo, de vir sozinho para Portugal. Eu penso algumas vezes no que seria a minha vida se eu tivesse fica na Suíça. Pelo que eu vejo dos meus amigos e familiares que lá estão, tu consegues atingir uma estabilidade financeira que em Portugal não existe. E quando estás em Portugal a tentar construir algo do zero, pensas em muitas coisas… Mas quando começas a pensar bem, não há nada melhor que este país – a qualidade de vida, a cultura e tudo o resto. Rapidamente percebes que o dinheiro não é tudo.

Qual é o teu sábado de eleição? Ou seja, um dia sem trabalho que possas escolher livremente tudo o que vais fazer.

Isso é simples. Acordar, ir de Mini tomar o pequeno-almoço à pastelaria em Esposende. Depois, no meu momento zen, lavar o carro – enquanto penso na Wisecrop, o que vamos fazer, o que não podemos fazer e as motivações. Fazer uma corridinha e ir almoçar a casa dos pais, sem trabalhinho nenhum (risos). E à noite estar com os amigos, dar a minha voltinha e desfrutar das companhias. Isso para mim é carregar as energias ao máximo.

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