Débora Campos: “A ideia é tornarmo-nos tão impertinentes para os grandes que eles nos queiram.”

Nasceu em Barcelos e queria ser cantora profissional, mas estudou Biociências e Microbiologia Aplicada. Débora Campos criou uma tecnologia verde durante o seu doutoramento e fundou a AgroGrIN Tech em 2017. Os altos e baixos foram uma constante no percurso, mas a ideia inicial, apesar de todos os avanços e recuos, mantém-se inalterada. É uma mulher de desporto e é o crossfit — que chegou a praticar diariamente — que a torna mais produtiva e sem insónias. Quer ter uma empresa que fature 200 milhões de euros por ano, e quando viveu fora — na Argentina e em Espanha — ansiava pelo regresso por um motivo principal: cozido à portuguesa.

O que é a AgroGrIN Tech?

A AgroGrIN Tech é uma empresa que valoriza resíduos de frutas e vegetais e que os transforma em novos ingredientes, que têm como foco a indústria alimentar, nutracêutica e cosmética. Somos uma empresa que faz valorização de resíduos para produção de ingredientes de especialidade.

E como é que isso acontece? Como é que tu valorizas esses resíduos?

Nós fazemos toda a transformação. Fizemos um desenho — que é um set up de equipamentos —, que permite que haja uma entrada destas matérias-primas (os resíduos), transformá-las em misturas homogéneas e depois é que começa a magia (risos). Durante o doutoramento, eu desenvolvi uma tecnologia de extração, que é única porque aplica a chamada química verde, que nos permite extrair enzimas e vitaminas. Estes processos são extramente difíceis e custosos na indústria — principalmente porque utilizam solventes orgânicos ou sais inorgânicos que são poluentes. A tecnologia que criei substitui o que já é feito hoje em dia na indústria. No fundo, a minha tecnologia verde extrai as enzimas e vitaminas, ao mesmo tempo que produz outros subprodutos — e é aí que entra a parte do “bem, se calhar isto podia ser uma ideia de negócio” (risos). Eu tinha a tecnologia e comecei a tentar levar para a indústria. Então comecei a procurar equipamentos e a tentar perceber como é que podia chegar às tais misturas homogéneas, depois a aplicar a tecnologia verde e depois, finalmente, obter os produtos. Como eu tinha outros subprodutos — que era, por exemplo, o sumo que sobrava e outras polpas —, nós começamos também a valorizar isto e chegar aos zero resíduos. Hoje nós temos um conjunto de equipamentos, introduzimos os resíduos na linha, transformamos, aplicamos a tecnologia patenteada e todos os produtos que saem do processo são desidratados e, no final, temos três tipos de produtos.

E quais são esses três produtos finais?

São extratos de enzimas e vitaminas, que são usados para a indústria nutracêutica — a indústria dos suplementos alimentares. Podem ser utilizados em pastilhas digestivas, em suplementos ou aplicados na área da cosmética. Além disso, produzimos saborizantes em pó, que é o sumo desidratado. Este produto pode, por exemplo, ser utilizados pela indústria alimentar para dar sabor a alimentos ou suplementos. O último produto são as farinhas sem glúten, que, no fundo, são farinhas alimentares de diversas frutas que são alternativas às farinhas de cereais. Estas são as nossas três tipologias de produtos.

Portanto, no teu doutoramento criaste uma tecnologia que tinha como objetivo obter o primeiro produto que falaste, mas chegaste à conclusão que tinhas mais do que aquilo e decidiste avançar para uma ideia de negócio.

Exatamente. A ideia do doutoramento era valorizar o ananás, então eu extraí a enzima que tinha — a bromelaína — e tinha os outros dois produtos.

Mas as outras empresas que fazem a extração dessa enzima não têm também esses subprodutos?

Sim, têm. A questão é que eles aplicam solventes orgânicos que são poluentes e por isso não podem valorizar essas frações. Nós como temos este processo verde — sem poluentes —, chegamos ao final com subprodutos limpos e com qualidade para poderem ser incluídos na alimentação humana.

E onde é que é feita esta magia toda? Têm um espaço vosso?

