“Os finlandeses são um povo muito pragmático, muito bons a executar uma visão”
“Os finlandeses são um povo muito pragmático, muito bons a executar uma visão”
Na UPTEC estamos sempre de portas abertas para novas ideias, inovação e desafios. Na secção "Open Doors" apresentamos centros de inovação internacionais, parceiros externos, investidores e experiências internacionais que potenciam a comunidade UPTEC. Neste “Open Doors”, partilhamos a experiência de Raphael Stanzani, Gestor de Programas de Empreendedorismo da UPTEC, que viajou até Vaasa, na Finlândia, para realizar um secondment ao abrigo do projeto OpenInnoTrain. Por lá ficou durante quatro semanas, participou no programa de empreendedorismo da Universidade local, e conheceu a dimensão do ecossistema empreendedor de Vaasa, o impacto da luz solar na vida dos finlandeses, o pragmatismo na tomada de decisões, e os problemas com mão de obra qualificada que enfrentam. Tudo para ler neste “Open Doors”.
OpenInnoTrain é uma rede global de investigadores e profissionais da indústria na Europa e na Austrália. A UPTEC faz parte deste consórcio, juntamente com a Universidade onde o Raphael ficou na Finlândia. O OpenInnoTrain promove a tradução da investigação entre universidade-indústria através da cooperação e inovação aberta nos setores de cleantech, foodtech, indústria 4.0 e fintech. O projeto de investigação centra-se na inovação aberta e na tradução da investigação entre a academia e a indústria, com um consórcio de investigação de 22 membros em vários países.
O que é que te levou a escolher Vaasa como destino do teu secondment?
Foi um conjunto de fatores. Aqui, na UPTEC, sou o gestor dos programas de empreendedorismo e uma das coisas que mais me motivou nesta escolha foi a combinação de vários eventos juntos, pois estava previsto uma Summer School. E na semana anterior, ia haver o Vaasa Future Festival, sobre o futuro da região e da cidade em si. Era uma oportunidade única de conhecer muitas pessoas, ver como eles abordam o empreendedorismo, a inovação e as empresas. Além disso, existiria a possibilidade de contactar com outras empresas maiores, como é o caso da Wärtsilä e da Fortum. Estava tudo bem esquematizado, e aconteceu muita coisa em pouco tempo. Uma oportunidade assim única como esta, em que há uma junção de tantos elementos, era difícil de encontrar, mas felizmente pude disfrutar dela.
E o que é que Vaasa e a Finlândia tinham para oferecer de diferenciador?
Definitivamente, por a Finlândia ser o país mais distante de todas as opções europeias do OpenInonTrain, e a cultura mais diferente da minha. A Finlândia é um país muito virado para a questão ambiental, com preocupações relativamente ao período de verão, em que têm muito sol, e ao Inverno, pois além de ser rigoroso, têm uma redução bastante grande da luz, então eu queria perceber como é que as pessoas fazem essa gestão. As opções iam de Barcelona, a mais próxima, até à Austrália, que seria a mais diferente de todas, mas entre as que estão na Europa, acho que a Finlândia e Vaasa estão num contexto de grande mudança. Eles estão com uma visão muito forte de crescimento através da própria universidade, que também quer crescer bastante, então é interessante de ver essa ponte para o futuro a ser construída.
E como é correu a tua integração na equipa?
Correu muito bem! Foram todos muito recetivos, o mais complicado foi mesmo a barreira linguística. Nos primeiros dias até fiquei com dor de cabeça (risos). Não pela receção das pessoas, mas sim por estar num sítio que tem duas línguas diferentes ao mesmo tempo. Está tudo em sueco e em finlandês. O sueco, às vezes, até dá para perceber o significado de algumas palavras, mas do finlandês, nem uma (risos). Então o cérebro parece que está sempre a tentar processar e identificar padrões… “vejo esta palavra muitas vezes, o que é que ela quer dizer?”, mas com o finlandês isso é impossível de fazer. Acho que foi isso que me impactou mais porque processava muita informação durante o dia e chegava à noite meio cansado, mas a forma como fui integrado ajudou-me bastante na adaptação.
Estão a receber muito mais procura industrial do que aquela que conseguem produzir
No total estiveste um mês em Vaasa. Como é que foi a primeira semana de atividades?
