Marta de Oliveira Ferreira: “O humanizar dos processos é algo que vai ser mais valorizado no futuro”
Marta de Oliveira Ferreira: “O humanizar dos processos é algo que vai ser mais valorizado no futuro”
Nesta edição do Out Of Office, falamos com a CEO da Inovapotek, Marta de Oliveira Ferreira. Esta é a história de uma das fundadoras da primeira spin-off da Universidade do Porto, que começou a trabalhar em bancas alugadas, e que se lançou na aventura do empreendedorismo em outubro de 2008, o mês do crash da bolsa de valores. Volvidos 15 anos, procura triplicar o volume da empresa nos próximos três anos, mas quer fazê-lo passo a passo. Tirou, entretanto, a "bata" de investigadora e veste, agora, o fato de CEO, revelando que o mindfulness é o seu segredo para conciliar a vida profissional e a vida familiar com dois filhos, que o encontrou por acaso, e agora aplica nas duas vertentes da sua vida. E o que é que a UPTEC e a Inovapotek têm em comum? Muita coisa, as suas histórias cruzam-se umbilicalmente, e é aqui que podes ler tudo!
O que é a Inovapotek?
A Inovapotek é uma CRO – Contract Research Organization, uma entidade que presta serviços de investigação e desenvolvimento, realização de testes e ensaios para a indústria cosmética, para a indústria farmacêutica, para dispositivos médicos e suplementos alimentares. Aquilo que nós fazemos é utilizar o nosso conhecimento para ajudar os nossos clientes a desenvolver produtos que sejam seguros, eficazes, inovadores, que estejam em conformidade com as exigências regulamentares, e que vão ao encontro das necessidades dos consumidores. Sempre gostei de investigação aplicada e, no fundo, era aqui que encontrava a minha paixão, que era de facto de conseguir contribuir para o desenvolvimento de produtos novos, que vão parar às prateleiras do supermercado, das farmácias ou perfumarias, com alguma celeridade. Conseguir ajudar o nosso cliente, contribuindo com todo o nosso saber que vem desde os tempos de investigadores da universidade, e depois como Inovapotek 15 anos volvidos, é muito bom. É uma realização pessoal e profissional muito grande.
E como se desenrola todo o processo desde que o potencial cliente chega à Inovapotek?
Nós podemos fazer com que a ideia inicial de um cliente nosso se possa transformar efetivamente num produto real no mercado, que responda a necessidades específicas. Desde o desenvolvimento do produto no nosso laboratório, até à elaboração de todos os testes de estabilidade do produto, bem como todos os ensaios de avaliação de eficácia e segurança do mesmo e, no fundo, fazer a comprovação das alegações dos produtos. Temos, também, suporte regulamentar e apoio de consultoria para que os produtos possam efetivamente ser colocados à venda no mercado e depois estarem nas prateleiras, nos anúncios, nas revistas, e por aí fora, é um gosto enorme.
E como é que tudo começou?
Sempre gostei de fazer investigação e de trabalhar nesta área de investigação de produto. Comecei a fazê-lo ainda na Universidade, no curso de Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto . A meio do curso, comecei a fazer algum trabalho de investigação e de desenvolvimento de produto, na altura de um medicamento, e depois mais tarde, já pós-faculdade, acabei a trabalhar para uma empresa que estava com um projeto para desenvolver uma marca de produtos cosméticos com água termal. Fui contratada para fazer esse trabalho, o desenvolvimento da primeira linha portuguesa de produtos cosméticos com água termal e, no final desse projeto, sabia que era isso que eu gostava de fazer e que queria fazer. Em 2008, tinha alguns convites para trabalhar nessa área, mas que eram todos longe daqui, ou em Lisboa ou fora de Portugal. Ninguém conseguia fazer nada cá, e aquilo custava-me, não fazia sentido. Sabia que havia aqui muito conhecimento, muita gente com muitas capacidades, mesmo instaladas nas faculdades, a para prestar muito bom serviço para o exterior. No fundo, o trabalho que tinha desenvolvido até ali tinha captado o interesse de algumas entidades, e então pensei “porque não criar uma empresa para prestar esse trabalho?”. Não interessa se estamos no Porto, temos recursos muito competentes, o Porto tem imensas valências e é mesmo daqui que a Inovapotek vai acontecer, e vai acontecer daqui para o mundo.