Ainda não, mas vamos ter na Maia. Até agora fizemos sempre externalização da produção, até porque estávamos a testar o produto em mercado. Este ano, recebemos um investimento de 500 mil euros através do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e vamos conseguir ter o nosso próprio espaço.

E quando é que tudo isto começou?

Em 2017.

Quantas pessoas estão a trabalhar atualmente na AgroGrIN Tech?

Quatro.

 A ideia é tornarmo-nos tão impertinentes para os grandes que eles nos queiram.

Quais sentes que foram os momentos-chave do percurso da empresa até aqui?

Tivemos muitos altos e baixos (risos). O ponto mais baixo foi há cerca de um ano: achávamos que estávamos quase a fechar um investimento e depois não aconteceu. Desanimamos muito nessa altura e ficamos todos muito em baixo — a equipa e eu. Fui, inclusivamente, trabalhar numa private equity, porque naquele momento desanimamos mesmo muito e todos. Não houve ninguém que “puxasse” a coisa e foi muito fruto da nossa inexperiência também, claro.

E o ponto alto qual foi?

Foi há pouco tempo também, porque foi quando fechamos este investimento do PRR. O facto de ter ido trabalho para uma private equity deu-me outras ferramentas e quando recebemos este investimento foi uma grande validação para nós, porque percebemos que estamos no caminho certo e que o mercado procura produtos como os nossos. Além disso, este investimento permitiu-me estar, finalmente, 100% dedicada à empresa.

Onde é que vocês estão hoje e onde é que vocês vão estar daqui a cinco anos?

Nós estamos agora a arrancar a nossa unidade piloto. Queremos validar o scale up do processo e da tecnologia que nós desenhamos, precisamos de ter tempo para estabelecer contratos com os parceiros das matérias-primas e estabelecer novos contratos de vendas. Imagina, já temos um cliente que nos comprou produtos mesmo sem a nossa unidade piloto e a ideia agora é transformar os outros que têm cartas de interesse em clientes que vão pagar. Daqui a cinco anos queremos já ser uma empresa com plantas de transformação em vários locais do mundo — queremos ter uma unidade maior cá em Portugal e no Brasil — e queremos ter uma capacidade de produção muito elevada que nos permita entrar em mercados internacionais de grande expressão. Daqui a cinco anos não seremos um player, mas já queremos ser uma marca conhecida nesta área.

E qual é grande objetivo futuro?

É ter uma estratégia de exit daqui a uns dez anos. Em cinco anos não acredito que vá acontecer (risos). A ideia é tornarmo-nos tão impertinentes para os grandes que eles nos queiram (risos).

Eu já estava demasiado confortável na investigação e se eu quisesse estar confortável era só ficar por ali e tinha tudo dominado. Esta parte da gestão da empresa ainda me desafia muito, por isso agrada-me.

Olhando agora para estes últimos seis anos, o que é que terias feito de forma diferente?

Olha, eu duvidei muitas vezes. Recentemente, encontrei um vídeo meu no primeiro programa de empreendedorismo que fiz e o pitch daquele dia é exatamente a ideia que eu tenho hoje. A ideia de hoje já mudou tantas vezes, sofreu tantas alterações — ou porque puseram em causa o modelo de negócio ou porque a recolha de resíduos era difícil ou por outra coisa qualquer — e dei tantos passos atrás porque me diziam que estava a fazer as coisas mal, mas perdi seis anos a modificar a ideia para agora chegar outra vez ao ponto inicial (risos). Claro que estes processos me permitiram crescer, amadurecer a ideia e hoje respondo às questões que me colocam com muito mais propriedade por causa disso, mas duvidei muito ao longo de todo este processo. Resumindo, não duvidava tanto e seguia mais em frente.

Tendo tu um background científico e de investigação, como é que tu encaras a parte da gestão da empresa? Isso agrada-te?

Sim, agrada-me. Eu gosto da gestão de tarefas, da empresa, da equipa… Não estou de ânimo leve e sei que vai ser muito difícil (risos) — ainda para mais agora vamos fazer crescer a equipa. Eu já estava demasiado confortável na investigação e se eu quisesse estar confortável era só ficar por ali e tinha tudo dominado. Esta parte da gestão da empresa ainda me desafia muito, por isso agrada-me.

