Telmo Martins: “O pior que nos podia acontecer era tornarmo-nos repetitivos e previsíveis.”

O Telmo Martins é um dos founders da Miew, é jogador e diretor do Hóquei Clube Santa Cruz e guitarrista dos Blind Charge. Nasceu no Porto, tem 35 anos e depois de uma incursão pela Engenharia Eletrotécnica, estudou Cinema e Audiovisual na ESMAE. É extremamente organizado, persistente e quer estar sempre a par do que está a sair. É uma pessoa de rotinas certas e quer viajar até à Islândia com uma câmara fotográfica.

O que é a Miew? O que é que vocês fazem por lá?

A Miew é um estúdio criativo, que trabalha essencialmente em três vertentes: brand, product e marketing. Nós dividimos assim para conseguir separar melhor os projetos que nos chegam e a forma como nós os trabalhamos. No brand nós criamos novas marcas, planos de comunicação e tudo o que esteja relacionado com brand management. No product criamos soluções para os problemas dos clientes, principalmente no desenvolvimento de software, web, entre outras coisas. E no marketing é lançamento de campanhas, principalmente. Não fazemos só as marcas, trabalhamos a marca toda até ao mercado e depois fazemos esse trabalho de acompanhamento. No fundo, testas, adaptas, voltas a fazer, testas, adaptas…

Quando é que surge a Miew?

Na realidade, a Miew surge em 2009 como marca. Não tinha era a estrutura que tem atualmente.

E, então, como é que começa “esta” Miew? Como é que os caminhos dos quatro founders se cruzam?

Vou tentar fazer cronologicamente (risos). Eu conheci o Orlando no mundo das bandas. Ele tinha uma banda, eu também tinha e tocamos algumas vezes juntos – a partir daí criamos uma amizade. Um dia eu estava na faculdade e ele também estava lá (risos). E fomos criando um laço forte. Entretanto, ele sai da faculdade e funda uma agência de design – que era a Miew. Eu continuei na faculdade onde conheci o André, que é o outro founder. Na altura ficamos muito amigos, porque fizemos o nosso projeto de curso juntos e então passávamos mais tempo juntos do que com as nossas namoradas (risos). E quando acabou o projeto, decidimos criar uma agência mais focada na produção de vídeo e conteúdos – isto foi em 2010. O Ricardo conheci já há uns anos largos, porque eu parava no café do pai dele e, aliás, eu também passava mais tempo lá do que em casa (risos). Criei também um laço muito forte tanto com ele, como com o pai. O Ricardo estava num projeto de desenvolvimento de software e videojogos nessa altura. E depois foram coincidências…. Começámos a precisar uns dos outros, a colaborar sempre e quando demos conta estávamos todos os dias no mesmo escritório com as mesmas pessoas (risos). Nessa altura estávamos a trabalhar para a Miew, mas num registo diferente. Houve também uma série de saídas da empresa e foi aí que nós os quatro nos juntámos e percebemos que a nossa visão era muito próxima. Apesar dos backgrounds muito diferentes de cada um – o Orlando fez Cinema e Audiovisual, mas veio de Desporto; o André teve em Psicologia e foi militar durante anos –, isto deu-nos um outro estofo para o tipo de soluções que nós queríamos encontrar. E como a visão dos quatro era muito próxima, percebemos que fazia sentido reestruturar e criámos a Miew como ela existe hoje.

Esta é uma forma bastante curiosa de fundar uma empresa, porque normalmente há uma ou duas pessoas que têm uma ideia e depois vão trabalhando nisso.

No fundo, nós todos tínhamos uma ideia, mas cada um trabalhava sozinho nessa mesma ideia. Depois é que percebemos que a ideia era a mesma. Eu acabei por o ponto comum entre todos para os ligar numa primeira fase, mas tinha tudo a ver com a nossa visão comum.

A Miew começa, então, com os quatro founders e depois foi crescendo a equipa?

Somos quatro founders, mas temos mais duas pessoas que estão connosco desde o início do projeto e ainda fazem parte da equipa.

E quantas pessoas tem a vossa equipa neste momento?

Somos 15. E já é uma luta engraçada ao final do mês (risos).

Vocês integraram a UPTEC em 2016, mas antes de virem para cá estavam num local que muito pouca gente associa a trabalho (risos).

