Celeste Pereira: “Eu gostava de poder viajar no tempo. Gostava mais de poder viajar no tempo do que no Espaço.”

Celeste Pereira licenciou-se e doutorou-se em Engenharia Química na Faculdade de Engenharia da U. Porto e é atualmente R&D Leader da Optimal Structural Solutions. A engenharia é uma das suas paixões e desistir não é palavra que exista no seu dicionário. Tem três filhos, gosta de fazer trails, caminhadas e de olhar para a cidade do Porto com os olhos de uma turista. Apesar de ter nascido em Vouzela, considera-se uma portuense, porque esta "cidade é a sua casa".

O que é a Optimal?

A Optimal Structural Solutions é uma empresa que está em Cascais e foi criada por três empreendedores que se juntaram para desenvolver um projeto dedicado à engenharia e produção de estruturas mecânicas, principalmente compósitos e, mais recentemente, estruturas metálicas. Tudo o que sejam estruturas que os clientes queiram, no fundo. Temos a equipa de engenharia e todas as capacidades de produção que nos permitem entregar ao cliente uma estrutura na medida das suas necessidades — isso é a Optimal. Neste momento, a Optimal está em expansão para os escritórios aqui no Porto, sobretudo para atividades ligadas ao Espaço, mas também em I&D — temos, por exemplo, colaborações e projetos com o INEGI, com o CEIIA e outros. Além disso, a empresa está também a expandir para outras áreas de negócio.

Estas estruturas que produzem são utilizadas onde e por quem?

As estruturas produzidas pela Optimal são aplicadas em muitas áreas, como por exemplo em carros de corrida. Aliás, atualmente produzimos a estrutura completa dos carros de corrida para uma empresa que tem carros de competição — construímos o carro em materiais compósitos. Além disso, produzimos também pequenos aviões — não-tripulados — com cerca de 12 metros para clientes da área da Defesa. A Optimal desenvolve e cria muitos produtos específicos e adaptados para diferentes empresas.

A equipa do Porto trabalha uma área um pouco diferente destas, não é?

A equipa aqui do Porto está muito focada no Espaço, nas estruturas espaciais, desde componentes que fazem parte de um satélite — neste momento a grande estrutura que estamos a fabricar vai ser usada num teste de um satélite em condições de ambiente Espaço. Este produto tem de ter determinadas características muito muito específicas para aguentar este ambiente, como as variações muito grandes de temperatura, o vácuo e outras.

E há outras áreas e produtos a chegar à Optimal.

Para o Espaço vamos arrancar, dentro em breve, com a produção de um tipo de equipamentos óticos, que vão ser usados numa sonda Espacial—  estes irão mesmo ser lançados e voar no Espaço!

A Optimal trabalha, no fundo, em muitas áreas diferentes e começa agora a ter experiência em algumas delas.

Estamos a dar passos pequenos e um de cada vez para conseguirmos visibilidade e ganhar  reputação no setor — o que é fundamental nestas áreas de negócio e onde nós apostamos bastante. Queremos fazer bem, acima de tudo. Fazer bem coisas interessantes e desafiantes para um engenheiro (risos).

Quando é que a Optimal foi fundada?

A empresa foi fundada em 2008, por isso tem já 13 anos — é uma teenager (risos).

E aqui no Porto quando é que começou o trabalho?

Aqui começamos a partir do momento em que eu entrei para a empresa, portanto foi em janeiro de 2019.

Quantas pessoas é que trabalham na Optimal? Aqui no Porto e no total?

No Porto, para já, somos duas pessoas. Nós temos quatro vagas abertas e vamos ver se as conseguimos preencher nos próximos dias. Até ao final do ano, seremos seis pessoas no Porto. Em Lisboa, sei que já somos mais de 50 colaboradores.

Porque é que decidiu juntar-se à Optimal?

Antes de chegar à Optimal eu estava numa outra empresa ligada ao Espaço — a HPS — da qual era sócia. Eu ajudei a HPS a crescer e a tornar-se saudável, nos quase 5 anos que lá estive, mas depois chegou o momento de  mudar e partir para outros projetos. Nessa altura comecei a preparar um projeto pessoal, mas a partir do momento que eu anunciei que ia sair da outra empresa, começaram a chegar-me chamadas inesperadas (risos). Tive propostas para outros projetos, mas este foi o que me pareceu mais apelativo, por ser numa área de tecnologia que tem muito a ver comigo e com a minha área de investigação — antes de ir para a HPS era investigadora no INEGI. Escolhi a Optimal, porque era o projeto onde eu podia fazer trabalho de engenharia, desenvolvimento e ver as coisas a acontecer.