Diz-se persistente e resiliente — talvez por isso ainda queira ir atuar a Las Vegas — e reconhece-se sonhadora. Hoje faz crossfit três vezes por semana quando está bom tempo, mas na Argentina era diário e quando regressou chegou a participar, inclusivamente, em competições. Os colegas de trabalho são os seu verdadeiros e melhores amigos e o grande “baque de realidade” da sua vida foi já aos 33 anos.

És uma pessoa de desporto, não é? Praticas muito desporto e, pelo que sei, de forma sazonal (risos). Estamos a (re)entrar na época do crossfit e qual é a temporada que está a terminar?

É a do padel (risos). Comecei a jogar padel em 2020 e, geralmente, ia a equipa aqui da AgroGrIN Tech. Queríamos fazer alguma coisa diferente, então íamos todos jogar e era bastante divertido.

O padel é giro, porque ninguém precisa de ser craque para jogar.

Exato, é isso mesmo. E na altura eu tinha parado com o crossfit, porque era muita gente a treinar numa box e a partilhar coisas. Como nós já estávamos todos juntos a trabalhar, então íamos todos juntos também jogar padel.

Portanto, para já temos crossfit e padel. Há mais (risos)?

Gosto de correr, dar umas caminhadas na praia, gosto de ping-pong também — se houver um torneio aqui na UPTEC eu participo (risos).

E isso também é tudo sazonal (risos)?

Sim, sim (risos). É tudo mais no verão e no calor (risos).

Então e como é que aparece o crossfit na tua vida?

O crossfit começou em 2015. Eu fiz o primeiro ano do meu doutoramento na Argentina e, claro, não conhecia muitas pessoas. Os meus colegas do laboratório já faziam crossfit — lá o crossfit já tinha chegado e eles eram muito intensos (risos) —, então comecei a ir com eles. O início foi muito difícil para mim, mas ia porque tinha alguém muito disciplinado que me obrigava a ir e depois criei o hábito.

E quantas vezes por semana é que ias ao crossfit?

Ia todos os dias (risos), ia de segunda a sexta. Claro que no início não fazia quase nada — e agora também não (risos). No início foi muito adquirir a parte dos movimentos e assim.

E quando voltaste para Portugal continuaste assim?

Sim, quando cheguei continuei com esse ritmo e até 2020 eu fazia diariamente. Normalmente treinava de segunda a sábado, mas faltava à quinta-feira para descansar porque já não aguentava mais (risos). E era das pessoas que ia às sete horas da manhã também — agora já não sou essa pessoa (risos).

Tinha mesmo disciplina: dieta, treino, doutoramento e dormir. E era muito feliz.

E este treino tão disciplinado ajudava-te além do próprio treino?

Sim, sem dúvida. Eu acho que era por isso que eu era tão produtiva nessa altura. Tinha mesmo disciplina: dieta, treino, doutoramento e dormir. E era muito feliz. Sabes que eu tinha muitas coisas que achava que eram impossíveis para mim: aqueles movimentos nas barras, subir à corda, correr e outros. Isto era uma parte de superação pessoal e de acreditar em mim. Exceto quando gritam comigo a dizer “Vai, tu consegues!”, porque não tenho paciência nenhuma para isso (risos).

Até 2020 foste muito certinha e treinavas diariamente. Muito bem (risos)!

Sim, dava-me muita energia mesmo. Era muito bom.

E agora voltaste?

Sim, agora voltei quando as coisas da COVID começaram a abrandar. Quando recebemos o investimento passei a ter tempo para voltar a treinar (risos).

Mas voltaste àquele ritmo diário?

Não, não. Agora estou a treinar, no máximo, três vezes por semana.

Já participaste em alguma daquelas competições de crossfit?

Sim, já participei em dois. Um foi na própria box há muitos anos, mas foi muito engraçado porque me superei bastante. E a outra foi a única competição que fiz pela box, mas fora. Fomos para Aveiro num dia horroroso de calor, andamos a correr com bolas e eu disse que nunca mais participava naquilo (risos).