O quão ponderada foi essa decisão?
Surgiu assim de uma forma relativamente rápida. Já há algum tempo que tinha vontade de empreender, de desenvolver alguma empresa, fazer alguma coisa, tanto é que fiz um curso na ANJE, um programa avançado em empreendedorismo e criação de empresas, e desde essa altura ficou o bichinho e a vontade de querer fazer alguma coisa. Criei planos de negócios para duas ou três empresas que não aconteceram, e depois, muito rapidamente, criei esta quarta onde consegui juntar o meu conhecimento.
As três primeiras tentativas não te demoveram?
Eu acreditava mesmo que iria conseguir, e tinha dois potenciais clientes assegurados que queriam trabalhar comigo para fazer alguns projetos, então a Inovapotek surgiu com isso na mão, o que é bom (risos), mas sem noção nenhuma do que é que seria depois para a frente. Atualmente é inegável a qualidade humana e técnica que temos no Porto, mas na altura, há 15 anos, o empreendedorismo não era visto desta forma, e muito do talento que era criado no Porto tinha de ir para o estrangeiro. Portanto foi algo que me deu imenso prazer ter conseguido fazer. Criar e dar emprego nesta área, a pessoas que gostam de fazer aquilo que eu também gostava de ter feito, e que na altura não era possível, é muito bom.
“Há 15 anos, o empreendedorismo não era visto desta forma, e muito do talento que era criado no Porto tinha de ir para o estrangeiro.”
E começaste a Inovapotek sozinha?
Eu e o Bruno Sarmento fundamos e somos, ainda, os sócios da empresa. O Bruno Sarmento é Professor, lidera um grupo de investigação no i3S, e também estava na faculdade de Farmácia, na altura, a acabar o doutoramento, dedicado à área farmacêutica, no desenvolvimento de sistemas de libertação modificada. Na altura falei com ele e disse-lhe, “sei que tu és mais da investigação académica, mas não queres entrar comigo nesta aventura? Acho que podia ser interessante criarmos aqui algumas sinergias”, e desde então que somos sócios fundadores da Inovapotek. Ele nunca trabalhou na empresa diretamente, tem outras atividades mais ligadas ao mundo académico, mas tem outras valências e conhecimentos que acrescentam bastante à nossa atividade.
Como foram os primeiros tempos de empresa?
Nascemos sem nada (risos). Nós não tínhamos um laboratório, não tínhamos um gobelé que fosse. Queríamos uma parceria na altura, inicialmente com a Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto. Não foi fácil, porque na altura o empreendedorismo era uma coisa que ninguém sabia o que era, não é? Agora é muito diferente e ainda bem! A Universidade do Porto fez um trabalho incrível de desenvolvimento desta área, mas na altura, há 15 anos, ainda estava tudo muito na sua génese. Nós fomos a primeira spin-off da Universidade do Porto, fomos fundados na altura em que o regulamento estava a ser também desenvolvido. Não fazia sentido nenhum as faculdades terem equipamentos caríssimos, conhecimento e técnicas muito valiosas, que às vezes eram adquiridas por um determinado projeto, e depois ficavam lá encostadas sem ninguém as utilizar, portanto, a proposta que fiz às universidades foi “nós temos estes projetos, temos este trabalho, sabemos usar, portanto eu pago (risos). Pago um dia, pago meio-dia de trabalho, de aluguer deste equipamento ou bancada de trabalho, e deixam-me utilizar”. E foi assim que aconteceu, tivemos o nosso primeiro laboratório em 2011, e nesses primeiros anos andamos a trabalhar assim, em meio metro de bancada alugada (risos).
Quantas pessoas é que estão lá agora aqui a trabalhar aqui e em geral?