Apesar de não estar mesmo desde o início da Optimal, desde que se estabeleceram aqui no Porto já tiveram alguns momentos importantes e marcantes?

Ainda é tudo muito recente, mas a verdade é que já temos aqui alguns momentos relevantes que, talvez de forma ingénua ou por não termos grande foco na comunicação, não lhes demos o devido destaque. Diria que o facto de conseguirmos angariar atividades de Espaço de forma competitiva é já muito interessante. A Optimal, que é uma pequena empresa portuguesa, coordena atividades a nível europeu. Há projetos de desenvolvimento para a Agência Espacial e nós somos os coordenadores — estamos a coordenar um conjunto de empresas e universidades internacionais. Recentemente, tivemos também aprovado o projeto Gavião — que tem a ver com o desenvolvimento da fuselagem de um avião em material compósito —, que também somos nós quem coordena. É um projeto de grande dimensão e que vai ser, sem dúvida, um projeto muito marcante para a empresa, pelo investimento que envolve.

Uma das coisas que fiz aqui — e é essa a minha forma de estar em tudo — foi: vamos à luta. Vamos à competição, mesmo que seja internacional e à partida muito difícil.

E quem são alguns dos clientes da Optimal?

Essa pergunta não é fácil, porque muitos deles não podem ser divulgados (risos). Posso dizer a Airbus, Embraer, OGMA, OHB, Audi, Microsoft e alguns outros.

Sabendo o que sabe hoje e apesar do percurso da empresa cá no Porto ser ainda muito curto, teria feito alguma coisa de diferente?

Eu tenho uma abordagem muito passo a passo. Eu estou na Optimal por causa de uma aposta da empresa na área do Espaço e nesta área em particular é muito difícil uma empresa estabelecer-se, é algo que demora muito tempo a acontecer. É preciso desenvolver tecnologias que talvez só daqui a vários anos é que serão aplicadas e, por isso, é preciso visão de longo prazo e muita resiliência (risos). Uma das coisas que fiz aqui — e é essa a minha forma de estar em tudo — foi: vamos à luta. Vamos à competição, mesmo que seja internacional e à partida muito difícil. É isso que estamos a fazer, estamos a posicionarmo-nos. Nesta fase, em competição internacional significa receber muitas respostas a dizer que ainda não temos heritage. O que temos de fazer é preparar e conquistar esses potenciais clientes  demonstrando-lhes que a nossa experiência noutras áreas são mais valias no Espaço. No fundo, temos apostado em evidenciar o que há de melhor no curriculum da empresa. Por tudo isto, não fazia nada diferente. Se calhar poderia ter acelerarado mais algumas coisas com uma equipa maior.

Onde é que vamos ver a Optimal daqui a uns cinco ou dez anos?

Espero que a Optimal, na área do Espaço — que é a que mais me compete  — tenha um posicionamento marcante e europeu. Queremos ser uma empresa de referência no fornecimento de um determinado tipo de estruturas, sobretudo estruturas complexas para as quais a Optimal tem equipamentos únicos. Neste momento, estamos a utilizar tecnologias aplicadas na indústria automóvel e na aeronáuticas  com grande potencial de uso no Espaço de forma diferenciadora. Queremos ser competitivos, produzindo trabalho de elevada qualidade a preço adequado e acessível.

A Celeste divide o seu tempo entre o Porto e Cascais, mas onde é que se sente em casa (risos)?

Eu gosto de estar no Porto, sem dúvida. Eu conseguia ver-me a viver em Cascais, mas o Porto é diferente. Eu moro a meia-hora a pé daqui do meu escritório — hoje, por acaso, vim com minha carroça (risos) —, mas é normalmente a pé que venho para o trabalho e prezo muito isso. Instalámo-nos na UPTEC também pela grande vantagem que tem esta localização. Bem, mas eu gosto imenso do Porto, é uma cidade com a dimensão certa, apesar de me ver também a viver em Cascais (risos).

Fomos com a Celeste descobrir a cidade do Porto. Olhámos para os edifícios, monumentos e espaços com outros olhos. Não fizemos as suas caminhadas de 12km como sempre faz com a sua família, mas parámos em locais que talvez nunca tivéssemos reparado que existiam. O Out of Office foi conhecer o Porto através dos olhos da Celeste Pereira.