Na primeira semana, consegui logo perceber que eles também têm um problema grande com a mão de obra qualificada, ao ponto em que eles estão a receber muito mais procura industrial do que aquela que conseguem produzir. E um dos principais fatores é o que mencionei há pouco, o da barreira linguística. Em Portugal, isso nunca foi um grande problema, porque os mercados brasileiros e espanhóis, por exemplo, consegue-se perceber bem o que é dito, mas lá, têm esta problemática porque as empresas finlandesas têm todos os processos e documentação em finlandês, então quando precisam de uma mão de obra para trabalhar, não é fácil de arranjar. Na Finlândia, apesar de terem o “vizinho” Suécia tão perto, a diferença total entre as línguas faz com quem seja difícil de existir uma integração otimizada. Até os estudantes que estão lá e que vêm de fora, muitos não sabiam que era preciso ter um finlandês fluente para obter a nacionalidade e para poder conseguir ter algumas vagas de emprego, então arrependem-se dos anos que perderam, em que podiam ter aprendido a falar fluentemente e não o fizeram. Para facilitar este processo, estão a fazer a transição para colocar tudo em inglês, para ser mais fácil de contrato, mas também para quebrar a barreira cultural e linguística interna. Mas é um processo que demora o seu tempo. Os funcionários que durante anos usaram apenas o finlandês têm de se adaptar também, então está a surgir uma nova dinâmica. Isso marcou-me logo desde início.
E na segunda semana começou o programa de empreendedorismo, não foi?
Sim, que tinha a duração de duas semanas. O University of Vaasa Summer School on Ideation and Venture Creation foi muito interessante porque permitiu ver como é que funcionam em termos de programas de empreendedorismo. Desde logo, a forma como colocam as pessoas a pensar logo na primeira sessão, através do JumpStarter Kit. A minha abordagem sempre foi de que precisava de lhes dar uma base mais sustentada logo no início, mas ali eles chegaram à primeira sessão, escolheram um problema, juntaram-se em grupos e começaram a trabalhar, e se tivessem a alguma dúvida, tinham os materiais de apoio. Também foi curioso ver a forma como pessoas de diferentes hemisférios se juntavam e trabalhavam. Pessoas da Finlândia, do Sri Lanka, da Africa do Sul, de Inglaterra, do Afeganistão, da India, havia uma diversidade cultural muito grande com diferentes dinâmicas de adaptação. Nessa semana, também pude fazer uma visita ao Arquipélago de Kvarken, perto de Vaasa, que gostei bastante.
Na terceira semana, onde participei no Summer School on International Entrepreneurship, também comecei a aprender mais sobre a história da cidade e do país. A empresa Wärtsilä, por exemplo, tem uma história muito curiosa. Sediada inicialmente em Helsínquia, foi-se afastando da capital por causa dos bombardeios na Segunda Guerra Mundial, e acabou por se estabelecer em Vaasa. Inicialmente especializaram-se em motores para barcos, mas com tanta procura que tiveram, estão agora a fazer motores para embarcações de grandes dimensões, sendo que já começaram o processo de adaptar esses motores para produção de energia com combustíveis neutros em carbono – hidrogénio ou amoníaco – para compensar os períodos sem fonte eólica ou solar, que é um dos principais drivers da economia. E aí percebi que os finlandeses são um povo muito pragmático, muito bons a executar uma visão, e isto entronca no que vi na primeira semana, a procura de soluções para cumprir um objetivo.
A quarta semana foi a últimada Summer School, esta mais focada no Scouting e Valuation de Startups, onde pude estar na pele de um investidor, e contamos com os exemplos da Wärtsilä e da Fortum, investidores do mundo corporativo, que deram um aporte mais analítico, focando em responder a questões-chave sobre o tipo de investimento que pode existir, o que já foi feito, a concorrência na área, o estado de execução da ideia, entre outros fatores. No fundo, consegui perceber como ajudar as startups a tornarem-se mais vendáveis e fáceis de serem encontradas, e nesse aspeto, ter um Corporate Venture Capitalist presente foi um grande contributo.
E o que é que achaste da Finlândia enquanto país?
