Júlio Martins: “O maior valor de criar uma empresa é a possibilidade e o potencial que tens de construíres o teu próprio futuro.”

O Júlio Martins tem 43 anos e nasceu em Santa Maria de Lamas, onde viveu até há pouco tempo. Estudou Engenharia Mecânica na Faculdade de Engenharia da U. Porto – ainda na Rua dos Bragas – e nutre um especial carinho pela Universidade do Porto. Criou a Everythink com o João, por causa de um desafio lançado antes de terminar o curso. O rock, a música e os The Face sempre fizeram parte dele e foi no Orfeão Universitário do Porto que viveu uma parte importante da sua vida.

O que é a Everythink?

Nós costumamos dizer que gostamos de pensar coisas que não existem. Já nos compararam – numa daquelas visitas habituais que a UPTEC nos proporciona e que temos o gosto de receber – a Deus, porque somos criadores (risos). E, no fundo, somos um bocadinho isso, mas sem a pretensão religiosa, obviamente (risos). O que fazemos aqui na Everythink é, a partir de um determinado desafio – que pode ser melhorar ou criar um serviço/produto –, um processo de olhar para as pessoas, perceber quais são as necessidades, desafios e dificuldades delas, percebermos quais são as tendências do mundo e mercado, e gerar um conceito que seja materializado através do design, da engenharia, de prototipagem… e entregamos ao cliente uma prescrição, que pode ser sob a forma de um relatório com um conjunto de resultados, pode ser informação, dados, uma orientação, um desenho de um serviço ou produto.

Como é que surgiu esta ideia? Como é que tudo começou?

A empresa foi criada em 2008 – e nós já estamos na UPTEC desde fevereiro de 2007. A empresa surge através de um desafio que nos foi colocado na Faculdade de Engenharia da U. Porto – e daí também a nossa forte relação tanto com a Faculdade de Engenharia, como com a Universidade do Porto – pelo Professor Torres Marques, de uma forma extracurricular. O desafio era experimentar materiais compósitos no fabrico de instrumentos musicais. “Como é que poderíamos usar fibra de carbono para produzir um instrumento musical?” era a pergunta que tínhamos de responder. Os alunos juntaram-se e fomos aprendendo sobre acústica, a interferência das características dos materiais no som dos instrumentos musicais, fomos testando e validando o processo. E chegamos ali a uma altura – já quando estávamos praticamente a terminar o curso – em que eu e o João, o meu sócio na Everythink, começamos a falar sobre como é que ia ser a nossa vida dali para a frente. Já tínhamos experimentado criar alguma coisa, achamos fascinante o processo de criação, de design e começamos a acompanhar empresas que faziam o mesmo lá fora e percebemos que não havia nada cá em Portugal que fizesse isso. Então percebemos que era isto que queríamos fazer e decidimos que queríamos aproveitar aquela oportunidade de criar coisas. Nós mantivemos o projeto dos instrumentos musicais, que é a marca AVA, e começamos a fazer projetos para muita gente e empresas.

E assim surge, na altura, a IDEIA.M.

A IDEIA.M era o nome do projeto que nós tínhamos na faculdade e que quer dizer Investigação e Desenvolvimento de Instrumentos e Acessórios Musicais (risos). Não tem propriamente que ver com ideia, mas também fizemos com que o acrónimo se ajustasse com o termo ideia, obviamente. Por isso, quando criamos a empresa, em 2008, adotamos esse nome. A marca AVA surge mais tarde em 2011 ou 2012.

Tu e o João, o teu sócio, conheceram-se na faculdade?

Sim, sim. Éramos colegas de curso, mas de anos diferentes, e não nos conhecíamos até o projeto dos instrumentos musicais. Só nos conhecemos por causa deste projeto… e a partir daí é história (risos).

A Everythink já tem alguns anos e, obviamente, já tem também alguma história. Quais são os momentos-chave do vosso percurso até aqui?

Há alguns desafios que foram muito relevantes para nós. O primeiro que me recordo foi quando respondemos de forma positiva ao desenvolvimento de um avião – esse é talvez o projeto mais fora da caixa (risos). E nessa altura passamos dos miúdos dos instrumentos musicais para a empresa que estava a projetar um avião. Isso reposicionou-nos e o facto de termos conseguido colocar um avião a levantar, circular e aterrar em segurança deu-nos muita confiança, mostrou que éramos capazes e que não estávamos a brincar. A própria evolução da tipologia dos clientes também foi interessante: cada vez maiores, cada vez mais relevantes e importantes no panorama industrial português. As próprias startups que nos abordavam para projetos já eram mais maduras, mais evoluídas… A evolução dos nossos clientes é também um ponto importante da nossa história. Um outro ponto marcante para nós foi o primeiro iF Design Award que recebemos com o violino e, no ano seguinte, recebemos outro com o produto que, costumo dizer, “mais dentro das casas das pessoas está”, que é router que desenvolvemos para a NOS.

Acredito que também já tenham passado por fases menos boas... Há alguma que recordes particularmente?