A Celeste considera-se uma portuense, mas a verdade é que olha para a cidade com uns olhos diferentes. Um dos seus hobbies é (re)conhecer a cidade do Porto. Como é que alguém que vive já há tantos anos na cidade continua a descobrir o Porto?

Esta cidade continua-se a descobrir, porque a verdade é que nós passamos muitas vezes nas ruas mas não a vemos com atenção. Uma vez vi uma reportagem — diria aí há uns 20 anos já — sobre a cidade do Porto e sobre a arquitetura de alguns edifícios e nas semanas seguintes eu andava na rua sempre a olhar para a arquitetura de todos os edifícios (risos). Eu acho isso fascinante e tenho pena que não seja mais automático. Quem sabe até poderíamos ter uns auscultadores para andar na cidade e ao passarmos em frente a um edifício — que não tem necessariamente de ser classificado como histórico — contarem-nos algum pedaço de história ou cultura relativamente a esse espaço. A arquitetura dos edifícios tem a ver com circunstâncias da época ou com a forma como o arquiteto via a cidade e eu acho isso fantástico. Outra coisa única que esta cidade tem é a sua história. Eu quando vou para a Ribeira ou para a zona da Alfândega parece que estou a viajar no tempo. Eu ponho-me a imaginar como é que as pessoas andavam naquelas ruas, como é que as coisas aconteciam e como é que tudo se passava há muitos anos atrás. Tenho pena de não se conseguir sentir o cheiro da época até (risos)! Eu gostava de poder viajar no tempo (risos). Gostava mais de poder viajar no tempo do que no Espaço (risos).

E quando é que descobriu esta paixão diferente pela cidade do Porto?

Depois de ter feito Erasmus, principalmente. Eu terminei o programa em julho e um grupo de colegas de lá quiseram vir conhecer o Porto. Na altura achei muito curioso. Eles tinham os guias da cidade e eu comecei a lê-los. Só nessa altura é que descobri algumas coisas sobre a cidade e  apercebi-me que ainda não tinha “visitado” o Porto. Então comecei a descobrir coisas sobre a cidade que desconhecia completamente (risos) e que me tinham passado ao lado. Eu acho que a verdadeira cidade do Porto passa ao lado a muita gente.

Qual é o seu local preferido da cidade?

Claramente a Baixa do Porto, diria ali entre os Leões, Clérigos e descer até à beira-rio. Agora podemos andar naquelas ruelas todas e ainda há pouco tempo fiz esse percurso e realmente é mágico. A cidade está com uma cara renovada e muitos dos edifícios mais antigos estão bem tratados — antigamente eu ficava triste quando via o estado de degradação destes edifícios. Curiosamente só tive esse sentimento quando estive em Budapeste, porque é uma cidade cheia de história, mas os edifícios estão muito degradados. O Porto ganhou muito neste sentido nos últimos anos. O turismo trouxe este lado muito positivo, recuperarmos as nossas “casas” e o nosso património, que, mesmo que os turistas não nos visitem, está cá e é nosso.

Qual é o seu próximo passeio na cidade?

Não costumo programar muito os passeios . Normalmente, na véspera eu e o meu marido escolhemos que passeio vamos fazer no dia seguinte. No geral, tentamos fazer cerca de 12km a pé, portanto partimos de um local e vamos até onde estes 12km nos permitirem (risos).

Há alguma característica particular da nossa cidade que tenha descoberto numa destas suas visitas?

Sim, há muitas. Há algo que eu acho muito interessante e único nesta cidade que é o interior dos edifícios — Amesterdão talvez possa ser um pouco assim, também. Ou seja, nós entramos dentro de um prédio e do outro lado há sempre um grande pátio ou jardim. Eu acho isso absolutamente espetacular e estou sempre a tentar ver o que é que está do outro lado dos prédios (risos). Por exemplo, ali na Rua do Almada — que é uma rua bastante fechada com prédios e que parece que não tem nada, mas quando se consegue entrar e ver o que há do lado de lá é fantástico. Isto é uma coisa muito básica, mas que eu aprecio muito, tem a ver com a  forma como a cidade está organizada e que depende da forma de estar da sua população ao longo dos tempos.

A Celeste gosta muito de caminhar e alia este gosto ao facto do Porto ser uma cidade que se conhece bem a pé. Além disso, também faz caminhadas fora da cidade, não é?