Somos cerca de 20 colaboradores a full-time, depois temos vários outros colaboradores que trabalham connosco em regime freelancer, nomeadamente médicos. Nós fazemos muitos estudos clínicos com controlo médico, dermatologistas, oftalmologistas, ginecologia, medicina dentária e que trabalham connosco on demand, dependendo dos trabalhos que temos em curso.
Como é que funciona o vosso modelo de negócio atual?
Temos aqui vários tipos de projeto e vários tipos de clientes. Temos os clientes que efetivamente querem lançar uma marca nova, fazer algo do zero, e vêm ter connosco com uma ideia inicial, “queria desenvolver uma marca com meu nome” e nós podemos, numa primeira instância, até prestar algum trabalho de consultoria, para organizar todo o projeto, explicar o que é que têm de fazer, as diferentes etapas do projeto, fazer todo o planeamento I&D, ajudar a construir os briefings dos produtos, o posicionamento no mercado, e depois então prosseguimos. Temos a capacidade de fazer o projeto de A a Z, que é algo que nos distingue dos concorrentes. As coisas evoluem do primeiro briefing, que se transforma depois em protótipos daquele produto que o próprio cliente vai adaptando, e nós vamos customizando à medida do cliente. Depois do protótipo, passamos aos estudos de estabilidade, os estudos clínicos, o processo regulamentar, ajudamos a selecionar embalagens, validamos rotulagens, labelling, e os produtos acabam por ser produzidos e lançados. Acompanhamos também o primeiro fabrico dos produtos.
E para quem já tem marcas constituídas no mercado?
Esses surgem-nos porque, muitas vezes, não têm capacidade interna suficiente ou porque têm projetos muito complicados e precisam de mais cérebros com conhecimento para tentar encontrar soluções para algum problema com um dado produto. Outros que nos procuram podem ir desde empresas de média dimensão até aos maiores players internacionais da área da cosmética, sobretudo, onde as marcas procuram os laboratórios para testar os produtos para comprovar as alegações. Quando vês nos anúncios dos antirrugas, ou hidratante, ou despigmentante, ou protege o microbioma, etc, essas alegações têm de ser sustentadas, ou devem ser sustentadas cientificamente, e a forma de o fazer é contratando laboratórios como o nosso, que permitem conduzir estudos clínicos para fazer a comprovação dessas alegações. São aqueles estudos que depois aparecem na publicidade, com os asteriscos pequeninos, a dizer “produto testado num laboratório independente em 30 mulheres e com resultado de menos x por cento de rugas”. Nós somos esse laboratório independente (risos). É uma área de negócio muito específica. Algumas das multinacionais também têm centros que lhes permitem fazer isto, mas também subcontratam laboratórios independentes para dotar o produto com uma credibilidade mais sustentada. Também temos outros tipos de clientes e fabricantes fora da Europa, que querem importar os produtos para o nosso continente, e que precisam de suporte regulamentar para estar tudo em conformidade com o que é exigido por cá. Se não estiver, nós podemos complementar com os testes necessários e fazer o processo regulamentar.
Há alguma marca com quem já tenham trabalhado e que destaques? Um produto conhecido no qual estiveram envolvidos no desenvolvimento?
Não posso (risos)! Por vários motivos, sendo um deles, por questões de confidencialidade, é isso é algo muito, muito importante na nossa atividade. Há muitas marcas e muitos produtos sobre os quais nós não estamos autorizados para divulgar, e que foram feitos por nós, e selecionar os que foram marcantes e que nos deixam dizer, seria injusto para os demais, não posso fazê-lo (risos).
“Só pessoas absolutamente lunáticas é que abririam uma empresa em pleno crash da bolsa de 2008 como nós fizemos”
De onde vem o nome Inovapotek?
Eu e o Bruno fomos à Conservatória fazer o registo da empresa e achávamos que o nome não era muito importante, que a nossa ideia seria diferenciadora o suficiente, mas queríamos um nome que fosse internacionalmente pronunciável. Por virmos desta área, pensamos em InovFarm, mas esse já não dava para registar, então uma das alternativas a Pharma era Apotek, que numa série de idiomas significa Farmácia, então ficou Inovapotek.
Como é que surgiu esta ligação à UPTEC?
