Gonçalo Azevedo: “Não podes pôr os ovos todos no mesmo saco – ou é muito arriscado fazê-lo. O saco, que é uma startup, é muito instável.”

Gonçalo Azevedo tem 32 anos, é engenheiro eletrotécnico e fundou a HealthyRoad. Como se uma empresa não desse trabalho suficiente, criou outra startup e ainda uma associação desportiva. Faz surf, canyoning, enduro, escalada e churrascos com amigos. O Monteiro é o colega de trabalho que o faz mudar de ideias nos negócios, mas foi a Célia que lhe deu a volta ao coração. Hoje podes conhecer o Gonçalo no Out of Office.

Gonçalo, conta-nos um bocadinho da história da HealthyRoad.

A HealthyRoad (HR) começou em março de 2013. O Filipe Oliveira – um dos sócios –  teve a ideia e convidou-me a mim e ao Monteiro para começarmos a desenvolvê-la. Entretanto, ainda em março, entramos na Escola de Startups da UPTEC e estivemos até setembro a trabalhar nas empresas onde estávamos, mas com o projeto da HR em paralelo. Em setembro, lembro-me perfeitamente, o Oliveira foi a um investidor pedir capital e o gajo disse “Achas que eu vou investir na tua startup quando tu nem os teus outros sócios consegues trazer a esta reunião?”. Então aí tivemos de decidir “ou é ou não é”. Em novembro, começamos a trabalhar na HR e a desenvolver o projeto do zero. Na altura tínhamos apoio do Estado com os Passaportes para o Empreendedorismo, portanto de novembro a agosto tínhamos dinheiro. Só que em agosto acabou o dinheiro. Em julho, começamos a preparar essa falta de dinheiro e eu fui para o Startup Chile, onde conseguimos um investidor que nos deu dinheiro para andar para a frente. Entretanto, a HR deu muitas voltas…. Tentamos apostar no mercado da segurança, mas não correu bem. Voltamos depois a focar novamente no mercado automóvel, fizemos uma app e isto andou para cima e para baixo montes de vezes. Chegamos a 2017 com a corda mesmo ao pescoço, porque não tínhamos dinheiro, mas aconteceu aquilo pelo que lutávamos há três anos: começar a trabalhar com a Bosch. Tínhamos decidido fechar a empresa em fevereiro, mas eu recebo uma chamada a dizer que possivelmente existiria negócio com a Bosch e em maio sou contactado pela própria Bosch a dizer que poderá haver uns fundos para nós. E, finalmente, conseguimos isso.

A verdade é que, apesar de todas essas voltas, a HR não é a tua única empresa. Fala-nos acerca do teu outro projeto: o Happies.

Em 2017 e como a HR estava meia em “águas de bacalhau”, surge outro projeto. A minha namorada é terapeuta da fala e ela já tinha tentado desenvolver um projeto com uma amiga que envolvia software – que não correu bem – e eu achei que havia ali espaço para começar a desenvolver o Happies. O Happies tem como objetivo desenvolver uma app de motricidade orofacial para melhorar o desenvolvimento das crianças. Basicamente, a criança treina movimentos específicos de língua, lábios e bochechas, para que depois isso ajude na fala, alimentação e muito mais. Começamos em 2017 muito em part-time e lançamos em… não me lembro (risos). Vá, foi em julho de 2018 mais ou menos. Como tu estás a fazer aquilo em side project, as coisas não andam tão rápidas como tu queres e por isso demorou a ser lançado. O Happies, no fundo, é tu juntares uma equipa técnica – elas (a namorada e a amiga) são muito boas na parte técnica, porque são duas terapeutas da fala – e uma equipa de desenvolvimento de produto. Foi aliar estas duas partes e o Happies começou a andar.

E hoje? Como está a HealthyRoad agora passados estes anos?