Sim, sim. Os nossos escritórios eram nas Galerias de Paris, na Baixa. O escritório era espetacular e até às 17h00 trabalhavas relativamente bem (risos), porque depois dessa hora havia sempre coisas a acontecer por lá. Nós gostamos disso, mas eu prefiro estar aqui e apanhar o metro para ir beber um fino. O foco é diferente. Antes disso, estivemos ainda em Leça da Palmeira mesmo junto à praia. Levámos calções, toalha e chinelos no primeiro dia e dissemos que íamos sair do trabalho e íamos diretos para a praia. Sabes quando é que isso aconteceu? Nunca (risos). Nunca aconteceu.

Qual foi o momento mais marcante da história da Miew?

Opá, o momento mais marcante eu diria que foi mesmo quando decidimos passar isto para o papel e começámos a reestruturar-nos definitivamente. Na altura, ficamos um pouco abalados com a saída de alguns elementos da equipa. Nós sabíamos que tínhamos uma visão, mas havia aquele receio natural de avançar. Depois percebemos que estávamos alinhados, que tínhamos um sonho, que conseguíamos valorizar-nos e abraçámos este projeto e sentimos que ia correr bem. Esse foi, diria eu, o momento mais marcante.

E isso foi quando, Telmo?

Foi mais ou menos na altura em que nós entrámos para a UPTEC, em 2016.

Tiveram alguma fase menos boa ou complicada de gerir durante o vosso percurso?

Hmmm, eu acho que a fase mais difícil foi mesmo essa. A reestruturação foi difícil, apesar de estarmos todos bem alinhados.

“Numa fase em que tu não estás a ter lucro, o que acontece é que primeiro dás para a tua equipa e se sobrar alguma coisa, ficas com isso. Nós é que levámos com as pedras.”

Há alguma pessoa que vos tenha marcado e ajudado muito nestes anos?

Nós sempre autofinanciamos o projeto. Nunca pedimos nenhum tipo de apoio. Há uns anos nós dizíamos: “Se não fossem os nossos pais nós não estávamos aqui.” (risos). Não é que eles financiassem o projeto, mas financiavam-nos a nós. Numa fase em que tu não estás a ter lucro, o que acontece é que primeiro dás para a tua equipa e se sobrar alguma coisa, ficas com isso. Nós é que levámos com as pedras. Durante algum tempo foi assim e tivemos muita gente da equipa que nos marcou, porque sentia essa dor connosco. Mesmo não sendo founders diziam: “Estou aqui, eu acredito em ti e acredito que vais levar isto a bom porto.”, inclusive algumas pessoas que já não fazem parte da equipa e que nos acompanharam em noitadas e noitadas. De repente, dávamos conta e estávamos a tomar o pequeno-almoço de direta no Portinho (risos). Onde toda a gente bebe o hidromel, estávamos nós de manhã a comer torradas e a beber meia de leite (risos). Essas pessoas marcaram-nos muito e sempre demos muito valor a essa malta.

E as coisas só funcionam quando a equipa funciona, não?

Sim, sim, sem dúvida. É tudo uma questão da cultura da empresa e nós trabalhamos muito isso. Quando nós sentimos que as pessoas vestem também a camisola… E quando eu sinto que aquela pessoa acredita em mim, a minha responsabilidade é maior e isso faz com que eu trabalhe o dobro ou o triplo. Para nós, o fator determinante é a equipa e a cultura da nossa empresa.

O que é que tu mudavas na Miew?

Mudar? Mudar talvez não seja a melhor palavra. Prefiro evoluir. Nós estamos sempre em constante evolução e há sempre muita coisa a evoluir. Quem trabalha nisto da criatividade e tecnologia tem de estar sempre a par do que está a sair.

E objetivos? Dá-me um objetivo vosso a curto-prazo.

Precisamos de um UX/UI e um front-end (risos). Isso é urgente! Além disso, a curto ou médio-prazo talvez melhorarmos os nossos processos internos. Na realidade, cada um de nós tem a sua formação, mas nenhum de nós veio de gestão. Nós somos criativos e essa parte de gerir uma empresa, ninguém te ensina. Vais estudando muito, falando com muitas pessoas e até lês montes de livros acerca disso e depois tens de adaptar à tua realidade… Por isso, diria que essa gestão é sempre um processo evolutivo.

“Queremos mesmo dar cartas no mercado internacional e estamos a trabalhar para voos maiores para «alavancar a firma», como costumamos dizer na brincadeira .”

E a longo-prazo?

Temos alguns parceiros internacionais, mas queremos apostar mais nisso. Queremos mesmo dar cartas no mercado internacional e estamos a trabalhar para voos maiores para “alavancar a firma”, como costumamos dizer na brincadeira (risos).