Nós vimos da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, o nosso saber e a génese da Inovapotek vem daí, era lá que nós estávamos a desenvolver trabalho, portanto, foi acontecendo naturalmente. Alugamos o nosso primeiro escritório na NET – Novas Empresas e Tecnologias, um centro de acolhimento de incubação, que nos ajudou muito em 2008. Quando quisemos ter o primeiro espaço com laboratório, foi quando viemos para a UPTEC. No edifício onde inicialmente estava instalado, era possível ter um biotério, tinha laboratórios montados, e as empresas que tinham essa necessidade de acesso a laboratórios foram para lá, como nós. Estivemos lá uns três anos, mais ou menos, e em 2011, viemos para cá, para a sala onde nos encontramos atualmente.
Em 2023 completaram 15 de existência, tal com a UPTEC. Quais é que são os principais benefícios que sentem de fazerem parte desta Comunidade?
Nós crescemos juntos, não é? A UPTEC também estava a dar os primeiros passos, com muita vontade e com e com a visão correta. Ao virmos para cá sentimos que estamos rodeados por aqueles que têm a mesma de Visão que nós, que também têm cabeça de fazer acontecer, têm ambição, que persistem, que sabem perseguir os Sonhos, é muito inspirador, e dá-nos força para fazer esse caminho também.
Nesses 15 anos há algum momento marcante no vosso crescimento?
Nós nascemos da dificuldade, não só por tudo o que já contei antes, mas porque fundamos a Inovapotek em outubro de 2008, em pleno crash da bolsa. Só pessoas absolutamente lunáticas é que abririam uma empresa em pleno crash da bolsa de 2008 como nós fizemos (risos). Mas foi isso que nos tornou mais resistentes, não é? A adversidade é algo que encaramos com um sorriso e caminhamos em frente. Mais à frente, em 2010, o nosso processo de internacionalização já estava em marcha, e estivemos na nossa primeira Feira Internacional, a in-cosmetics Global, em Paris, uma Feira onde estamos todos os anos, e foi absolutamente fundamental para o nosso reconhecimento no mercado, e para alavancar o nosso crescimento. Também foi muito importante quando conseguimos, algo que hoje em dia é mais comum, mas na altura fomos a primeira empresa portuguesa a conseguir uma acreditação em França, no âmbito do crédit d’impôt recherche (CIR), outro passo fundamental para cimentar a Inovapotek.
Próximos passos?
A vida das empresas vai-se fazendo de várias etapas, e de momento estamos num fase de transformação, da alteração de uma série de processos, modelos e ferramentas, numa programa interno que designamos de MoveON. Estamos a procurar preparar a empresa para a etapa seguinte. A forma como estamos a planear o nosso crescimento vai-nos permitir triplicar o nosso volume atual nos próximos três anos. O nosso mote interno é o “step by step, day by day”, e é dessa forma que também vemos este processo de crescimento: sustentado e seguro, é algo que nos caracteriza. Nunca tivemos capital externo ou outro tipo de investidores envolvidos, quisemos fazer as coisas pelo nosso pé, passo a passo. Estamos também atentos à forma como a Inteligência Artificial pode contribuir para a otimização de todos os nossos processos. A Inteligência Artificial faz parte de um futuro que já ninguém nos tira dele, é preciso saber utilizar da melhor forma e tirar vantagem.
No mar, ou junto dele... Em terra, ou na berma a "ver" os carros passar... Ou no ar, a descobrir a aplicação que viria a mudar a sua vida...A prática do mindfulness pode ser aplicada em qualquer lugar, e a nossa entrevistada procura influenciar todos à sua volta, com as ferramentas que contribuíram para o seu sucesso enquanto mãe e empreendedora.
Antes de ser CEO, quem era a Marta?