Na HR temos um parceiro nos EUA e estamos a continuar a tentar levantar capital para desenvolver para o mercado automóvel e evoluir os nossos algoritmos. Neste standby, estamos a fazer serviços para vários clientes – já não é só a Bosch – de visão computacional, isto é, a HR tem um know how de visão computacional e inteligência artificial  que aplica a processos de qualidade e controlo. Tens uma peça qualquer e ao invés de teres um humano a fazer uma tarefa repetitiva durante oito horas, tens uma máquina. E é nisso que temos trabalhado agora. É uma forma de ganhar dinheiro, para depois podermos investir esse mesmo dinheiro novamente no que é a HR em si.

Contaste que a HR já passou por muitos altos e baixos, assim como períodos muito conturbados. Quando pensaste em criar o Happies tiveste alguma espécie de second thoughts por causa daquilo que já tinhas experimentado na HR?

Bem… Tu pensas sempre nos riscos e se olhares ali para o vidro aquilo é uma cena diferente. Os projetos ou as ideias estão sempre a aparecer, depende do timing e do teu interesse por aquele mercado. Sabes sempre que há risco, mas uma coisa que eu aprendi na HR foi: tu não podes pôr os ovos todos no mesmo saco – ou é muito arriscado fazê-lo. O saco, que é uma startup, é muito instável. Este saco tem montes de ovos no início do ano e a meio do ano pode ter zero ovos. A renda da casa não é flexível, portanto tens de ter um income mensal mais ou menos estável, para conseguires ter a tua vida mais ou menos estável. Apostares só numa startup é bom, mas também é arriscado. Por isso, eu acho que é bom tu teres um side project que a certa altura podes acelerar, que é o que acontece com o Alinhas, por exemplo.

Além da HR e da Happies, ainda há o Alinhas…

Sim, o Alinhas é uma associação que organiza atividades desportivas, mas ninguém vive daquilo. Começamos em 2009 a fazer atividades, mas registamos em 2011. E eu sei que se a HR der para o torto, eu consigo acelerar o Alinhas para ter income. Essa é uma alternativa válida para, caso aconteça alguma coisa, teres uma receita durante seis meses ou um ano. O Happies é exatamente a mesma coisa, só que arrancares uma startup demora muito mais até tu estabilizares. Por isso, acho que deves ter sempre side projects, a não ser que o primeiro projeto seja muito grande e muito estável. Pelo menos é a estratégia que eu estou a adotar agora.

Qual é a tua maior dificuldade ao criar uma empresa?

Eu acho que toda a gente te vai responder isto: equipa. É muito difícil tu recrutares bem. Tu não tens o conhecimento de tudo, percebes um bocadinho de tudo, mas não tens uma equipa de psicólogos a fazer a avaliação dos teus próximos colaboradores. O que nós precisamos de recrutar, a maior parte das vezes, são developers e, só aqui neste edifício, há montes de empresas a precisar de developers também. Primeiro, existe uma competição grande. E depois, se pensarmos bem, neste momento há duas pessoas na HR, o que significa que se eu recrutar mais alguém, essa pessoa vai representar um terço da empresa. Portanto, ou é muito parecido connosco ou nós temos de mudar muito os nossos hábitos. É muito difícil encontrares uma pessoa que encaixe bem nesta equipa. Quando começas a crescer, cada elemento deixa de ter tanta importância, mas no início é muito importante recrutares as pessoas com quem tu consegues trabalhar e beber finos no final da tarde (risos).

“Da primeira vez que fomos a São Francisco, a “Meca” das startups, na primeira reunião dizem-nos: “Vocês vão morrer a tentar fazê-lo”.”

Qual é a maior vantagem de ter uma startup?