Nunca mais te apanharam nessas competições (risos).

Não, nunca mais. Fomos todos em grupo e eram aquelas frases todas motivacionais e sempre aos gritos (risos). Nunca mais. Não vale a pena (risos).

A tua motivação no treino é a superação pessoal, não?

Sim, completamente. E outra coisa: geralmente eu sentia-me muito cansada mentalmente, mas fisicamente não — o laboratório não é muito exigente (risos). Com treinos, à noite tinha o corpo e a mente cansados e conseguia dormir. Quando começou a pandemia eu estava sempre mais cansada mentalmente e começaram as insónias e outras coisas que antes não sofria. O meu regresso ao crossfit foi exatamente por isso. Estava a sentir que não estava a conseguir equilibrar o trabalho e essa parte. O crossfit ajuda-me a cansar o corpo (risos).

Qual foi o momento mais impactante da tua vida? Acredito que não sejam as competições de crossfit(risos).

Não foram, de certeza (risos). Há pouco disse-te que estive a trabalhar numa private equity e isso teve coisas boas e coisas más. Para mim teve um impacto negativo, apesar de ter aprendido muito e de todas as validações que deu para a startup. Mas eu levei um baque de realidade e eu parei de me reconhecer como Débora. A pessoa que fazia, acontecia, resultados e tudo mais… deixei de estar no meu ambiente. Passei a sentir-me um peixe fora de água e levou-me claramente a ver vida de outro ponto. Se eu até ali às vezes tinha tive inseguranças, ali floresceram todas, vieram à tona e fiquei com dúvidas existenciais enormes. Aos 33 anos já não estava à espera de uma coisa daquele género, achava que já tinha passado muita coisa (risos).

Nós somos mesmo os melhores amigos em tudo e estamos uns para os outros em qualquer situação.

E o momento mais feliz da tua vida qual foi?

Tive vários (risos). A minha vida com o Ricardo e com a Ana, que são os meus parceiros no trabalho, na vida e em tudo. Nós somos mesmo os melhores amigos em tudo e estamos uns para os outros em qualquer situação. Sempre que conseguimos atingir algo são momentos felizes.

Tens alguma pessoa que tenha sido particularmente importante na tua vida?

Nós somos sempre influenciados pelo nosso círculo. E eu tenho de dizer que o bichinho do empreendedorismo, por mais que eu sempre tivesse tido a ideia de criar uma empresa minha, foi também colocado por pessoas que apareceram na minha vida e que me foram entusiasmando para isso. Não há bem uma pessoa em específico, mas há uma série delas que foram exemplos no meu dia-a-dia, como a minha professora e orientadora de doutoramento — Manuela Pintado. Além dela, houve outras pessoas que me fizeram despertar para outras realidades e que me ajudaram em muitos momentos.

Qual é o teu maior defeito?

Eu vou dizer o que o meu pai diz (risos): começar sempre a casa pelo telhado.

E ele tem razão (risos)?

Hmmm, quer dizer… mais ou menos. Depende (risos). É uma vertente mais sonhadora que tenho (risos).

E qualidade?

Eu sou muito persistente e resiliente.

Quando eras criança o que é que querias ser?

Queria ser cantora, claramente (risos). O meu sonho era ser a Britney Spears portuguesa (risos), mas concorri numa espécie Chuva de Estrelas em Barcelos durante anos e nunca ganhei, por isso percebi que não dava (risos).

O que é que não consegues retirar da tua vida?

O cozido à portuguesa (risos). Quando eu passo algum tempo fora de Portugal, o meu regresso é sempre a pedir um cozido à portuguesa (risos). O meu pai já sabia: ia-me buscar ao aeroporto e o almoço tinha de ser cozido à portuguesa.

Partilha comigo três coisas que queiras mesmo fazer na tua vida.

Ter uma empresa a faturar 200 milhões de euros por ano — isto quero mesmo fazer! —, a nível pessoal gostava de ter um relacionamento estável e ter uma família — mas se não acontecer está tudo bem na mesma! — e atuar num show em Las Vegas, nem que seja só uma noite (risos).

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