Ora bem, tenho 43 anos, nasci em Braga, e era uma menina normalíssima. Sempre muito aplicada, muito boa aluna, muito direitinha, gostava muito de estudar, não porque os meus pais me diziam, mas desde sempre tive um grande sentido de responsabilidade. Gostava tanto de estudar que até os meus pais, principalmente a minha mãe, ralhavam muito comigo para não estudar mais, que “até me fazia mal a saúde” (risos). Sempre fui muito aplicada, estudiosa e participativa, em várias iniciativas. Andava no 5.º, 6.º ano e era Presidente do Clube Europeu lá da escola, escrevia para o editorial da escola, organizava teatros, estava sempre a fazer coisas. Lembro-me que, na altura da Guerra do Golfo, eu fazia editoriais e escrevia reportagens para o jornal da escola e colecionava recortes de jornais. Sempre andei na escola pública, e apesar de muito estudiosa, sempre tive muita vida social. Saía muito com os meus amigos, e tinha a sorte de os meus pais não terem grande argumento para não me deixarem ir por estudar tanto (risos).
E findo o secundário, como foste para Ciências Farmacêuticas?
Nunca quis ser uma coisa em específico, mas como era muito boa aluna, era incentivada a ir para Medicina, só que concorri para Medicina e não entrei (risos). Foi a minha primeira grande desilusão porque fui a última aluna a não entrar em Medicina, porque tinha média de 18,43 e a média era de 18,45. Para mim foi o caos, porque não estava habituada a não conseguir tudo o que me propunha a nível académico, e foi assim que fui parar à Faculdade de Farmácia porque, por acaso, tinha posto a FFUP como última opção. Na altura só havia cinco Faculdades de Medicina, e na altura de colocar a sexta, alguém disse “coloca aí qualquer coisa”, e essa coisa foi a Faculdade de Farmácia, onde fui parar por obra total do acaso (risos). A verdade é que se tivesse ido para Medicina, também seria um pouco por acaso, porque me incentivavam e não por sentimento de vocação. Depois do choque, lá disse “pronto, lá vou eu e vou ser a melhor lá do sítio” (risos). Lembro-me de verbalizar isto a um amigo meu. Gostei muito do curso, do ambiente da faculdade, do curso em si, fui percebendo as diferentes valências e fui-me apaixonando muito mais por esta área da tecnologia farmacêutica, do desenvolver produtos na área da investigação, comecei a trabalhar nos laboratórios da faculdade, nos tempos livres a fazer algum trabalho de investigação, e correu bem. Ainda bem que assim aconteceu, não é?
Voltando ao presente, como é que é gerir a tua vida profissional com a pessoal?
Acho muita graça a essa pergunta porque, mais do que os meus hobbies, eu tenho o meu segundo trabalho, que é ser mãe de dois filhos (risos). Por isso a minha vida pessoal é maioritariamente dedicada à família, aos meus dois filhos pequenos, e às vezes é mais desgastante que a vida profissional (risos), mas também é fascinante. Como concilio estes dois mundos? É algo que todos procuramos, é algo que eu prezo muito, e que tento cultivar na Inovapotek. Nós sempre tivemos uma política de flexibilidade de horários, de forma que as pessoas consigam conciliar, da melhor forma, todos os aspetos da vida, porque nós não somos, nem devemos, ser só trabalho. Eu venho de uma geração em que havia muita cultura do “trabalhar até muito tarde, trabalhar muitas horas é que é trabalhar bem”, e não é de todo. Nós na Inovapotek nunca tivemos um horário de trabalho porque entendo que há um trabalho que é um trabalho mental, que a cabeça tem de estar bem, e para estar bem, tem de descansar as horas que tem de descansar. Defendo isso na empresa como defendo para mim, e sei que é algo que é partilhado por muita gente que tem cargos de grande responsabilidade.
Conheces muitos casos em que essa seja uma preocupação partilhada?
Faço parte de uma rede no IAPMEI que se chama “Rede Mulher Líder”, que é muito interessante, são várias empresárias ou pessoas de elevados cargos em empresas, e que são todas mulheres. Aprendo muito com elas também, e muitas delas têm histórias de desenvolvimento profissional em empresas muito interessantes, mas também têm histórias de não terem estado presentes nas reuniões com a professora dos filhos no colégio, de não terem tido à festinha de Natal, ou à festinha do Carnaval, e porquê? Porque a vida de dono de uma empresa é extremamente exigente, desgastante, com imensas pressões, o que leva, naturalmente, as pessoas a trabalhar no máximo de atividade. O problema é que os anos passam, as coisas acontecem e, como em muitos casos, não deram conta e quando foram a ver, os filhos eram adolescentes, já eram adultos, e toda uma vida tinha sido perdida, ou não se tinha acompanhado. Eu não quero isso para mim, e procuro que a vida de todos aqueles que trabalham comigo também não seja assim.