Numa startup há uma coisa muito gira que é: de manhã estou a fazer material de comunicação, à tarde estou a fazer financeiro – que não gosto –, amanhã estou a apoiar o desenvolvimento de software e hardware e depois estou a discutir com o Bob (o investidor) a estratégia para a capitalização da empresa. Tens de ir a reuniões, fazer pitch, tens de fazer tantas coisas diferentes… E eu acho que é isso que é interessante! Aprendes muitas coisas e ficas um conhecimento muito alargado. Além dos desafios que são constantes.

Tens alguma história que tenha feito mudar o rumo da HR?

Vou-te dar um exemplo da primeira vez que fomos a São Francisco, a “Meca” das startups, na primeira reunião dizem-nos: “Vocês vão morrer a tentar fazê-lo”. Como é que tu sais daquela reunião? Era a primeira! Faltavam ainda 18. Depois pensas na razão que o fez dizer aquilo e fazes um shift para as outras reuniões todas. O meu pitch da primeira reunião é completamente diferente do pitch que fiz no final das 19 reuniões.

Nós também costumávamos dizer que fevereiro era um mês fatídico para a empresa, acontecia sempre alguma coisa nesse mês. Havia sempre alguma coisa que nós mudávamos e mudávamos drasticamente. Talvez por fazermos um balanço anual, não sei.

Diz-me um objetivo a curto e a longo prazo para a HR?

A curto prazo? É fechar o contrato com a Bosch para um ano e meio – é esse o grande objetivo. A longo? levantar capital para isto e fazer uma app.

Não te quero assustar, mas fevereiro está a chegar outra vez (risos).

Em fevereiro de 2017, por exemplo, decidimos fechar a empresa. Em 2016… não me lembro bem. Tivemos um fevereiro em que trocámos a equipa toda e lembro-me de conversar com o Monteiro e dizer-lhe “Olha, vais ficar sem equipa, mas não te preocupes. Tu vales por eles todos!” (risos). No entanto, em março já tínhamos mais gente do que tínhamos em janeiro. Não sei porquê, mas fevereiro é sempre uma data difícil para nós. Em 2019, fevereiro deve ser estável, pelo menos eu acredito nisso.

“Eu acredito claramente na gestão por objetivos e não pelo tempo que passas sentado na cadeira.”

Gostava de perceber como é que é o teu dia-a-dia, mas parece-me que todos os teus dias são bastante diferentes. Por isso, como é que uma semana da tua vida?

Eu e o Monteiro falamos muito sobre as tarefas que cada um tem para fazer e definimos um plano semanal. Nós sabemos exatamente o que há para fazer e discutimos onde é que precisamos um do outro. A minha prioridade é sempre não atrasar o Monteiro, porque o que nós vendemos é desenvolvimento de software. Eu acelero as minhas tarefas todas para poder dar resposta ao que ele necessita. Tipicamente, à segunda-feira falamos um bocadinho da semana e todos os dias, de manhã e depois do almoço, tomamos um café e vemos o que é que aconteceu e como é que estão os projetos. Às terças tenho sempre reunião do Alinhas, tenho algumas reuniões, bastantes Skypes… a maior parte das coisas são feitas online. E normalmente a semana começa de calendário livre e termina uma salgalhada. Eu nunca consigo prever exatamente a minha semana ou a semana seguinte.

De Verão a minha semana é muito diferente do Inverno. De Verão, ao final da tarde há surf e ao fim de semana há canyoning ou outras atividades. No Inverno é diferente: surf ao sábado ou domingo de manhã e à hora de almoço. Se estiver mau tempo vou para o meio do monte andar de mota.

Mas eu acredito claramente na gestão por objetivos e não pelo tempo que passas sentado na cadeira, porque podes passar 8 horas na cadeira a fazer nada. Portanto, é muito mais fixe tu teres objetivos e se gostas mais de programar às 16h00 fazes a essa hora e de manhã ficas a fazer desporto. Desde que chegues ao final da semana e o trabalho esteja cumprido, perfeito!

E já que o surf está sempre presente na vida do Gonçalo, fomos até Matosinhos passar a hora de almoço na água.  No caminho até lá, ficamos a perceber melhor quem é o Gonçalo fora do escritório.