O país é muito organizado, tanto quanto Portugal. Não acho que esteja muito à frente de Portugal. É verdade que não dá para comparar o Porto com um Vaasa, que é uma cidade muito pequena, ou o Porto com Helsínquia, que não tem grande espaço histórico por ter sido destruído durante a guerra. Mas vê-se uma cidade que foi pensada para crescer. A própria cidade de Vaasa, também ela é muito recente, tem cerca de 100 anos, e todas elas são pensadas, de raiz, para mitigar o frio, que é muito intenso no inverno. Começa, desde logo, no lixo. Não existem aterros, e na recolha de lixo, parte vai para queimar e outra parte vai para compostagem, porque ao queimarem lixo geram aquecimento nas casas, através do sistema de distribuição do aquecimento da cidade. É frio no Inverno? Sim, mas a cidade está completamente preparada e podem adaptar-se. Não vão sofrer porque também conseguem conviver, fazer atividades e têm o ambiente preparado.
Que expectativas é que tinhas ao ir para Vaasa?
Queria entender como é que eles pensam. O clima e o ambiente afetam muito a forma de pensar das pessoas, e queria perceber como é que elas se preparam, como é que gerem as suas ambições, o seu consumo. Rapidamente consegui perceber alguns dos seus hábitos e rotinas… Às 22 horas, o comércio fecha, e mesmo que se esteja num restaurante, que fica aberto até mais tarde ao sábado, o movimento cai muito. Como no Inverno fica muito frio, no Verão, apesar de terem muita luz, os finlandeses mantêm a rotina, e ficam mais por casa. Chegava ao final do dia, e às 23 horas, não ficava de noite, ficava cinzento. O momento mais alto do verão é em julho, em agosto começam a voltar ao trabalho. Pude assistir à festa de celebração do fim do verão, o Night of The Arts, que tinha muitas pessoas que vinham do interior para a cidade para festejar e celebrar. Conhecer todas estas pessoas foi fantástico, receberam-me muito bem, foram muito afetivos e deram-me apoio em tudo. Fui muito bem recebido. Os finlandeses parecem frios, mas a sensação que tive é quando eles estão contigo, eles querem conversar e querem trocar experiências. Não querem fazer aquela conversinha fiada e ir embora. Gostam de conversar.
E no que toca ao ecossistema empreendedor?
No início achei que ia encontrar mais startups, mas depois percebi que Vaasa ainda está alguns passos atrás do que nós temos aqui no Porto, mas ainda neste ano, pretendem fazer o caminho inverso que eu fiz e ter cá pessoas para conhecer o ecossistema, ver como é que podem levar coisas para o próximo nível. Para Vaasa, o ecossistema do Porto pode ser um bom ponto de referência para verem como podem aproveitar o ambiente da universidade, que tem muitos estudantes, e têm de promover a criação de novos projetos num ambiente mais empreendedor.
Para além da barreira linguística, qual foi o maior desafio que sentiste que enfrentavam?
Como há muito emprego, o empreendedorismo acaba por ficar menos evidente porque as empresas estão a contratar. Lá as empresas que estão a crescer bastante, então não está um ambiente propício para o empreendedorismo porque o mercado de trabalho está muito intenso. Mas chega a uma altura em que volta a existir um equilíbrio e as pessoas saem das empresas grandes para criar as suas empresas mais pequenas.
O que é que mais gostaste desta experiência?
Uma pergunta difícil. Fiz muitas coisas que me marcaram. Logo na primeira semana, poder assistir ao Wasa Future Festival foi muito bom, pude fazer a Meia Maratona de Helsínquia, que gostei muito. Visitei muitos parques, há muitos sítios onde se pode caminhar e correr, e posso dizer que se come bem na Finlândia – algumas combinações diferentes da cozinha portuguesa, mas muito saborosa. Também visitei a coleção de máquinas de pinball e jogos de um colega que conheci em Vaasa, vi uma zona de graffitis incrível, e pude fechar com chave de ouro com a visita ao Arquipélago de Kvarken, numa viagem de 84km de bicicleta, que me permitiu ver muita da beleza daquela região.
Mas se pudesses destacar só uma?
Acho que seria a parte da relação humana com as outras pessoas, o aprofundar de conversas ao longo do tempo. Ter estes momentos de presença e conversa, que foram muito constantes nestas quatro semanas, foi uma coisa bastante agradável. Foi uma experiência fantástica!