E no meio de tudo isto, ainda há tempo para a Marta?
Atualmente é altamente reduzido no meio destes dois full-time jobs (risos), daí que me foi muito importante ter encontrado as práticas de mindfulness, que entraram na minha vida há uns anos, e que me dão ferramentas muitíssimo interessantes para conseguir conciliar melhor essas duas vidas.
“O mindfulness ensina a treinarmos a nossa mente”
Em que é que consiste?
Mais do que explicar, digo como é que tudo começou. Porque a história é engraçada, eu ia numa viagem de trabalho, e por volta de 2015/2016, ia num voo da Virgin Atlantic entre Londres e Nova Iorque, e naqueles ecrãs dos assentos, encontrei uma aplicação chamada HeadSpace, que comecei a explorar e foi aí que aqui se introduziu o mindfulness na minha vida. É uma aplicação reconhecida internacionalmente, mais focada na mindfulness, na meditação, tem uma série de exercícios que eu assisti durante o voo e achei graça àquilo. Foi assim que se introduziu na minha vida, e é-me muito importante. A prática do mindfulness não é mais do que nós conseguirmos focar-nos, num dado momento, nas nossas emoções e naquilo que estamos a sentir, chamados momentos de atenção plena. É conseguir estar aqui, contigo, e estar plenamente presente, neste momento, na íntegra. Neste momento não estou com a minha cabeça a pensar no que os meus filhos vão jantar logo à noite, ou no ensaio que se está a passar logo à tarde, ou no que é que está a acontecer ali com a Joana do laboratório.
Isso parece quase um superpoder nos dias de hoje (risos).
A nossa mente tem uma capacidade extraordinária de estar a pensar em mil coisas ao mesmo tempo (risos), de sentir uma série de emoções, com uma série de sinapses ativas, e o mindfulness ensina a treinarmos a nossa mente. Na app tem alguns vídeos que ilustram isto de uma forma muito engraçada, e há um que eu gosto muito que é um que nos convida a imaginar que a nossa cabeça é uma autoestrada, onde cada carro são as várias emoções que estamos a sentir e a pensar. Estou furioso com este porque aquilo, e agora vem aqui o carro zangado com aquele, agora vem a preocupação com os filhos porque não sei o quê, e nós andamos no meio do trânsito, em plena autoestrada, zangados, ou stressados com muitas coisas, e, ao invés de nos desgastarmos no meio desse trânsito, o que o mindfulness nos convida a fazer é a parar na berma da estrada, sair do carro, e assistir ao que está a acontecer sem interferir, sem julgar, mas a assistir ao que se está a passar. É conseguirmos ter técnicas e formas de perceber o que é que está a acontecer na nossa mente, seja em que momento for. As emoções negativas e as positivas também, mas ficar quieto a assistir.
E só em momentos de relaxamento é que é possível distanciar dos pensamentos e sentimentos?
Às vezes bastam uns minutos para que, a seguir, tudo corra melhor, e saímos debaixo da nuvem escura. E isto aprende-se. É praticar o mindfulness, e pode ser no dia a dia, em situações corriqueiras, vou tomar um café, mas durante esse café, estou a olhar para as árvores lá fora ou estou concentrada na respiração e consigo esvaziar a cabeça, isto treina-se. Consigo esvaziar completamente a cabeça de tudo, e aqueles minutos são muitas vezes fundamentais, são uma lufada de ar fresco, muitas vezes para, a seguir, resolver algum problema. Também podem ser coisas mais prolongadas, estar na natureza, um passeio junto ao mar, isso ajuda-me a esvaziar a mente de tudo o resto. O exercício físico também servia, no passado, para fazer este limpar da mente, mas tinha outro tipo de limitações, então estas práticas de mindfullness ajudam-me a preencher esta falta e com benefícios adicionais, até porque nós não somos estimulados ao longo das nossas vidas à prática deste tipo de exercícios mentais, só os físicos. Fala-se muito das vantagens do exercício físico, e não é dada tanta atenção aos benefícios do exercício mental, da gestão das emoções, da perceção da consciência, da perceção das emoções, e quando se começa a perceber mais sobre isto é absolutamente fascinante.