Gonçalo, qual é a tua típica sexta-feira depois de saíres do trabalho?

De Verão, quase de certeza que vou surfar e depois vou com a malta lá para casa e fazemos um churrasquinho. É quase sempre isso. E não bebemos álcool nenhum! (risos)

No Inverno, como eu sei que vou acordar cedo no sábado – porque sempre que vais andar de mota no monte tens de estar às 8h30 em Valongo –, é mais tranquilo. Tipicamente, chegar a casa, fazer o jantarzinho e Netflix.

Quando eras criança, o que querias ser quando fosses grande?

Não faço ideia. Lembro-me que na altura do secundário e faculdade queria ser como o meu pai: engenheiro eletrotécnico. Quando era puto lembro-me dos meus pais dizerem que, quando fomos ao Mónaco de férias, eu estava à frente do casino a dizer: “Mãe, eu quero ser arrumador de carros, mas aqui no Mónaco.”

Qual é o teu maior defeito?

Opá, não sei… Ser muito organizado (risos). Não, estou a brincar. Sou casmurro. Isso é mau em muitos casos. Uma coisa que funciona bem entre mim e o Monteiro é: eu sou muito casmurro e ele é muito bom a dar-me a volta, por isso é que a equipa funciona muito bem. E se perguntares à Célia o meu defeito, acho que ela te vai responder a mesma coisa.

E uma qualidade?

Eu acho que todos os empreendedores têm uma qualidade: a forma como medimos o risco e a disponibilidade que temos para trazer mais risco para a nossa vida. Todos temos uma capacidade de assumir riscos superior ao normal, mas que te permite fazer coisas diferentes.

“Uma coisa que funciona bem entre mim e o Monteiro é: eu sou muito casmurro e ele é muito bom a dar-me a volta, por isso é que a equipa funciona muito bem.

Qual foi o acontecimento na vida que mais te marcou?

Sabes que eu não penso muito na vida… Não planeio muito, o que é bom e mau. Por um lado, não tenho o que medir, mas por outro vivo mais tranquilo. Bem, momentos marcantes na minha vida… Aquela reunião em São Francisco nunca mais me vou esquecer, por exemplo.

E lembro-me de duas conversas míticas com a minha mãe e com o meu pai. Na altura eu trabalhava numa consultora e naquele ano subi para sénior, aumento de salário e tive o prémio maior do meu grupo. Recebo essas melhorias todas e decido despedir-me. E lembro-me da minha mãe, num jantar, a dizer: “Mas tu agora vais ter isto e aquilo e vais estar muito melhor na vida…” e eu respondi: “Mãe, deixa-me viver.”. Eu já não estava a aprender nada na empresa e queria mudar. Fui para um sítio a ganhar muito menos e longe – implicava arrendar casa –, portanto as minhas finanças iam ficar muito pior. Essa conversa foi crítica, mas expliquei-lhe que era mesmo o que queria fazer.

A outra conversa foi quando cheguei ao final do primeiro ano de faculdade e tinha feito duas cadeiras em doze. Os meus pais perguntaram-me como tinha corrido o ano e eu respondi que tinha sido melhor que o Zé, o Manel e o Antunes e que tinha feito duas cadeiras em doze. Depois de perceberem que eu tinha reprovado, o meu pai disse-me “Se para o ano tu não passas, vais trabalhar!” e acabou ali a conversa. Basicamente, o meu pai alinhou a minha cabeça e percebi que aquele era o meu trabalho e tinha de estudar.

Qual é a primeira coisa que fazes quando acordas?

Pegar no telemóvel. Vejo as 40 mensagens que já tenho para lá no Whatsapp e vejo os emails.

Qual foi a última fotografia que tiraste com o teu telemóvel?

Foi no domingo, no peddy paper que fizemos no Alinhas.

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