Qual é o grande desafio de um estúdio criativo como a Miew?

Eu acho que é aquilo que falávamos há pouco: a constante evolução. É nunca nos tornarmos previsíveis. Assusta-me muito isso e acho que é daquelas coisas que nos iria tirar o sono à noite. Se soubermos que um cliente quer uma coisa, toda a gente espera essa coisa e nós fazemos essa mesma coisa, não vamos conseguir dormir de noite (risos). Nós gostamos de discutir sobre tudo e até reunimos a equipa toda para falar de um pequeno detalhe. O pior que nos podia acontecer era tornarmo-nos repetitivos e previsíveis.

Para conhecer o Telmo, fomos até ao Pavilhão de Santa Cruz ver um dos treinos do Hóquei Clube Santa Cruz, clube onde joga e “faz um pouco de tudo”. O hóquei sempre fez parte da família e até se juntavam para ver os Mundiais. Aos 13 anos, começou a tocar guitarra com o primo e, pouco tempo depois, surgem os Blind Charge.

Além da Miew, tu tens uma grande paixão pelo desporto. Como é que o hóquei em patins surge na tua vida?

Surge muito cedo, porque toda a minha família tem tradição no hóquei. O meu pai e os meus tios são de Santa Cruz do Bispo. O meu pai está a 50 metros do pavilhão, o meu tio foi uma das pessoas que ajudou a trazer o hóquei para o clube… Por isso, foi natural que com 4 ou 5 anos me pusessem a andar de patins e, de repente, estava a jogar hóquei. A minha família tem essa tradição: conforme a malta se junta para ver os jogos do Europeu em futebol, na minha família juntamo-nos para ver os Mundiais de hóqueis em patins. Eu lembro-me de ser pequeno e estarmos todos na sala da minha avó a ver o Mundial de hóquei. Os meus tios e tias jogaram e tenho também uma série de primos a jogar.

Desde essa altura que tens jogado sempre?

Ora, eu comecei a ter jogos aí por volta dos 6 anos, mas não joguei sempre até agora. Tive aí uns tempos em que estive parado, naquela fase em que precisei de dar mais tempo à Miew… Estive uns 6 ou 7 anos sem jogar.

Conta-nos um bocadinho da tua carreira enquanto jogador de hóquei.

Eu comecei no Hóquei Clube Santa Cruz e joguei lá durante vários anos. Depois fui jogar para o Clube Hóquei dos Carvalhos e a seguir fui para o Lavra, que é o principal rival do Santa Cruz (risos). É uma rivalidade engraçada. Ainda estive outra vez no Santa Cruz, antes de ir jogar para o Alfena. Depois parei de jogar e agora regressei.

Regressaste para ajudar a renascer o Hóquei Clube Santa Cruz, não foi?

Sim, sim. O clube estava fechado. Isto começou quando nós fizemos uma surpresa a um amigo que está fora a trabalhar –  e quando ele cá vem fazemos sempre umas jantaradas – e pensámos que seria fixe fazermos um jogo de hóquei com ele. No final do jogo ficamos todos a pensar “isto está fechado, mas podíamos abrir isto…” e ficou aquela ideia no ar. Entretanto, eu e mais dois amigos decidimos avançar.

Tinhas pouco trabalho na Miew, por isso decidiste começar outro projeto (risos).

Sim, sim (risos). É para ser da direção agora, vamos lá então. E agora sou Presidente da Mesa da Assembleia Geral ou qualquer coisa assim (risos). Regressei também aos seniores e agora estou nos veteranos, mas ainda com um pé nos seniores. Sou mais veterano agora, já não tenho físico para ser sénior (risos).

E como é que tu eras enquanto jogador? A tua carreira foi engraçada?

Opá, sim, sim. Os meus pais sempre me incutiram que eu não devia levar aquilo demasiado a sério. Ser competitivo, mas não levar demasiado a sério. São coisas bem diferentes e eu nunca quis fazer daquilo vida. Nunca fui chamado à seleção, obviamente, mas acho que para a forma como eu encarava o hóquei, fui um jogador razoável (risos). Não era ótimo, mas não era mau (risos).

Além disto, tu és músico… Como é que isto aparece na tua vida?

Eu toco guitarra e isto surgiu com o meu primo – que é o Diretor de Som da Miew e que está no projeto desde o início. A minha tia tinha uma guitarra em casa e nós com 13 ou 14 anos começámos a aprender a tocar guitarra. Sempre muito autodidatas, sem internet, sem nada (risos).