É possível ensinar estas técnicas aos que estão à tua volta?
Sim, acho que o mindfulness tem o potencial para mudar uma série de gerações. Há alguns princípios que eu procuro ter com os meus filhos, quando um deles faz uma birra, eu ensino-os a respirar. A minha filha de dois anos, super pequenina, já vai para o cantinho e começa a respirar fundo (risos). Há práticas de exercício mental e de gestão das emoções, no fundo, isto está ligado com a importância da inteligência emocional que na vossa geração talvez não, mas na minha era algo que a não se dava tanto valor, não é aquilo que se procurava cultivar, era mais o exercício matemático, outro tipo de inteligência. Isto, de facto, ensina-se. Há uma analogia que às vezes uso, roubada de um vídeo de um professor que se tornou viral, e que partilhei com a minha equipa, e que, ainda no outro dia, uma colaboradora usou comigo, achei muita graça (risos). Então se nós pegarmos num copo de água, e o segurarmos alguns segundos, o copo de água não é nada de mais, mas se nós tivermos com o copo na mão muitas horas, vai começar a doer, vamos ficar com o braço dorido, não vamos conseguir suportar o peso do copo. Se nós pensarmos nas nossas vidas, nas nossas angústias, um problema qualquer que temos para resolver, podemos encarar como esse copo de água, e conseguimos perceber que, às vezes, só temos de pousar um bocadinho o copo. E há uns tempos estávamos no meio de um problema, e uma das minhas colaboradas disse “Olhe, estou a pousar o copo um bocadinho” (risos). Achei muito engraçado.
Fora do contexto de trabalho, onde é que costumas praticar o mindfulness?
Há vários sítios, mas onde eu gosto mais é junto ao mar. Vivi um período grande da minha vida junto ao mar, algo que hoje não acontece, e as corridas ou caminhadas junto ao mar sempre foram, para mim, super energizantes. Chegar ao fim do dia e, fosse verão ou fosse Inverno, contemplar o som e a força do mar, para mim sempre foi muito inspirador. Tive muitos momentos de exaustão “Inovapotekiana”, como costumo dizer a brincar, que se sararam junto do mar. Mas também gosto muito da montanha, gosto muito do Gerês, gosto muito de caminhar no pinhal. Atualmente adequo muito esses passeios àquele que é o dia a dia dos meus filhos. Eles vão de bicicleta, e eu vou na minha, no meu momento, procuro conciliar as duas coisas, é uma forma de o fazer. Mas é junto do mar que mais gosto de praticar.
“Sou muito focada na solução, muito pouco no problema.”
O teu cruzamento com o mindfulness acabou por moldar a forma como educas os teus filhos?
Espero que sim (risos). O papel de educar é um papel difícil, de muita responsabilidade, e eu costumo dizer que tenho muitos filhos, porque além destes dois – que o são mesmo, tenho muita gente a meu encargo e sob a minha responsabilidade, e uma das coisas mais gratificantes para mim é ajudar ao desenvolvimento pessoal e profissional de muitas pessoas, que colaboram connosco e que têm vindo a colaborar connosco ao longo dos anos. Elas chegam umas e saem outras, com mais ferramentas e com mais aprendizagens, e nós procuramos que sejam também de desenvolvimento pessoal e não só de desenvolvimento técnico-profissional. Com os meus filhos, eles ainda são muito pequeninos, não sei o que isto vai dar, mas procuro dar-lhes a melhor educação que possa nas diferentes vertentes, certa de que o mundo de amanhã ninguém sabe como é que vai ser, tudo muda muito rapidamente. O mais importante é que possam viver uma vida plena e feliz, a fazer o que mais gostam.