Felizmente, nunca tivemos assim nada… Nós nunca ficamos perdidos. O nosso crescimento foi sempre orgânico, não tivemos financiamento, nem deadlines – a não ser os de projeto (risos). As dificuldades principais são mesmo gerir o projeto em si, mas isso é o nosso trabalho. Há desafios do dia-a-dia como motivar a equipa, gerir a liquidez, angariar clientes, escolher as pessoas para trabalhar connosco e dar-lhes as condições para que continuem a trabalhar, mas também a divertir-se. E é como te digo, felizmente, não tenho memória de nenhum ponto de quase rutura.

Das várias coisas que já foste partilhando comigo, qual é que dirias que é o maior desafio atual da Everythink?

Eu acho que o maior desafio é, e já andamos a pensar nisto há algum tempo, o compromisso de nos internacionalizarmos. Temos conseguido evangelizar o mercado português e as nossas empresas para a importância do design – com a ajuda de outras empresas e organizações, claro está –, mas ainda não é um assunto tão sensível em Portugal como é noutros países.

E o que é que tu mudavas na tua empresa?

Hmmm, é uma boa questão e por acaso não sei… Acho que gostava de ter uma equipa maior e ainda mais completa. Gostava de ter ainda mais conhecimento e de oferecer melhores condições às pessoas – oportunidade, por exemplo, de visitar o mundo e mostrar-lhes outras coisas –, formá-las ainda mais e fazê-las evoluir.

Fomos conhecer o Júlio na antiga sede do Orfeão Universitário do Porto, onde passou horas e horas do seu tempo de estudante entre ensaios e reuniões. Hoje, ainda toca, sai e joga futebol com os amigos do Orfeão. Entrou para o solfejo aos 5 anos, os The Face começaram quando tinha 15 anos e hoje ainda são um power trio de rock. Desde pequeno que queria ter a sua empresa e as poupanças que não “estourava em instrumentos musicais”, já eram para a criação da sua futura empresa.

A música é, também, uma parte muito importante da tua vida e sempre foi. Como é que tudo começou?

Eu fui para o solfejo para aí aos 5 anos, acho que ainda nem andava na primária (risos). Entretanto, aos 11 anos os meus pais ofereceram-me uma guitarra e a partir daí comecei a tocar e tive aulas. Por volta aí dos meus 13 ou 14 anos juntei-me com mais amigos meus e criamos uma banda, ou seja, começamos a tocar música em conjunto. Depois aos 15 anos começamos mesmo uma banda “formal” e começamos a dar concertos ali na zona de Santa Maria da Feira, nos bares e festas que havia. E nunca mais deixei de ter grupos de música, bandas e coisas do género, mas houve uma que se manteve sempre e até hoje: a minha banda The Face.

“Eu valorizo mesmo muito a Universidade e o conceito global e universal desta rede de conhecimento e de pessoas.”

Quando entras para a FEUP, aparece também na tua vida o Orfeão Universitário do Porto, onde passaste alguns anos da tua vida. Conta-nos um bocadinho da tua história por lá.

No segundo ano da faculdade decidi aproximar-me e perceber o que é podia fazer no Orfeão Universitário do Porto e tive muitos anos por lá. Foi um grupo e uma experiência fascinante, que leva uma parte da minha vida. O Orfeão Universitário do Porto é um grupo académico cultural que junta alunos de todas as faculdades da Universidade e, à data, era o único que fazia isto. Nós tínhamos grupos de Coro Clássico, Fado Académico, Tuna Universitária, Danças Pauliteiras de Miranda, Douro, Minho, Açores, Madeira, Grupos de Alentejanos, Cantares de Maçadeiras, Orquestra Ligeira, Grupo de Jograis… Havia 19 grupos diferentes e, mais ou menos, 200 pessoas faziam parte destes grupos. E aí tínhamos de cantar, tocar guitarra… alguns dançavam, mas nunca foi a minha especialidade (risos). Além disto, era gerido pelos próprios estudantes e houve uma altura em que dei o meu contributo como Vice-Presidente e Presidente da Direção. Tive experiências muito muito boas, por exemplo, ter que organizar uma excursão à Grécia há 20 anos era um desafio engraçado. Com este grupo também me aproximei de uma forma diferente da Universidade do que se estivesse apenas na minha Faculdade. Eu valorizo mesmo muito a Universidade e o conceito global e universal desta rede de conhecimento e de pessoas.

Então e volvidos estes anos como é que está a tua banda? Ainda existe? Tiveste outros projetos?

Sim, sim. Ainda é a mesma banda, apesar de uma paragem que tivemos – o nosso baterista foi uns anos trabalhar para Liverpool. Estamos agora a recuperar e a retomar, mas os The Face são sagradinhos (risos). Junto-me, também, com mais amigos meus, principalmente do tempo do Orfeão, e temos mini-bandas. Eu costumo dizer que é quase como um ginásio: as pessoas vão lá para o seu bem-estar físico e mental. Aqui funciona da mesma forma, porque a música também tem o condão de nos ajudar a relaxar, descontrair e a divertir.

Qual é o teu estilo musical?