Sim, sim. Já fizemos várias e gostava de poder fazer mais. Normalmente, até fazemos em família, mas são grupos com muita gente. Há quem faça esses trails a correr, mas nós gostamos de ir pela montanha, andar e conhecer esses sítios maravilhosos. Eu moro em Vouzela, temos lá o Rio Vouga e não é muito normal as pessoas andarem a pé junto às  margens, mas nós fizemos isso num trail organizado e, de facto, foi um grande desafio, mas com paisagens únicas e belíssimas. Isto é algo que se tem estado  a promover muito em Portugal e ainda bem.

Chegaram a fazer trails noutros locais de Portugal?

Sim, em Portugal sim. Nunca fui para o estrangeiro fazer estas caminhadas, mas tenho um amigo polaco — que é conheci através de trabalhos com a União Europeia — que me está sempre a dizer que viu em sites alguns trails portugueses e pergunta-me o que é que eu acho de alguns desses locais. Este meu colega está sempre a descobrir novos sítios e sempre que tem oportunidade de férias tentar participar neste tipo de trails. Nós fazemos apenas em Portugal, talvez pelos meus filhos só agora estarem a chegar à adolescência. Pode ser que daqui para a frente fique mais fácil irmos mais longe (risos).

E procura que estas caminhadas — no Porto ou em trails — sejam sempre momentos em família, pelo que percebi.

Sim, sim. Queremos criar momentos em família, desafiarmo-nos a nós próprios e espairecer. É um momento de partilha e de nos conhecermos melhor. Aliás, quando vejo que algum deles não está tão bem bem ou já não falamos só os dois há muito, fazemos  uma caminhada, porque é um momento só nosso em que podemos conversar e não há mais ninguém a interromper. É o chamado walk and talk (risos). Eu tinha e tenha muitas reuniões walk and talk no meu trabalho.

Tem algumas pessoas que tenham marcado particularmente a sua vida?

Tive, sem dúvida. Tive várias pessoas. Os meus pais, sem dúvida. Eu tenho sete irmãos, gosto muito disso e eles também me marcaram e marcam muito. O meu orientador de Doutoramento, o Prof. Carlos Costa, a Luísa Carvalho, o Prof. Torres Marques — que me levou para o INEGI e numa outra área de investigação —, o meu sócio e chefe na HPS, o Ernst Pfeiffer, o meus atuais chefes, o António e o Manuel, também me marcaram muito por acreditarem em mim e pela sua vontade de fazer sempre mais e diferente.

Qual foi o momento mais importante da sua vida até agora?

Tenho vários, mas eu tenho três filhos, portanto são eles. Esta resposta é simples (risos).

Há algo que ainda não fez e gostava de já ter feito?

Há, claro. Gostava de viajar mais e viajar mais com os meus filhos, por exemplo. Viajei muito em trabalho, conheci muitos aeroportos, ruas e fachadas dos edifícios apenas (risos). Conheci e conheço muita gente e gosto muito disso. Gostava de ter mais tempo para passar com a minha família e com os meus pais — quero ter tempo para estar mais com eles.

Gosta muito de viajar, já percebi. Tem alguma viagem de sonho?

Não tenho como viagens de sonho ir para as Maldivas ou locais tropicais (risos), mas gostava, por exemplo, de ter um mês inteiro para visitar os Estados Unidos da América. Visitar, mas conhecer mesmo. Já conheço muitos países europeus, mas os Estados Unidos intrigam-me.

Eu gosto de estar no avião e de regressar a casa, não apenas porque vou encontrar a minha família, mas também porque o a cidade do Porto é a minha casa.

Qual é a sua cidade preferida? Esta pergunta é fácil (risos).

Hmmm, é o Porto. Eu gosto muito do Porto. Gosto de Leiden (Países Baixos) e Munique (Alemanha), mas claramente o Porto é a minha cidade. Eu gosto de estar no avião e de regressar a casa, não apenas porque vou encontrar a minha família, mas também porque o a cidade do Porto é a minha casa.

Qual é a palavra que mais gosta?

Hmmm, é obrigada. Digo muitas vezes.

Qual é o seu maior defeito?

Quando gosto de algo, falo muito disso (risos).

E qualidade?

Acho que sou muito determinada. Eu não desisto facilmente. Enquanto as coisas ainda não estão feitas, eu tento e tento também motivar os que estão à minha para conseguirmos lá chegar.

Share Article