Eles são o mais indispensável para ti?
Sim, os meus filhos e a minha família, absolutamente indispensáveis para mim.
Onde é que te vês daqui a cinco anos?
Não sei o que é será, mas o que é que espero? Que a visão de transformação que estamos a formar na Inovapotek dê resultado. Nos próximos tempos, quero dedicar-me um pouco à minha própria formação profissional. Criei a empresa com 28 anos, e vindo das ciências farmacêuticas, tudo aquilo que eu sei sobre gestão empresarial, organização, gestão de projetos, gestão financeira, muito daquilo que eu sei foi do fazer acontecer. Foi fruto de uma autoaprendizagem e do desenvolvimento feito pela experiência feita, então gostava de ter algum tempo para fazer um MBA, ou dedicar-me a algum desenvolvimento profissional. Também desejo conciliar cada vez melhor a minha vida familiar e profissional, não é? Daqui a cinco anos, já te poderei dizer se os meus filhos ficaram no bom caminho (risos). No fundo, espero ser feliz.
E como é que vês o mundo daqui a cinco anos?
Não faço a mínima ideia, mas provavelmente vai estar tudo muito diferente, e isso foi algo que os últimos anos nos ensinaram. O que é absolutamente fundamental é nós aprendermos e adaptarmo-nos às diferentes circunstâncias, estarmos em contínuo desenvolvimento e em contínua mudança de rota quando ela tem de acontecer. Em 15 anos tivemos uma pandemia, guerras, crises económicas, e algo que valorizo muito nos recursos humanos, e nas pessoas que trabalham comigo, é essa capacidade de nos adaptarmos às circunstâncias, em função do que está a acontecer no mundo. Há algo que acredito que tem vindo a ser cada vez mais valorizado, que é o humanizar dos processos. O humanizar dos processos é algo que vai ser mais valorizado no futuro. Vivemos num mundo altamente global, onde agora temos as inteligências artificiais, as realidades virtuais, software das máquinas, mas no meio desse cenário, eu antecipo que, quanto mais para a frente, o que é mais humanizado tenha uma maior valorização.
Maior virtude e maior defeito?
Eu costumo dizer que é uma virtude e um defeito, porque eu estou sempre a pensar no que vem a seguir, o problema do passado para mim já está resolvido. Às vezes ainda está em resolução, mas na minha cabeça já está resolvido (risos). Mas eu quero olhar como sendo uma virtude, essa capacidade rápida de solucionar as coisas ou de encontrar soluções. Sou muito focada na solução, muito pouco no problema. Mas também pode ser um defeito, porque nem todas as pessoas pensam da mesma forma, nem todos temos essa capacidade, e às vezes também é preciso parar um bocadinho, no momento presente, para efetivamente dar tempo para as coisas acontecerem, para depois avançarem para o passo seguinte.
Tens alguma palavra preferida?
Perseverança. E digo-te rápido que é esta a palavra porque quem me falava muito da palavra perseverança era o Eng. José Martins, da NET, que dizia que nesta área do empreendedorismo, a palavra mais importante era essa. Persistir, persistir, persistir, e é uma palavra que me caracteriza muito. É uma palavra muito importante para tudo na vida.
Alguma data que seja gravada na tua memória de forma especial?
O oito de outubro de 2008, a data de fundação da Inovapotek (risos).
Para fechar, diz-me três coisas que gostarias de fazer na vida?
Já te falei do MBA; acho que é algo que eu quero muito fazer. Não sei quando na minha vida, mas espero um dia poder fazer algo na área do empreendedorismo social, poder ajudar os outros, poder ter alguma marca no caminho e no desenvolvimento de alguém ou de uma comunidade, numa lógica muito local, de proximidade, impactar a vida de alguém. E ser feliz, ir sendo feliz. Gosto muito do que faço, adoro a minha vida profissional, adoro a minha vida pessoal, familiar, as amizades, e a felicidade não é necessariamente fácil de atingir, mas o importante é conseguir usufruir o melhor possível de cada uma dessas vertentes.
25 de janeiro de 2024