Opá, é rock (risos). Eu sempre gostei de ouvir muitos géneros. Tanto é que no Orfeão tinha de ouvir desde fado até música popular portuguesa. Eu gosto de vários géneros musicais e não ouço sempre a mesma coisa. Há uma ou duas bandas que são referências, mas nem são as que mais ouço no dia-a-dia.

E quais são essas referências?

Dire Straits, por causa do Mark Knopfler na guitarra, Pink Floyd, Queen, U2, Guns N Roses, mais recentemente, os Pearl Jam…

E na tua banda tocam o quê?

Tocamos rock, principalmente, porque somos aquele power trio: voz, baixo, guitarra e bateria – sendo que a voz e a guitarra são a mesma pessoa, que sou eu (risos).

Quando eras criança já pensavas em ter a tua própria empresa ou querias ser guitarrista (risos)? Qual era o teu sonho?

Era construir um carro (risos). Sempre esteve nos meus objetivos criar uma empresa, eu acho que desde sempre mesmo. O meu pai tem uma pequena empresa também e eu via-o como uma referência. Sempre achei que criar uma empresa era interessante para gerires o teu futuro – e não para ganhares mais dinheiro, como muitas vezes se pensa. O maior valor que podes tirar de criar uma empresa é a possibilidade e o potencial que tens de construíres o teu próprio futuro. E, por isso, sempre quis criar a minha empresa – tanto é que nas minhas poupanças, desde pequeno, uma parte era para estourar em instrumentos musicais e a outra parte era para a criação da minha empresa.

“No dia em que criamos a empresa, o João disse-me: «Isto é uma relação mais importante do que um casamento, porque nós vamos estar oito horas por dia juntos… e acordados!».”

Tens alguma pessoa que tenha marcado particularmente a tua vida?

Tenho muitas pessoas e por vários motivos. Não tenho assim o guru ou mentor, mas tenho muitas pessoas que têm muito significado para mim. Por exemplo, alguns professores simplesmente por uma frase que disseram numa aula marcam muito um aluno – e, às vezes, os professores não têm bem a noção do impacto que podem ter. Uma pessoa que recordo e que teve duas presenças em momentos-chave na minha vida foi o Professor Novais Barbosa. Quando eu fui Presidente do Orfeão, ele era Reitor da Universidade e para um miúdo que nasce em Santa Maria de Lamas – e, na altura, 20km era uma distância grande – ter a oportunidade de lidar com o Reitor da Universidade… As distâncias de estatuto eram consideráveis e as primeiras vezes que falei com ele estava verdadeiramente nervoso, mas sempre foi uma pessoa que me colocou sempre à vontade e com quem lidei muito facilmente. Anos mais tarde e por coincidência, volta a surgir na minha vida quando na FEUP me sugerem falar com a UPTEC por causa do meu projeto. Na reunião que tive, acabo por me aperceber que o Presidente dessa instituição era o Professor Novais Barbosa (risos) e que continuou a acompanhar também o crescimento da Everythink. Obviamente, também os meus pais, que são responsáveis por tudo o que eu fiz e sou e pela liberdade e oportunidade que criaram. Nem toda a gente que quer ter uma banda de rock ou quer passar mais um ano ou dois – ou cinco (risos) – na Faculdade, consegue. Não é assim tão fácil… Além disso, é meritório também referir o meu sócio, porque desde o primeiro dia que está aqui comigo. No dia em que criamos a empresa ele disse-me: “Isto é uma relação mais importante do que um casamento, porque nós vamos estar oito horas por dia juntos… e acordados!”. O João é, sem dúvida, uma pessoa chave na minha vida.

Tens alguma coisa que tens mesmo de fazer todos os dias?

A higiene matinal (risos). Hmmm, agora acho que não tenho nada que tenha de fazer, mas já tive de tocar guitarra todos os dias. Em tempos ficava ansioso se não conseguisse tocar todos os dias, mas desabituei-me disso. Agora talvez tenha que estar atento ao email. Não quer dizer que responda todos os dias, mas estou sempre atento ao email.

Gostas de fazer exercício físico?

Olha, não vou ao ginásio. De quando em vez, vou correr. E jogo futebol uma vez por semana com os meus amigos, a maior parte deles, do Orfeão – é uma história que se prolonga (risos). Sim, tenho alguma prática desportiva, mas não quero que isso me iniba de fazer outras coisas, como por exemplo ir ver concertos ou fazer outras coisas diferentes.

Qual é o teu dia preferido da semana?

Eu arrisco dizer que é o sábado, porque é o dia em que tens mais liberdade. Se quiseres trabalhar não há problema, porque não é domingo; se te quiseres divertir não há problema, porque a seguir é domingo (risos). É um dia que dá para trabalhar de manhã, descansar à tarde e estar com os amigos à noite, sem qualquer constrangimento.

Diz-me três coisas que queres fazer na tua vida.

Construir um carro, construir um carro e construir um carro (risos). Ora, não tenho essa lista construída, mas tenho várias coisas. Talvez te diga viajar mais, olhar mais para mim – exercício físico, saúde, etc… – e, a nível profissional, gostava de ver estas guitarras e estes violinas nas mãos de grandes músicos e em grande palcos.

Share Article