E depois daí surgiu uma banda…

Sim, desde que começámos a aprender que tínhamos essa ideia de formar uma banda. Opá, e acho que escolhemos as pessoas certas para isso. Eu diria que os meus melhores amigos também estão ali. Tenho bons amigos noutros lados, mas acho que os mais próximos são mesmo o pessoal da banda. Há uns dias fizemos 17 anos de banda… E eu tenho 35! Já é uma história considerável!

Qual é o nome da tua banda? O que é que tocam?

Blind Charge. Tocamos rock alternativo e sempre definimos que queríamos tocar originais. Podemos não ser os maiores instrumentistas do mundo, mas aquilo que fazemos só acontece, porque somos nós os quatro. Se fossem outros quatro seria, com certeza, diferente.

E como é que tu consegues gerir o teu dia-a-dia?

Olha, com pessoas à tua volta que te apoiam muito – família, amigos e principalmente a namorada, claro (risos). É complexo gerir tudo isto. Eu tento assumir o compromisso de ir até um determinado ponto e mais do que isso eu não posso fazer. Se as coisas puderem ser assim, ótimo; se não puderem, eu prefiro não abraçar o projeto. Sempre pus estas condições, mas obviamente que a prioridade sempre foi a Miew. No entanto, consigo todas semanas ensaiar, treinar, ir aos jogos… Cada uma destas coisas me faz falta. Por exemplo, eu se estiver duas semanas sem fazer desporto, começo a disparatar para todo o lado; se tiver algum tempo sem estar com a banda ou sem tocar guitarra… Isso tudo são coisas que me preenchem.

Tens alguma pessoa que tenha marcado muito o teu percurso de vida?

Tenho, sem dúvida. Os meus pais foram fundamentais em todos os aspetos da minha vida.

E passados estes 35 anos, qual é a coisa que mais te arrependes?

Acho que não tenho uma coisa só. Tenho várias coisas que talvez não tivesse feito. Não tenho nada muito grave que me arrependa… Eu não acho que as coisas que fiz foram sempre as melhores opções naquela altura, como algumas pessoas dizem. Eu arrependo-me das coisas e aprendo com isso. Não tenho um arrependimento gigante de nada, mas tenho vários (risos).

“À sexta-feira eu quero é ir para casa e que ninguém me dê na cabeça.”

No pouco tempo livre que tens, o que é que gostas de fazer? O que fazes à sexta-feira à noite, por exemplo?

À sexta-feira eu quero é ir para casa e que ninguém me dê na cabeça (risos). É o meu dia de descanso e que aproveito para relaxar. Eu quando tenho coisas à sexta à noite acaba por me «estragar» o fim de semana, mas se me deixarem descansar já fico melhor para sábado e domingo (risos). Mas o que gosto fazer é algo relacionado com estas coisas… Tudo o que seja tocar um bocadinho, ter um jogo de hóquei, estar com os amigos… é por aí.

Qual é o teu maior defeito?

Talvez dizer que não muitas vezes. Eu sou uma pessoa extremamente organizada – obsessiva até (risos) – e quando sinto que alguma coisa me sai um bocado à rotina digo logo que não e só depois é que penso sobre isso. Mas já estou a tentar melhorar isso (risos).

E uma das tuas qualidades?

Ui, não sei. Não faço ideia. Prefiro que sejam os outros a dizer isso sobre mim (risos). Opá, não digo que seja a minha melhor qualidade, mas a característica que eu gosto mais é a minha persistência. Eu até baixar os braços em alguma coisa… é uma luta complicada (risos).

Qual é a última coisa que fazes antes de ir dormir?

Pôr o despertador para o dia seguinte (risos). Não, eu acho que o meu último instinto é ir ao telemóvel ver se há mais alguma notificação – sou um maníaco das notificações. Se tiver lá alguma coisa, tenho de ir ver.

E de manhã? O que é que fazes mal acordas?

Digo “bom dia” à minha namorada. E depois vou ao telemóvel ver as notificações (risos). Atenção que depois disto tenho os meus rituais. Levanto-me e faço sempre as mesmas coisas da mesma forma (risos).

Diz-me três coisas que gostavas mesmo de fazer na tua vida.

Gostava de fazer uma grande viagem à Islândia com uma câmara fotográfica e um bom leitor de MP3. É um dos meus sítios de eleição e é uma coisa que quero mesmo fazer. Hmmm, além disso é casar e ter filhos, claramente. Aí tens três que quero fazer na minha vida (risos).

Share Article